O vasto pátio externo do Colégio Dom Pedro I era um verdadeiro cenário que mesclava história e natureza, com seus 42 metros de comprimento e 22 metros de largura, oferecendo um espaço grandioso e acolhedor. Ao centro, destacava-se a imponente mangueira centenária, uma árvore majestosa que dominava a paisagem. Diziam que suas raízes mergulhavam não apenas no solo fértil, mas também nas lendas que cercavam a instituição, com histórias sussurradas de que teria sido plantada pelo próprio Dom Pedro I, nos dias do Império. Seus galhos robustos estendiam-se como braços protetores, oferecendo sombra e tranquilidade, criando um refúgio natural no coração da escola.
Sob suas copas frondosas, os alunos se reuniam, conversando ou buscando abrigo do calor carioca. O contraste entre o ambiente escolar moderno e a árvore ancestral era um lembrete vivo do passado glorioso do Brasil. O vento que balançava suas folhas parecia carregar ecos de eras antigas, enquanto o pátio, iluminado pelo sol, se tornava o ponto de encontro para risos, trocas de confidências e, às vezes, segredos que apenas a velha mangueira era capaz de guardar.
Gabrielle se afastava do local onde ficava a frondosa mangueira, e avançava em direção à saída do colégio, quando presenciou uma cena quase inacreditável. Farid, com seu blazer incrustado de safiras, brilhava intensamente sob o sol, como se tivesse saído direto de um dos contos das Mil e Uma Noites. Seu ar de superioridade era inegável, mas destoava completamente do contexto escolar. Ao lado dele, Seu Zé, o simpático porteiro, parecia estar em outra dimensão, com um olhar distante, como se estivesse sonhando acordado..
Ao avistar a cena bizarra, a expressão de Gabrielle se tornou sombria e ela apresentava uma aura tão intensa que parecia capaz de congelar qualquer um em seu caminho. Daniela, sempre curiosa e cheia de energia, seguia de perto, mas até ela estava ficando desconcertada com a aura assustadora que emanava da amiga. Os alunos, que há pouco tempo estavam em uma euforia coletiva por conta do misterioso "Xeique de Dubai", ficaram em silêncio assim que viram Gabrielle se aproximando. Como se instintivamente soubessem que o show estava prestes a acabar, abriram caminho para ela sem dizer uma palavra.
— O que é que você está fazendo aqui?! — Gabrielle quase rosnou entre os dentes ao se aproximar de Farid. Sua expressão era de pura indignação, e sua paciência, visivelmente, já estava esgotada.
Daniela, sempre atenta aos detalhes, arregalou os olhos e se inclinou um pouco mais perto, absorvendo cada palavra dita com tanta raiva. — Você conhece o ricaço? — perguntou, sem disfarçar a surpresa. Aparentemente, a revelação de que Gabrielle tinha alguma ligação com o misterioso "Xeique de Dubai" era grande o suficiente para abalar até mesmo a sempre animada Daniela.
Gabrielle, sem dar a mínima para a pergunta da amiga, se aproximou ainda mais de Farid, sua aura furiosa era quase palpável. Foi quando ela percebeu algo ainda mais estranho. A cena parecia tirada de um sonho bizarro: seus olhos imediatamente fixaram-se na rede de limpar piscina, o objeto improvável que Guilherme segurava com firmeza, e então desceram até o rosto do jovem. Era o Senhor Oshiro?!
— Senhor Oshiro…?! — Gabrielle exclamou, sua expressão mesclando confusão e incredulidade. Ela olhou de novo para a rede de limpar a piscina e, sem conseguir processar a cena direito, balançou a cabeça.
— O que… VOCÊS estão fazendo aqui? — sua pergunta veio com ainda mais ênfase, enquanto sua mente tentava desesperadamente juntar as peças do quebra-cabeça. Guilherme suspirou, sabendo que as explicações estavam prestes a ser ainda mais complicadas.
Um calafrio começou a subir lentamente pela espinha do Djinn. Farid já tinha enfrentado criaturas monstruosas, cruzado dimensões e brincado com as areias do desejo como se fossem brinquedos. Mas naquele momento, nada parecia mais aterrorizante do que encarar a furiosa Gabrielle.
Farid forçou um sorriso, nervoso, tentando manter sua compostura.
— Surpresa! Viemos conhecer o seu colégio! — começou ele, sua voz um pouco mais alta do que o esperado. — Eu só estava... verificando se estava tudo seguro por aqui, sabe? Uma mera rotina...
Gabrielle continuava visivelmente furiosa com Farid, cruzando os braços e fulminando o Djinn com os olhos.
Guilherme, que até então permanecera um pouco mais afastado, não conseguiu segurar um sorriso sarcástico ao observar a cena. Finalmente, o "confia no pai" de Farid estava sendo colocado à prova, e o resultado parecia bastante promissor. Esse sentimento deliciosamente vingativo era algo tão diferente, que próprio Guilherme estranhou a sensação.
***
Gabrielle observava o sorriso de Guilherme, enquanto ele se apoiava naquela estranha haste. Seu cenho se franziu, achando a situação muito estranha, mas antes que pudesse questionar Farid sobre toda a situação, o Sr. Zé, que vinha junto de Farid e Guilherme, interrompeu-a.
