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Chapter 2 - Capítulo 2

Quando acordei, tudo estava em silêncio. A névoa havia sumido. Eu estava deitado no chão da sala, ainda sentindo a dor surda no meu estômago. Por um segundo, pensei que tivesse sido um pesadelo, mas o latejar no meu corpo provava o contrário. Dizer que eu não me lembro de nada do que aconteceu seria patético, eu ainda tenho caráter o suficiente para fazê-lo.

Lentamente, me arrastei para o sofá e me sentei, tentando recuperar o fôlego. Foi então que percebi algo estranho no bolso da minha calça. Enfiei a mão e puxei o que parecia ser um cartão. Minha visão ainda estava um pouco embaçada, mas consegui ler o que estava escrito forçando a vista:

"Jacopo Suansi"

E logo abaixo, um endereço.

"Rua das Mais Belas Flores, número um"

"Jacopo Suansi". Se o mundo ainda faz sentido, é um nome. E se não é um nome, faz-se parecer que é. Definitivamente é um. 

"O nome do homem é Jacopo?", eu questionei-me em voz alta, quase tentando afirmar, mas regredindo.

Tomei aquilo como verdade. Aquele homem parece ser do tipo que anda com vários cartões publicitários, do tipo que quer sempre expandir seu império, talvez até mais do que Alexandre, o Grande ou Gengis Khan.

Nunca tinha ouvido falar dessa rua, o que, por si só, já era estranho. Eu conhecia bem essa cidade, ou ao menos achava que conhecia. Até o dia 31 de outubro do ano passado, eu achava que sabia o suficiente sobre tudo ao meu redor, mas me surpreendi quando nenhuma memória me veio à cabeça ao ler o nome da rua.

Me levantei, ainda sentindo o estômago latejar, e comecei a andar pela sala, com o cartão balançando entre meus dedos. O homem, quem quer que fosse, havia sumido sem deixar rastros. Mas aquelas palavras, Smoke Field… Aquilo não era normal. Ele desapareceu, atacou-me sem que eu visse, e agora me deixava um endereço? Para quê? 

Eu não sabia se era alguma armadilha, ou se era minha única chance de entender o que estava acontecendo. A neblina ao redor da Catedral, as pessoas desaparecendo, os "seres", "Ninhos". Nada disso parecia fazer sentido, mas a verdade é que eu não tinha mais opções. Eu precisava de respostas.

Meus olhos vagaram pelo apartamento. A solidão que antes era minha companhia fiel agora se transformava em uma pressão insuportável. Cada móvel, cada canto parecia opressor, sufocante. Talvez fosse o efeito daquela névoa ou talvez fosse só minha mente se rebelando contra a situação. Parecia que eu estava contra mim mesmo.

Soltei um suspiro profundo. Não era como se eu tivesse muitas escolhas. Ou eu ia até esse tal de Jacopo Suansi, ou continuava me escondendo aqui, esperando que esse homem com motivos inexplicáveis voltasse para me forçar a sair. 

Peguei o casaco jogado no sofá e enfiei o cartão no bolso. Havia algo mais me aguardando lá fora, eu podia sentir. Abri a porta do apartamento com cautela, esperando, quase como se ele estivesse do outro lado. A maioria das pessoas saem de casa já sabendo onde ir, mas eu não sou uma dessas pessoas.

Desci as escadas do prédio em silêncio, meus passos ecoando nas paredes vazias. O ar lá fora parecia pesado, mais denso do que antes. As ruas, como de costume, estavam desertas, envoltas em uma atmosfera desagradável.

Caminhei lentamente, com meus olhos sempre atentos ao redor. 

A procura pela rua será desafiadora para dizer o mínimo.

Com os pés na calçada, me espreguicei apenas para ouvir uma miríade de ruídos que nenhum homem gostaria de ouvir naquela situação.

Objetos caindo.

Me concentrando, facilmente conseguia deduzir o local de origem dos ruídos. 

O barulho veio de um beco ao lado do Royal-Chamberlain, eu não lembrava que esse beco existia. Ou então ele nunca entrava em minha perspectiva, se um indivíduo viveu sua vida inteira apenas indo para a esquerda da saída do prédio, nunca saberia da existência daquele beco.

Apenas inclinei um pouco o pescoço, o suficiente para perceber alguns movimentos inconstantes de algo naquele beco.

Me aproximando, pouco a pouco, eu contemplava se realmente devia o fazer. Talvez seria mais sensato se eu tivesse começado minha busca pelo endereço.

Mas no fim, não há porque questionar isto.

Não há razão.

Não há.

Similarmente, os animais caçam para buscar comida, os pássaros e as baleias, por exemplo, cantam para atrair companheiros e para se comunicar. E eu, Yarin Zanetti, minha história agora se baseia em encontrar respostas, e não há mais nada que faça o mínimo de sentido. Nem tão moralista para me considerar um detetive, nem tão inconveniente a ponto de ser um consorte do crime organizado. Apenas quero responder às perguntas que estou fazendo para mim mesmo.

Avancei devagar pelo beco, minha respiração ainda entrecortada pelo recente confronto. Cada passo parecia ecoar de volta como se a cidade estivesse prestes a engolir tudo ao meu redor. Estava escuro ali, mais do que deveria ser para aquela hora. Que merda, novamente, as coisas não fazem sentido, odeio perder o controle da situação, mas talvez, eu já o tenha perdido horas atrás sim. Uma névoa densa envolvia a passagem estreita, mas, dessa vez, eu sabia que não era só um efeito da escuridão.

Cheguei perto o suficiente para perceber o que se movia.

No fundo do beco, algo se retorcia. Não era humano. Claro, podia ver vagamente a silhueta de um corpo, mas qualquer semelhança com uma pessoa terminava por aí. Aquela existência movia-se com uma fluidez que desafiava a lógica. Seus membros se alongavam e encurtavam em padrões erráticos, como se tentasse imitar a forma humana, mas sem entender as regras.

Uma comparação eficaz seria o ato de tentar fazer uma prova sem ter estudado antes, ou ter estudado apenas alguns minutos antes da prova começar.

Aquilo se virou na minha direção, e eu senti um calafrio percorrer minha espinha. Seu rosto ou o que parecia ser seu rosto era uma mistura grotesca de características. Como se alguém tivesse tentado criar uma estátua humana, mas tivesse esquecido o básico de proporção e coerência. O queixo era grande demais, os olhos, pequenos e profundos, brilhavam de um branco sujo, como porcelana rachada e ardósia fumê. Não tinha boca visível, mas eu podia ouvir um som — algo entre um assobio e um lamento distante — vindo de onde a boca deveria estar.

O ar ao redor dele parecia mais pesado, como se ele drenasse o calor e a energia do espaço em volta. A pele, se é que podia chamar de pele, era de uma tonalidade cinza-escura, como pedra úmida, mas parecia mudar conforme ele se movia, piscando entre formas que iam de sólido a translúcido.

Minhas pernas tremeram por um segundo. O suficiente para ser chamado de "vibração". Eu estava preso entre a fascinação e o medo. Esse era um daqueles "Seres"?