Gabrielle continuava escondida atrás do pequeno penico dourado, o único objeto que poderia servir minimamente como escudo. Ela ainda tremia de pavor, tentando entender o que acabara de acontecer. A criatura, frustrada, estendeu suas garras novamente, mas ao invés de atravessar o corpo da garota, acertou o penico com força, produzindo um som metálico que ecoou pelo quarto.
De repente, o silêncio foi quebrado por uma terceira voz, inesperada e cheia de indignação:
— Mas que porra é essa?
Gabrielle, ainda abraçada ao penico, arregalou os olhos, completamente surpresa pela voz fantasma que ecoava pelo ambiente. Ela mal conseguia acreditar no que estava ouvindo. "O que é que tá acontecendo com essa pousada?" pensou, sem saber se sentia alívio ou um novo tipo de medo.
A criatura pareceu ter ficado um pouco confusa, após ouvir a voz fantasma, mas no instante seguinte, pareceu ter compreendido a situação.
— Então o Djinn não foi destruído junto com a lâmpada… ele estava o tempo todo escondido no penico… bem que achei muito fácil destruir a lâmpada…— fala o monstro, entoando a voz com fúria.
Gabrielle parece incrédula "Então o tal do Djinn está no penico?"
O sentimento de exasperação toma cada vez mais conta da criatura, que uiva de cólera. Seus olhos vermelhos adquirem uma cor mais intensa.
— Não tenho nada contra você, mas o Djinn merece morrer… ele merece pagar, e vai pagar! E, infelizmente, você tem que morrer junto com ele! — Revela o monstro, em um tom de lamento e rancor.
Ao ouvir tais palavras, Gabrielle entra em desespero, ela lembra o tanto que se esforçou, os apuros que passou, não era justo!
"Eu vou morrer? Me esforcei tanto para acabar assim?… não, eu não vou morrer… não antes de realizar os meus sonhos!", ela pensa firmemente.
Em um ato de desespero, Gabrielle, então começa a esfregar violentamente o penico, usando os braços e as mãos, e berra em tom de angústia:
— Sai, sai, sai daí… sai agora do penico, Djinn, o que quer que você seja!
Inesperadamente, uma intensa luz passa a ser emitida pelo penico, e invade todo o cômodo, ofuscando a visão da criatura e de Gabrielle.
Quando a intensidade do clarão vai arrefecendo, Gabrielle tem o vislumbre de uma silhueta posicionada entre ela e a criatura… É o Djinn!
***
Gabrielle piscou, atônita, encarando a figura à sua frente. Ela não sabia o que era um Djinn, mas de uma coisa ela tinha certeza, aquela figura diante dela era um gênio, mas não como os das lendas árabes que costumava ouvir. A pele dele era de um tom de cobre brilhante, nada parecido com as cores vibrantes de azul, verde ou vermelho que ela imaginava. Seus longos cabelos lisos, da cor de avelã, estavam presos em um elegante rabo de cavalo duplo, balançando suavemente ao redor de seu rosto angular.
O Djinn usava uma coleção de adereços dourados que chamavam a atenção. Braceletes largos adornavam seus pulsos, e um piercing reluzente brilhava em sua orelha. No centro da testa, presa à raiz do cabelo, cintilava uma pedra de ametista azul. Seu olhar, afiado e ligeiramente debochado, sugeria uma confiança inabalável.
Com 1,90 m de altura e um físico musculoso, ele parecia irradiar poder. Vestia apenas um longo colete azul com detalhes dourados, revelando o peito definido. Abaixo do cinto dourado, onde deveriam estar suas pernas, uma espessa fumaça azulada ondulava em uma nuvem etérea. Gabrielle não conseguia desviar os olhos, completamente fascinada e um pouco assustada com a presença imponente do Mestre dos Desejos.
— É isso ai, meus queridos!!! Tô na área! Se derrubar é penalti! — Diz o Djinn, massageando com uma das mão os músculos dos ombros, enquanto movimenta o braço.
Gabrielle não consegue desgrudar os olhos vidrados da figura mitológica que está diante dela. Um Djinn, algo como um gênio dos Contos das 1001 Noites, e da história do Aladim, está agora perante ela.
— Um… um Djinn, é mesmo um gênio da lâmpada… — Balbucia uma perplexa Gabrielle. "ele deve ser o mocinho, eu estou mesmo salva" — soluça, a garota.
A criatura, por sua vez, não compartilhava o fascínio de Gabrielle. Na verdade, a mera presença do Djinn parecia despertar nela uma repulsa visceral, inflamando ainda mais sua sede assassina.
— Vo… você… — a criatura rosnou, o nojo evidente em cada sílaba, enquanto fungava com desdém.