— Então, é a menina Gabrielle que o senhor veio procurar?! Como já a encontrou, vou à diretoria. Pode ficar à vontade. — disse o Sr. Zé, afastando-se rapidamente em direção ao prédio central da escola.
Gabrielle manteve o olhar afiado em Farid, e assim que o Sr. Zé desapareceu, a irritação transbordou em sua voz.
— Eu não te falei pra não sair do quarto!? — ela rosnou.
Farid, assustado com o tom ríspido de Gabrielle, mas tentando contornar a situação, sustentou o seu típico sorriso debochado, e passando o braço ao redor dos ombros dela, despreocupado, disse.
— Tecnicamente, você só disse pra eu me comportar. Não proibiu de te seguir. — retrucou ele, com uma pose quase triunfante.
Gabrielle encara Farid com um olhar mortal, o que faz o Djinn se encolher e imediatamente retirar o braço dos ombros de Gabrielle. Enquanto isso, Guilherme, não que não conseguiu conter o sorriso, começava a tremer. O sorriso maldoso era visível em seu rosto, e ele se segurava na haste com força.
— Você... está... em perigo... — arfou ele, entre os tremores. — E... tudo... por causa… desse Djinn irresponsável… —
As veias em seu rosto pulsavam, e um ar sinistro começou a envolvê-lo. Seus olhos, antes normais, agora tremeluziam entre o castanho e um vermelho ameaçador. Daniela, sempre atenta, percebeu a palavra Djinn, além de ter notado a mudança no rosto de Guilherme, sentindo um frio lhe subir pela espinha.
— Gaby, esses caras são mesmo seus amigos? — perguntou Daniela, com o rosto pálido de preocupação.
Gabrielle percebeu o olhar alarmado da amiga e, finalmente, notou o estado de Guilherme. Seus olhos se voltaram para Farid, que só agora percebeu as mudanças no jovem Oshiro.
— Alah… parece que ele não resistiu... — murmurou Farid, levemente preocupado.
Gabrielle apertou os lábios, já prevendo que Farid havia aprontado alguma. Sua voz saiu afiada.
— Não resistiu ao quê?! O que você fez, Farid? Não tinha dito que ele estava "zero bala"? — a irritação era evidente.
Farid coçou o queixo, pensativo.
— Tecnicamente, a Purificação Astral foi feita para purificar as Areias do Desejo sozinhas... foi a primeira vez que tentei purificar alguém já consumido por um Breu. Achei que tivesse funcionado...
Gabrielle ouviu aquilo com uma fúria crescente, os olhos faiscando de raiva.
— A primeira vez que tentou?! Você tá achando que isso é algum tipo de teste, Farid? Isso não é brincadeira!
Antes que ela pudesse avançar para ajudar Guilherme, um tremor violento sacudiu o chão da escola. As janelas vibraram, os alunos começaram a murmurar em pânico.
— Vixe, será que agora tá rolando terremoto no Rio de Janeiro? — comentou um aluno, dando início a um burburinho inquieto.
Subitamente, Guilherme, começou a farejar algo no ar. Ele se agarrou com mais força à haste e, com a voz rasgada, gritou:
— Saiam... daqui... AGORA!
Seus dentes agora estavam afiados como presas, e os olhos de um vermelho permanente. O pátio, antes agitado de curiosidade, agora estava tomado pelo medo. Os alunos, que antes queriam saber mais sobre o "xeique árabe", ficaram em choque ao ver as transformações bizarras de Guilherme.
Gabrielle, puxando Daniela, se afastou dele, os olhos arregalados.
— Ele vai virar um Breu de novo! Se isso acontecer, ele pode machucar todo mundo! E o que foi esse tremor? — sua voz trêmula carregava um tom de desespero.
— Breu? Breus realmente existem? — Daniela perguntou, assustada.
Gabrielle olhou assustada para Daniela, "em que mundo a Dani saberia sobre os Breus?", pensou Gabrielle.
Outro tremor, seguido de mais um, e depois outro. O chão parecia pulsar, como se algo gigantesco estivesse se aproximando. O pânico se espalhou, e os alunos começaram a correr, desesperados, mas o portão estava fechado.
— O que está acontecendo, Farid?! Isso é obra sua? — Gabrielle exigiu saber, cada vez mais nervosa.
Farid, apesar do sorriso despreocupado, já estava de olho no que vinha pela frente.
— Loura, é hora de meter o pé. — disse ele, puxando Gabrielle pelo braço, com urgência.
Ele abriu o portão com um único movimento, e os alunos correram em disparada, dificultando a passagem de Farid, Gabrielle e Daniela. Gabrielle olhou para trás e viu Guilherme, encostado na mangueira, cada vez mais tomado pela transformação.
— Ei! Não podemos deixar o Guilherme assim! — protestou Gabrielle, tentando se soltar de Farid.
— Ele sabe se cuidar. Vamos embora, é perigoso ficar aqui! — insistiu Farid.
Com relutância, Gabrielle seguiu, ainda segurando Daniela. No entanto, um som ensurdecedor chamou sua atenção. Um carro vinha voando, em alta velocidade, diretamente em sua direção.