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Chapter 2 - Capítulo 2 - Sob o Luar das Sombras

O mundo de Elias havia mudado de maneira irrevogável. Ainda ofegante da batalha, ele sentia o corpo arder, mas havia uma sensação estranha de poder dentro de si. O despertar havia trazido uma nova realidade, uma que ele ainda não compreendia totalmente. No entanto, o que veio depois da luta foi o que mais o surpreendeu. Ele não estava sozinho.

Enquanto tentava se recompor no meio da rua deserta, o som suave de passos chamou sua atenção. Quando ele se virou, o que viu o fez congelar. Saindo das sombras, uma figura elegante e imponente se aproximava, movendo-se com a graça de um predador. Era uma mulher, mas não uma mulher comum. Seus olhos brilhavam de forma penetrante, e orelhas de lobo despontavam no alto de sua cabeça. O rabo felpudo balançava lentamente atrás de seu corpo esguio.

— Finalmente, você despertou, Elias Ferreira. — A voz dela era baixa, quase um rosnado, mas tinha um tom suave e sedutor. — Estava esperando por você.

Elias ficou boquiaberto, sem saber o que dizer. Suas pernas, ainda tremendo da batalha, quase falharam quando tentou se levantar.

— Quem... quem é você? — conseguiu perguntar, sua voz rouca de cansaço e confusão.

Ela parou a alguns metros de distância, cruzando os braços. Usava roupas simples, mas que realçavam sua forma atlética, e seus olhos de um amarelo intenso não o deixavam escapar nem por um segundo.

— Meu nome é Kyra, — respondeu ela, seus olhos percorrendo-o de cima a baixo como se o avaliasse. — Sou uma guerreira como você... ou pelo menos, como você está destinado a se tornar. Mas, por enquanto, você é apenas um novato, e precisa de muito treinamento.

Elias piscou várias vezes, tentando entender. — Treinamento? O que está acontecendo comigo? Quem são essas criaturas? E... o que você é?

Kyra soltou um riso baixo, que soou mais como um ronronar, enquanto se aproximava lentamente. — Você tem muitas perguntas, mas todas serão respondidas no tempo certo. Por enquanto, só precisa saber que eu serei sua instrutora. Você despertou um poder raro, mas sem controle, ele vai te destruir... ou pior, atrairá forças muito maiores do que essas criaturas que enfrentou hoje. — Ela fez uma pausa, seus olhos fixos nos dele, como se estivesse sondando sua alma. — Se quiser sobreviver, terá que aprender a controlar suas habilidades. E eu sou a única que pode te ensinar.

Elias, ainda confuso, balançou a cabeça. — Eu... não tenho escolha, não é?

— Não, — respondeu Kyra, séria. — Se você não aprender a lutar, morrerá. E há coisas muito piores que a morte.

Sem mais uma palavra, Kyra virou-se e começou a caminhar na direção oposta, as sombras quase engolindo sua figura esbelta. Elias hesitou por um momento, mas logo a seguiu. O cansaço pesava em seus ossos, mas a determinação de entender o que estava acontecendo — e de sobreviver — o impulsionava.

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Eles caminharam por horas, em silêncio, até que chegaram a um lugar isolado nas montanhas, afastado do caos urbano. A cabana onde Kyra vivia era simples, mas cercada por uma densa floresta, criando uma atmosfera ao mesmo tempo tranquila e misteriosa. Elias ainda estava tentando absorver o fato de que havia acabado de lutar contra monstros e que agora estava sendo treinado por uma mulher que parecia metade humana, metade loba.

— Aqui estamos, — disse Kyra ao abrir a porta da cabana e gesticular para que Elias entrasse.

O interior era surpreendentemente aconchegante. Uma lareira no canto lançava um brilho suave sobre os móveis de madeira e as paredes de pedra. Havia armas penduradas nas paredes — espadas, lanças, arcos —, mas também havia uma ordem incomum no espaço. Era claro que Kyra vivia sozinha, mas não havia nada que parecesse desleixado ou negligente.

— Você precisa descansar antes de começarmos o treinamento, — disse ela, caminhando até uma pequena mesa e pegando uma garrafa de água.

Elias, ainda perplexo com tudo, sentou-se no chão de madeira ao lado da lareira. Sua mente estava um turbilhão de pensamentos. Quem era essa mulher? Por que ele? E, mais importante, o que estava acontecendo com ele?

