A Shamal mantinha o sorriso zombeteiro, observando atentamente os dois Breus. O ar ao redor deles tremulava, carregado pela energia acumulada. ÍNDIGO e CINZA, cada um de um lado, abriram suas bocas, revelando uma luz escarlate crescente que parecia pulsar como um coração faminto. A temperatura aumentava tanto que o chão começava a rachar sob os pés deles.
— Que previsível... — murmurou a Shamal, girando os olhos como se tudo aquilo fosse um teatro enfadonho.
Então, simultaneamente, os Breus dispararam. Dois feixes de energia escarlate avançaram, rugindo como trovões, prontos para reduzir tudo a cinzas.
Sem demonstrar qualquer hesitação, a Shamal ergueu os braços. Seus dedos se abriram em um gesto fluido, como quem afasta uma cortina, e a energia foi desviada para cima. A onda destrutiva rasgou os céus, explodindo em uma chuva de chamas escarlates. O céu inteiro brilhou vermelho por um momento, tingido como sangue fresco.
Shamal encarou seus inimigos, o mesmo sorriso desdenhoso dançando em seus lábios.
— Só isso? Francamente... pensei que vocês fossem oferecer algo mais emocionante.
O Breu Cinza se moveu num borrão, aparecendo ao lado do Índigo com uma velocidade quase impossível de acompanhar. Ele estendeu suas garras afiadas, mirando o peito da Shamal em um golpe certeiro e brutal.
Mas a Shamal desapareceu no último segundo, desviando-se com a leveza de uma brisa. O Breu Cinza cambaleou, atônito com a facilidade com que seu ataque fora evitado.
— Tsc... — bufou Shamal, fingindo impaciência. — Vocês são patéticos. Acho que vou ter que ensiná-los algumas coisinhas.
Com um gesto lento e deliberado, Shamal ergueu o dedo indicador, apontando diretamente para o Breu Cinza. O gesto era simples, mas carregado de uma estranha autoridade, como se cada fibra do corpo do monstro fosse obrigada a se curvar à sua vontade.
— Sabe... é possível distinguir a classe de um Djinn pela cor. — A voz dela soou quase casual, mas o brilho em seus olhos sugeria perigo iminente.
Num piscar de olhos, Shamal desapareceu de onde estava e ressurgiu atrás do Breu Índigo. O Cinza girou instintivamente, apenas para vê-la flutuando logo à sua frente, a expressão despreocupada.
— Se ele for verde... — começou ela, a frase pairando no ar, carregada de uma promessa implícita.
O Breu Cinza rosnou, avançando em fúria com um soco rápido. Mas o punho passou por Shamal como se ela fosse feita de névoa. O impacto continuou seu caminho implacável, acertando o Breu Índigo em cheio.
Shamal explodiu em uma risada estridente, vibrante e cortante como um trovão.
— HAHAHAHA! Cuidado... — sussurrou, a voz carregada de malícia. — Eles serão da Classe Si'la, e podem ser muito traiçoeiros.
O Breu Cinza rugiu, fora de si. Ele atacou com garras e socos em um frenesi descontrolado, mas cada golpe atravessava Shamal como se ela não estivesse lá. Seu corpo ondulava e distorcia como a superfície de um lago perturbado, imune à violência cega da criatura.
Desesperado, o Breu aumentou a intensidade dos ataques. Suas garras afiadas se tornaram um borrão mortal — e então, finalmente, ele acertou.
As lâminas de suas garras perfuraram a barriga de Shamal, com um som nauseante de carne se rasgando. Ela arqueou o corpo, os olhos arregalados por um breve momento. Aquele sorriso zombeteiro finalmente se desfez, e seu corpo despencou como uma folha seca, caindo em espiral até o chão.
Silêncio.
Os Breus observaram o corpo imóvel de Shamal, estatelado na terra, com o sangue manchando o solo. Ela estava... morta?
***
O Breu Cinza urrava, uma gargalhada animalesca e triunfante, certo de que finalmente havia derrotado a Shamal. Seu rugido ecoava pelos escombros enquanto chamas e poeira dançavam ao seu redor, alimentadas pelo vento seco. No alto, o Breu Índigo desceu lentamente, aterrissando com um impacto surdo entre os destroços.
Sem pressa, ele caminhou pelos escombros em direção ao corpo inerte da Shamal, que jazia como uma boneca quebrada. A satisfação em seus olhos brilhava como brasas. Ao se aproximar, ele a ergueu pelo pescoço com uma mão poderosa, deixando o corpo dela pender como um trapo sem vida.
Com um estalo seco, ele virou a cabeça dela para examiná-la, apenas para ser surpreendido por um arrepio na espinha: os olhos da Shamal se abriram de repente, brilhando em um tom profundo e hipnótico de roxo.
A voz dela, fria e precisa, rompeu o silêncio como uma sentença:
— Se o Djinn for roxo... ele será da Classe Ghul. E terá o poder de invocar os mortos.
Antes que os Breus pudessem reagir, o chão ao redor deles começou a rachar. Das fendas escuras, mãos espectrais emergiram, translúcidas e retorcidas como galhos secos. Dedos gelados e sujos de terra agarraram seus tornozelos, apertando com força inumana.