O Djinn continuava a massagear os músculos dos ombros, até que a luz que emanava dele se apagou por completo. Ignorando os olhares de ódio da criatura e o pesado sentimento de repulsa que pairava no ar, ele encarou a besta com uma calma perturbadora. Com um estalo dos ossos do pescoço, um sorriso malicioso surgiu em seus lábios, e ele disse:
— Só um minutinho, aí, queridão!
Num movimento inesperado, ele se virou para Gabrielle, o sorriso ardiloso ainda presente, e acrescentou:
— Princesa, você é a minha nova Mestra?
O Djinn continuava a encarar Gabrielle com um sorriso confiante e audacioso, seus olhos a examinando meticulosamente, pensa "Que droga... Com essa garotinha frágil como Mestra, estou ferrado... preciso me livrar desse contrato o quanto antes."
Mantendo o sorriso desafiador, ele se aproximou de Gabrielle e disse:
— Muito prazer, minha linda! Eu sou Farid, Djinn e Senhor das Areias do Desejo. Estou aqui para realizar três anseios do seu coração. Que tal fazer logo esses pedidos, para eu poder voltar ao meu velho penico?
Antes que Gabrielle pudesse reagir, a criatura, impaciente, interrompeu bruscamente a cena.
— Seu patife! — bradou a besta, o ódio fervendo dentro de si. — VOCÊ ME TRANSFORMOU NISSO!
Farid virou o pescoço lentamente em direção à criatura, o cinismo brilhando em seus olhos, e respondeu:
— Opa! Não me responsabilize pelos seus maus desejos, garotão!
A besta soltou um urro de pura fúria, cerrando as garras enquanto avançava com violência na direção de Farid e Gabrielle.
— CALE ESSA BOCA IMUNDA! EU VOU TE MATAR!!!
O Djinn olhou para a criatura com uma expressão de tédio e desapontamento. Coçando levemente o lado direito da boca, ele provocou:
— Vixe... já vi que realmente não dá pra conversar com você...
Então, um sorriso largo e debochado apareceu em seu rosto, enquanto ele continuava:
— Sorria e diga "XIIIIIIIS"!
De repente, um flash de luz ofuscante explodiu das mãos de Farid, cegando momentaneamente a criatura. A besta se contorceu de dor, cobrindo o rosto com as garras, enquanto gritava:
— Ahhh, meus olhos!!
Aproveitando a distração causada pelo flash, Farid se moveu rapidamente em direção à janela, estendendo a mão para Gabrielle. Sua voz carregava um tom de urgência:
— Vamos dar o fora daqui, boneca!
Gabrielle, que havia presenciado tudo, percebeu que não foi afetada pela luz ofuscante. "Provavelmente porque fui eu quem convocou ele", pensou. Ainda um pouco perdida em seus pensamentos, ela demorou alguns momentos para responder ao chamado de Farid.
— Ah… Sim! — respondeu Gabrielle, finalmente voltando a se concentrar.
Enquanto ela se dirigia à janela, a criatura, ainda urrando de dor, começou a destruir toda a parede do quarto em sua agonia, causada pela forte luminescência emitida por Farid.
— Ahhhhhhhh! EU VOU ENCONTRAR OS DOIS! E VOU MATÁ-LOS… EU NÃO VOU TER PIEDADE!
Gabrielle hesitou e se voltou para olhar a criatura, sentindo uma onda de compaixão invadi-la ao ver a besta se contorcendo em aflição. Farid, percebendo a intenção dela e querendo apressar a fuga, exclamou:
— Bora, moleza! Acorda pra cuspir!
Os rugidos de sofrimento da criatura ecoavam pela pousada e pelo bairro, enquanto Gabrielle e Farid escapavam, deixando a besta ferida e furiosa para trás.
***
Gabrielle estava exausta, descansando em um ponto de ônibus próximo à praia de Botafogo, após ter corrido desesperadamente para escapar da besta. Gabrielle arfava, ainda sem fôlego, enquanto tentava recuperar o ritmo da respiração. A garota observava Farid, que pairava no ar com suas pernas etéreas ondulando suavemente. Enquanto ela lutava para recuperar o fôlego, ele parecia completamente alheio ao cansaço, claramente não afetado pela fuga desesperada que haviam enfrentado.
— Arf… arf… eu quase morri de tanto correr… já você parece estar muito bem… — Disse uma ofegante Gabrielle, quase sem forças, depois de correr o mais rápido que podia.