Kyra se aproximou e entregou a garrafa a ele. — Você parece perplexo. Isso é normal no começo. Mas amanhã as coisas ficarão mais claras... ou pelo menos, mais difíceis.

Elias aceitou a água, bebendo grandes goles, antes de olhar para Kyra. — O que exatamente você é? Você é... humana?

Ela riu, dessa vez de verdade, um som rouco e agradável. — Parte de mim, sim. Sou uma Demi-humana, como você deve ter percebido. Não somos muito comuns por aqui, mas nosso povo existe há muito tempo. Fomos caçadores, guerreiros e... agora, eu sou sua sensei.

— Demi-humana... — murmurou Elias, olhando para o chão. — E essas criaturas que eu enfrentei? O que são?

Kyra o observou com curiosidade por um momento antes de responder. — São chamados de Voracs. Monstros que emergem de outra dimensão. Eles caçam humanos despertos como você, para absorver sua energia. Agora que você despertou, atrairá muitos deles. Por isso, você precisa aprender a se defender.

Elias olhou para ela, incrédulo. — E eu vou conseguir fazer isso? Quero dizer... Eu não sou um lutador, nunca fui.

Kyra se ajoelhou na frente dele, seus olhos dourados brilhando no fogo da lareira. — Isso está prestes a mudar. Se eu não acreditasse que você pudesse sobreviver, eu não estaria aqui. Mas será difícil. Muito difícil.

O olhar intenso de Kyra fez Elias sentir um estranho arrepio. Havia algo magnético nela, algo que ele não conseguia explicar, e não se tratava apenas do fato de que ela era uma guerreira feroz. Havia uma presença, uma força em seus olhos, algo que ele não conseguia ignorar. Era como se, de alguma forma, ela enxergasse através dele, conhecendo seus medos e suas fraquezas mais profundas.

— Descanse por hoje, Elias. Amanhã será um dia longo, — disse ela, levantando-se de maneira fluida. — Há um quarto no fundo. Fique à vontade.

Elias assentiu, ainda meio atordoado. Quando ela saiu da sala, ele se arrastou até o quarto pequeno e se jogou na cama. Seu corpo estava exausto, mas sua mente estava agitada. Ele não conseguia deixar de pensar na batalha, nas criaturas, em Kyra... e em tudo que estava por vir.

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Na manhã seguinte, Elias foi acordado pelo som de metal batendo no metal. Ele saiu do quarto rapidamente e viu Kyra do lado de fora, treinando com uma espada. Ela se movia com uma graça sobrenatural, cada golpe perfeitamente calculado, sua força e agilidade evidente em cada movimento.

— Você dormiu bem? — perguntou ela, sem sequer olhar para ele, enquanto desferia outro golpe no ar.

— Acho que sim, — respondeu Elias, ainda admirado pela maneira como ela se movia. — Isso é incrível. Como você... faz isso?

Kyra finalmente parou e olhou para ele com um leve sorriso. — Décadas de treinamento, disciplina, e claro... um pouco da minha herança. Mas você também aprenderá, se estiver disposto.

— Eu estou disposto, — respondeu ele rapidamente, determinado. — Quero entender esse poder, e quero sobreviver.

Ela assentiu, satisfeita. — Ótimo. Então, vamos começar. Hoje, você aprenderá o básico: controle do corpo e da mente. Para dominar seu poder, você precisa primeiro entender seu próprio corpo.

O treinamento começou de forma intensa. Kyra não dava trégua, exigindo de Elias mais do que ele imaginava ser capaz de dar. Flexibilidade, velocidade, controle de respiração, tudo era parte do treinamento físico. Mas o mais desafiador era o controle mental. Kyra o fez meditar por horas, forçando-o a entrar em contato com a fonte de seu poder, com as sombras que ele havia despertado.

Elias lutava para manter o foco, mas sempre que seus olhos se encontravam com os dela, ele sentia algo mais. Havia uma tensão crescente entre eles, uma conexão que ele não conseguia entender. Cada toque de Kyra, cada correção de postura que ela fazia, fazia seu coração bater mais rápido.

Ao final do dia, enquanto descansavam à beira da floresta, Elias finalmente se atreveu a perguntar o que o estava incomodando.

