Com o café da manhã terminado, os dois tiveram alguns momentos breves para si mesmos antes de precisarem trabalhar.
Segundo Lilia, havia três tipos de trabalho forçados para os escravos nestas partes. O primeiro era trabalhar nos navios que chegavam à Doca do Massacre. Os escravos seriam responsáveis por carregar partes da carga para seus superiores.
Isso geralmente ficava a cargo dos escravos de combate que pertenciam a um dono ou aqueles que ainda não haviam sido vendidos. Eles eram, afinal, escravos que tiveram seu físico aprimorado por sigilos ou sangue.
Como nem Alice nem Lilia pertenciam a este grupo de escravos, elas não iriam ajudar nas docas.
O segundo tipo de trabalho era realizado pelos escravos carregadores. Caçadores frequentemente os contratavam temporariamente para ajudá-los, seja carregando sua bagagem ou ajudando-os a caçar. Até que consigam dinheiro suficiente para comprar um escravo integralmente, eles geralmente os pegavam emprestados.
Naturalmente, se um escravo morre em campo, o Caçador teria que pagar uma penalidade. Mas em comparação com perder a própria vida na selva, deixar um escravo morrer no lugar do Caçador era uma opção muito mais fácil. Assim, a taxa de mortalidade dos escravos era alta.
"Ambas fomos patrocinadas, então também não vamos pegar esse tipo de trabalho. Afinal, se um escravo que um dos VIPs está de olho morrer, isso traria má reputação para os anfitriões deste lugar. Por isso é mais provável que peguemos o terceiro tipo de trabalho. Eu suponho que podemos chamá-lo de o tipo mais fácil", explicou Lilia enquanto coçava a bochecha.
"Só temos que ajudar onde pudermos. Pode ser no fundo das minas ou ajudando em uma farmácia. Dependendo do que estiver disponível naquele dia, pode ser mais fácil ou mais difícil", Lilia deu de ombros.
"Você sabe bastante", Alice não pôde deixar de apreciar o conhecimento de Lilia.
"Ahaha, bem, não é nada. Eu era uma escrava antes de chegar a este lugar, então já passei por um monte dessas coisas. Não tenho certeza de como as coisas funcionam nesta cidade, pois é um lugar novo, mas não deve ser muito diferente."
"Mesmo assim. Ainda é conhecimento", Alice reafirmou enquanto Lilia concordava.
"De fato, ainda é conhecimento", Lilia encheu o peito orgulhosamente.
Ao olhar para os olhos honestos de Alice e os leves sinais de curiosidade, Lilia não pode deixar de se lembrar da própria irmã. Apesar da aparência de Alice, ela era mais parecida com uma adolescente em sua mentalidade.
Lilia não sabia o que causava tal disparidade entre as ações e a aparência dela, mas provavelmente era algo relacionado ao confinamento. Um que não permitia que ela interagisse com os outros.
De qualquer modo, Lilia queria tornar a vida de Alice um pouco mais fácil, se pudesse.
Eles não tiveram que esperar muito. Um homem vestido em todo preto com peito de prata, guarda-ombros e proteções de pulso se aproximou da gaiola delas.
Pegando uma corrente, ele a prendeu contra suas coleiras e abriu a porta das duas gaiolas. Sem dizer nada, ele puxou a corrente e virou-se, arrastando as duas contra a vontade delas.
Alice notou que Lilia estava estranhamente quieta, sua disposição geralmente alegre desaparecida enquanto ela olhava para o chão.
'Provavelmente vão nos tratar pior se nos verem felizes', Alice refletiu. Era a única explicação para as ações de Lilia que ela conseguia pensar.
Com as duas seguindo o homem sem dizer uma única palavra, eles foram conduzidos pelas instalações do Coliseu. Enquanto caminhavam pelo lugar, Alice avistou a arena principal pelas brechas das paredes de madeira. A maioria dos obstáculos que haviam colocado lá durante os eventos não podia mais ser vista. Além disso, a área havia sido reaproveitada como um mercado.
Se era o mercado principal para os cidadãos ou o mercado negro onde ocorria o comércio subterrâneo, Alice não tinha certeza.
Desviando o olhar da arena, Alice viu ondas de trabalhadores indo e vindo. Ferreiros na tonalidade vermelha da forja martelavam em coleiras de metal enquanto Bestas Abissais estavam acorrentadas em gaiolas, esperando por arreios.
Farmacêuticos extraíam o sangue de Bestas Abissais enquanto as mantinham vivas, grandes Brutamontes com gaiolas de ferro sobre suas cabeças guardavam a entrada de cada instalação, e figuras misteriosas encapuzadas perambulavam pelo lugar, dirigindo-se para os alojamentos dos escravos.
'Provavelmente estão aqui para comprar escravos sem deixar que as pessoas conheçam sua identidade', Alice pensou consigo mesma. Embora ela não tivesse certeza sobre o sistema geral de escravos e a opinião pública sobre isso, Alice ainda podia imaginar que as figuras encapuzadas provavelmente não queriam desfilar pela cidade deixando todos saberem que compraram um escravo.