Farid, desconfiado, lançava olhares furtivos para Gabrielle, ponderando sobre a situação. De repente, ele invocou um antigo pergaminho que surgiu em suas mãos, e com um tom um tanto forçado de entusiasmo, disse:
— Bom, vamos lá, lindoca! Eu sou um Djinn e posso conceder a você qualquer desejo do seu coração. Na verdade, você tem direito a três desejos. Pode pedir qualquer coisa, com exceção de reviver, matar ou manipular alguém. Se fizer isso, vai acabar se transformando naquele bicho feio...
Gabrielle, ainda atônita, não reagiu, o que fez Farid prosseguir, tentando manter a confiança:
— Enquanto eu tiver as Areias do Desejo nesta maravilhosa ampulheta, posso realizar qualquer sonho seu — disse ele, conjurando uma bela ampulheta adornada com detalhes dourados. Contudo, ao olhar mais de perto, o Djinn percebeu algo aterrador, fazendo sua expressão congelar de pavor. "Pera... tá vazio... Eu gastei todas as Areias do Desejo tentando fugir do meu último mestre... e agora, o que eu vou fazer? Ferrou tudo..." pensou, sentindo o pânico crescer.
Gabrielle, ainda atônita com todo o acontecimento, olha de soslaio para Farid, sem entender a razão do visível desespero dele.
— O que aconteceu, Djinn? Que ampulheta é essa em suas mãos? — Pergunta, Gabrielle, bastante preocupada, observando com atenção a bela ampulheta.
— Esse é o Horológio dos Desejos, artefato é carregado de magia antiga, onde armazenamos as Areias do Desejo… grânulos que só podem ser manipulado por nós, os Djinn. Somente com esse pozinho mágico, é que conseguimos realizar os sonhos de vocês, nossos Mestres. — Diz Farid, muito irritado.
O Horológio dos Desejos é uma peça de rara beleza. A ampulheta, com bulbos de vidro cristalino que abrigam as místicas Areias do Desejo, é emoldurada por uma estrutura de ouro maciço. Os discos superior e inferior, que mantêm os bulbos em posição, são meticulosamente esculpidos com finos arabescos, transmitindo um ar de requinte e poder. No centro de cada disco, gravado com precisão, encontra-se o sigilo do Djinn: um símbolo que lembra um "U" cursivo, com um pequeno gancho puxado para dentro na ponta esquerda, e um oval delicadamente posicionado no topo.
Flanqueando o sigilo, os discos exibem, em ouro gravado, os desenhos de um sol e uma lua, simbolizando a dualidade e o equilíbrio dos poderes contidos na ampulheta.
Unindo os dois discos, três hastes douradas percorrem toda a estrutura. Entre os bulbos de vidro, um cinturão dourado, também adornado com arabescos intrincados e antigas inscrições, envolve a ampulheta, sugerindo o mistério e a magia ancestrais que governam o artefato. Cada detalhe do Horológio dos Desejos reflete a majestade e o perigo contidos em sua função, fazendo jus ao poder que ele concede a quem o possui.
Gabrielle observa a irritabilidade de Farid e não entende o porque o Djinn está tão nervoso.
— Por que você está tão nervoso? Não tem as areias e tudo bem! — diz, Gabrielle.
Farid, que estava concentrado no Horológio, vira-se para Gabrielle e responde — Você não entende, loira, eu precisava das Areias do Desejo para me desgrudar de você, e voltar para o meu penico… — diz ele, ríspido. — "Eu não quero morrer cedo, se ficar grudado com essa loirinha frágil, eu vou para o país dos pés juntos…" — devaneia irritado, o Djinn.
Gabrielle observa a preocupação estampada no rosto de Farid, e a rispidez da resposta, já intuindo o motivo.
— Ah, então era isso? Com as Areias você consegue se "desgrudar" de mim? Aliás, Sr. Djinn, o que vamos fazer se aquele monstro chegar aqui? — pergunta, Gabrielle, ironicamente.
— Se ele chegar a aqui, não vamos ter escapatória, a não ser correr, sacas? Correr pra chuchu, do pé bater na bunda, já que não temos as Areias do Desejo…
Subitamente, um vulto se aproxima de Gabrielle e Farid. O Djinn percebe a aproximação e franze o cenho, desconfiado.
— Você não deveria estar descansando para trabalhar amanhã? — Diz uma voz vinda por trás do ponto de ônibus, onde Gabrielle e Farid estão.
Gabrielle se vira ao reconhecer a voz. Ela está com um semblante aliviado, e anda na direção de onde vez a voz.
Farid franziu o cenho, seus sentidos aguçados captando a tensão no ar assim que ouviu aquela voz. Um calafrio percorreu sua espinha, e ele apertou o punho, ele tentou pensar rápido, ele e Gabrielle precisavam sair dali, sem Areias do Desejo, tudo estaria perdido.