— Kyra... você já treinou outros como eu antes?

Ela olhou para ele, um olhar enigmático em seus olhos dourados. — Já. Mas nenhum como você. — Ela se aproximou, mais perto do que antes, seus olhos fixos nos dele. — Há algo em você... algo que eu não esperava.

Elias sentiu seu coração acelerar enquanto ela se aproximava ainda mais. O calor do corpo dela parecia envolvê.

Enquanto o crepúsculo tingia o céu de tons dourados e violeta, o segundo dia de treinamento de Elias começou de forma intensa. Kyra, com seus movimentos felinos e precisão letal, demonstrava o uso do poder das sombras como se fosse uma extensão de seu corpo. A cada passo, Elias sentia a pressão de corresponder às expectativas, mas também percebia uma crescente tensão entre os dois. O vínculo que se formava durante o treinamento era algo que ele não conseguia ignorar, e a maneira como os olhos de Kyra o fitavam, com uma mistura de admiração e algo mais, só intensificava esse sentimento.

— Hoje, vamos focar no controle do *Qi das Sombras* — disse Kyra, sua voz suave, porém firme. — O *Qi* é a energia vital que flui dentro de todos nós, mas no seu caso, você despertou uma conexão com as sombras. Elas são parte de você agora, e você precisa aprender a usá-las a seu favor. Se não controlar, elas o consumirão.

Elias assentiu, tentando absorver cada palavra. Ele havia aprendido sobre o *Qi* em antigas lendas e histórias, mas nunca imaginara que fosse algo real, muito menos algo que ele teria que dominar para sobreviver. Kyra o instruiu a sentar-se no chão da clareira, cercado pelas árvores altas e imponentes da floresta. O vento soprava suavemente, trazendo consigo o cheiro úmido da terra, misturado ao perfume selvagem de Kyra, que o deixava ainda mais inquieto.

— Feche os olhos e concentre-se — instruiu Kyra, sentando-se à sua frente. — Sinta a energia ao seu redor. As sombras estão sempre presentes, mesmo na luz. Elas espreitam nos cantos, esperando para serem controladas. Respire fundo e sinta o fluxo delas dentro de você.

Elias fez o que ela disse. Inspirou profundamente, tentando ignorar o nervosismo crescente que sentia ao ter Kyra tão perto. A presença dela era magnética, e sua proximidade fazia sua mente vagar em direções que ele sabia que não devia. Mas precisava focar. Este treinamento era questão de vida ou morte.

Lentamente, ele começou a sentir algo. Uma corrente fria e densa fluiu por seu corpo, como um rio escuro correndo pelas veias. As sombras ao seu redor pareciam responder ao seu chamado, e ele sentia a energia delas se enredando em torno de sua consciência.

— Isso — disse Kyra, sua voz agora um sussurro gentil. — Você está fazendo progresso. Mas lembre-se: o controle vem do equilíbrio. As sombras podem ser destrutivas, mas também podem ser poderosas aliadas. Controle-as com calma, não com força.

Elias abriu os olhos por um instante e viu Kyra o observando de perto. Seus olhos dourados brilhavam à luz do entardecer, e ele notou como as sombras ao redor dela pareciam se mover ao seu comando, como se ela e as trevas fossem uma só entidade. Havia algo fascinante em vê-la tão concentrada, e ele se perguntou há quanto tempo ela havia dominado aquele poder. De repente, o olhar dela encontrou o dele, e por um momento, o tempo pareceu parar.

— Você... você faz isso parecer tão fácil — disse Elias, tentando romper a tensão que sentia crescer entre eles.

Kyra sorriu suavemente, um sorriso que fez o coração dele acelerar mais uma vez. — Não foi fácil. Demorou anos, décadas... Eu tive que aprender a duras penas. Mas com você... sinto que é diferente. Você tem um talento natural. Mesmo que não saiba disso ainda.

Elias desviou o olhar, envergonhado pela intensidade do momento. — Eu não sei se sou tão especial assim. Só estou tentando sobreviver.

Kyra se aproximou um pouco mais, seu olhar nunca deixando o dele. Ela estendeu a mão e, surpreendentemente, tocou a dele, um gesto que fez um arrepio percorrer a espinha de Elias. O toque dela era quente, contrastando com o frio das sombras que ele sentia em seu interior.