Mas esses eram apenas os pensamentos dela.
Uma vez que estivessem do lado oposto dos alojamentos dos escravos, no outro lado do edifício, os dois foram conduzidos a um elevador que os enviou para o subterrâneo.
O elevador funcionava com o mesmo líquido vermelho que Alice havia visto nas esteiras transportadoras que enviavam as gaiolas para a arena durante seu primeiro dia ali.
Se ela lembrava corretamente, tudo isso era devido à 'Engenharia do Abismo', funcionando à base de sangue.
Descendo às profundezas do coliseu, Alice podia sentir a temperatura cair enquanto gotas de água se formavam nas paredes rochosas ao redor do elevador.
O eco de máquinas acima lentamente desaparecia à distância com o som de engrenagens se movendo, ecoando cada vez mais alto no silêncio.
Nem Alice nem Lilia soltaram um único pio. A pessoa que as liderava também estava em silêncio.
Elas assumiram que ele explicaria o trabalho delas uma vez que chegassem ao fundo.
'Até onde estamos indo...', Alice pensou consigo mesma com uma carranca enquanto as luzes ao redor do elevador piscavam para a vida, iluminando os três numa tonalidade laranja.
Estranhamente, as rochas ao redor deles iluminavam com uma cor verde fluorescente na presença de luz.
Virando-se para Lilia para ver se ela sabia o que estava acontecendo, a luz curiosa nos olhos da garota mais velha disse a Alice tudo que ela precisava saber.
Lilia não sabia onde elas estavam.
Assim que chegaram ao fundo, o homem puxou suas correntes mais uma vez. Ele sequer deixou as duas admirarem os arredores. As meninas nem imaginavam que um lugar como esse existia.
Havia um único rio fluindo pela caverna, refletindo os raios suaves de luz emitidos por insetos brilhantes no teto. Grandes estalagmites as cercavam com o som rítmico de água pingando de vez em quando do teto. Acima, as estalactites lentamente desbotavam em um cristal estranho e translúcido que reunia um fluido claro que se coalescia em um orbe de água e espirrava nas rochas abaixo.
À distância, lanternas haviam sido colocadas para iluminar a caverna. As chamas dentro delas tremulavam com uma leve brisa que fluía pela caverna. A cada tremulação, a caverna brilhava com o verde fluorescente que Alice viu na descida.
Na presença das rochas brilhantes, havia um fluido estranho misturado ao rio que o iluminava com um azul neon, transformando o corpo comum de água em uma visão efêmera que fluía como seda graciosa.
Em todos os seus anos presa na prisão de Zenia, ela nunca havia ouvido ou imaginado uma cena dessas.
Quanto do mundo ela havia perdido? Quantas vistas como essa existem no mundo?
Segurando seu peito, ela podia sentir um fogo ardendo dentro. Um desejo de ver mais dessa visão. Ela queria testemunhar a beleza do mundo em que vivia.
Ao ver o olhar extasiado de Alice, Lilia não pôde deixar de rir. Ela achou bastante fofo como Alice estava tão encantada por tal vista. Embora ela mesma não fosse muito diferente, jáque era a primeira vez que ela via algo assim também.
Com as duas paradas, o homem franziu a testa e puxou a corrente com força, fazendo Alice cair para frente enquanto Lilia mal conseguia se manter de pé.
"Parem de enrolar", ele disse friamente. Havia um claro sinal de desprezo em seus olhos como se ele estivesse questionando por que tinha que ser o único a mostrar a elas para onde ir.
"Desculpe", Lilia pediu desculpas enquanto ajudava Alice a se levantar.
"Vamos acompanhar ele. Quanto mais o irritarmos, pior será para nós", ela sussurrou para Alice enquanto limpava sua saia.
Concordando com a cabeça, Alice lançou um último olhar para a caverna antes de correr atrás do homem.
Liderando as duas pela caverna, eles logo chegaram a uma entrada feita pelo homem cercada por lanternas que iluminavam os arredores.
A entrada estava na forma de um grande conjunto de portas de pedra que tinha a figura de uma Besta de múltiplos membros em uma posição baixa e agachada. Estranhos glifos e padrões cercavam a Besta com uma única joia vermelha servindo como o olho da Besta.
Empurrando a porta sem nenhum problema, ele revelou uma espécie de prisão, escondendo uma miríade de Bestas Abissais nas celas, acorrentadas contra as paredes.
Seus corpos estavam desnutridos e eles careciam de energia, um claro sinal de terem seu sangue extraído repetidamente por seus efeitos.
Alice até podia avistar um grande aglomerado de Lírios Vampiros presos a uma das paredes, com vários lírios já murchando na escuridão.
No entanto, esse não era o destino delas. O destino delas era muito mais adiante na prisão.