— Você é especial, Elias — disse ela, a voz baixa e quase carinhosa. — Há algo em você que vai além do poder das sombras. É por isso que estou aqui. Não só para treiná-lo, mas para protegê-lo... e guiá-lo.

O toque dela, o calor da presença, a maneira como seus olhos o envolviam... tudo isso mexia com Elias de uma maneira que ele não sabia como lidar. Por um instante, ele sentiu o desejo de se aproximar mais, de entender mais sobre essa mulher tão misteriosa e forte que agora ocupava tanto espaço em sua mente. Mas antes que pudesse reagir, Kyra recuou ligeiramente, quebrando o contato, como se também estivesse ciente da linha tênue que estavam prestes a cruzar.

— Concentre-se — disse ela, mais séria agora, mas ainda com um brilho suave nos olhos. — As sombras respondem a seus desejos, mas também aos seus medos. Se não as dominar, elas vão refletir o que há de mais sombrio em você. Então, mantenha o foco.

Elias respirou fundo, tentando afastar a onda de emoção que o envolvia, e voltou a fechar os olhos. Agora, com a mente mais clara, ele mergulhou fundo na escuridão interior. Sentiu as sombras dentro dele se expandirem, como se fossem uma parte viva de seu ser. Lentamente, ele as moldou, sentindo o poder fluir através de suas mãos e se manifestar ao redor de seu corpo. As sombras começaram a tomar forma, como se fossem extensões físicas de seus pensamentos.

— Impressionante... — sussurrou Kyra, sua voz carregada de aprovação. — Você está começando a entender. Continue.

Elias, incentivado pela aprovação dela, começou a manipular o *Qi das Sombras* com mais precisão. Ele esticou os braços, e as sombras ao seu redor se moveram com ele, como se fossem fios invisíveis sendo puxados por suas mãos. A sensação era estranhamente natural, como se aquelas trevas sempre tivessem estado dentro dele, esperando apenas o momento certo para serem liberadas.

Mas havia uma resistência. Uma parte dele que ainda temia o poder que carregava. E foi nesse instante de hesitação que ele sentiu as sombras tentando se libertar de seu controle. O frio se intensificou, e de repente, a escuridão parecia estar prestes a consumi-lo.

— Elias, controle-se! — gritou Kyra, percebendo o que estava acontecendo.

Desesperado, ele tentou recuperar o controle, mas a força das sombras era avassaladora. Quando tudo parecia perdido, ele sentiu a mão de Kyra em seu ombro novamente. O toque dela, firme e ao mesmo tempo reconfortante, trouxe-o de volta ao presente.

— Você consegue, Elias. Não lute contra as sombras. Aceite-as como parte de você.

Com essas palavras, Elias finalmente entendeu. Ele não deveria reprimir ou temer as sombras, mas sim aceitá-las. Eram parte dele, assim como sua própria respiração. Ele respirou fundo, deixou de lutar e, ao invés disso, abraçou o frio e a escuridão que fluía por seu corpo.

De repente, as sombras ao seu redor pararam de lutar e se aquietaram, moldando-se perfeitamente ao seu controle. Elias abriu os olhos, e Kyra estava ali, sorrindo para ele, orgulhosa.

— Conseguiu, — disse ela, sua voz suave como o vento noturno. — Você está no caminho certo.

O coração de Elias disparou. Não só pelo sucesso, mas também pela maneira como ela o olhava. Era mais do que um simples orgulho de uma professora. Havia algo ali... algo que os dois sentiam, mas ainda não ousavam expressar.

— Obrigado, Kyra, — disse ele, sua voz quase um sussurro.

Ela apenas assentiu, e por um breve momento, o mundo pareceu se fechar ao redor deles. As sombras, antes ameaçadoras, agora eram um reflexo de algo mais profundo entre eles, uma conexão que crescia com cada passo no treinamento.

Mas, como sempre, Kyra recuou, quebrando o momento. — Agora, descanse. Amanhã será ainda mais desafiador.

Elias a observou se afastar, sabendo que, mesmo com o treinamento à frente, havia algo mais que ele precisava enfrentar. E não era apenas o controle das sombras, mas o sentimento crescente que começava a florescer entre os dois.