Com um estalo seco, o Breu Índigo largou Shamal, e ela caiu no chão com a leveza de uma folha. Como se nada tivesse acontecido, ela se ergueu e observou com olhos divertidos enquanto os dois monstros se contorciam, tentando escapar das mãos fantasmagóricas.
Os Breus tentaram se desvencilhar, lutando desesperadamente. As garras afiadas rasgavam o ar, mas não conseguiam cortar as mãos que os puxavam para baixo, como se fossem sombras materializadas.
— UHHHHHHHH! — rugiu o Breu Cinza, seus olhos arregalados em puro desespero. Ele cravou suas garras nas bordas das fendas abertas, tentando se segurar.
A Shamal, observando languidamente o desespero dos Breus, esboçou um sorriso quase carinhoso, como se estivesse prestes a dar uma lição valiosa.
— Continuando a lição…, disse ela, calmamente, Se forem vermelhos...
De repente, uma luz alaranjada explodiu sob os pés dos Breus, projetando sombras sinuosas nas paredes. O ar ao redor esquentou de forma sufocante, como o prelúdio de um incêndio incontrolável. Em seguida, colunas de fogo rugiram das entranhas da terra, empurrando os dois monstros para fora com violência, como se a própria terra quisesse se livrar deles.
— …os Djinns pertencerão à Classe Ifrit... — continuou Shamal, sua voz serena em contraste com o caos ao redor — ...e terão o domínio sobre o elemento mais destrutivo de todos: o fogo!, disse ela se abaixando para encarar de perto as criaturas, caminhando lentamente pelo fogo ardente.
Como se nada tivesse acontecido, ela se ergueu e observou com olhos divertidos enquanto os dois monstros se contorciam, cercados pelas chamas furiosas.
— Ah, mas aposto que vocês estão se perguntando... e nós, os azuis? O que fazemos?
Subitamente, o fogo se extinguiu, desaparecendo sem deixar cinzas ou calor, como um pesadelo interrompido. Os Breus congelaram no lugar, incapazes de se mover, como se uma força invisível e esmagadora estivesse prendendo suas almas no corpo.
Com passos lentos e deliberados, a Shamal se aproximou, os olhos cintilando com um brilho enigmático.
— Nós, os Djinns da Classe Marid, somos considerados os mais poderosos entre todos. Nossa força é comparada à dos anjos, e... — Ela ergueu as mãos suavemente, e um brilho azulado intenso irradiou de seus dedos e pupilas.
— …manipulamos quase todo tipo de magia. — Shamal completou, o sorriso suave nunca deixando seu rosto.
O brilho se intensificou em uma onda devastadora. Os corpos dos Breus começaram a desintegrar-se em areia negra, fina como cinzas, escorrendo pelo chão como um rio sombrio. Eles tentaram lutar, mas tudo o que restou deles foi poeira.
Shamal limpou as mãos, como se tivesse acabado de concluir uma tarefa tediosa.
— O problema com criaturas como vocês... — murmurou para si mesma — é que subestimaram um Djinn da classe errada.
E, com um leve sorriso, ela flutuou para longe, enquanto o vento levava os últimos vestígios daquele breve e insano confronto.
***
A rua estreita ao redor do colégio estava tranquila, com carros enfileirados ao longo da calçada direita. Na margem oposta, edifícios baixos se alinhavam, suas fachadas pálidas cortadas pelo verde das árvores cuidadosamente plantadas na calçada. No fundo, destacava-se uma pequena loja com um toldo verde, balançando levemente ao vento, como se nada soubesse do caos que havia ocorrido momentos antes.
Daniella estava encostada no muro, os braços cruzados, tentando recuperar o fôlego. A alguns metros dela, Guilherme permanecia desacordado, cuidadosamente encostado em posição sentada, como se alguém tivesse colocado seu corpo ali com cuidado.
— O que será que foi aquilo...? — murmurou Daniella, ainda ofegante, os olhos fixos em Guilherme, como se esperasse que ele desse algum sinal de vida.
Então, de repente:
— NÃO! — gritou Guilherme, despertando de um susto.
Daniella saltou para trás, arqueando o corpo como um gato assustado, os olhos estreitos e atentos, pronta para reagir a qualquer movimento estranho.
— Onde... onde eu tô? — perguntou ele, piscando confuso, a voz fraca e rouca.
Guilherme esfregou os olhos, e ao notar a expressão de Daniella, forçou um sorriso amistoso.
— Ah... Você é amiga da Gabrielle, né? Oi.
Mas Daniella continuou encarando-o com desconfiança, sem responder. Guilherme abaixou o olhar para a própria mão e, de repente, foi atingido por uma memória fragmentada: sua mão semi-transformada, parecendo um híbrido grotesco de humano e Breu. Ele se lembrou vagamente dos eventos que ocorreram, como flashes de um pesadelo.
— Gabrielle! Ela tá em perigo! — exclamou ele, a urgência tomando conta de sua voz. Mas, ao tentar se levantar, suas pernas falharam, e ele caiu de volta, atônito e frustrado.
— Mas... o que tá acontecendo...? — murmurou, tentando juntar os pedaços da memória que lhe escapavam.
Nesse momento, uma voz distante ecoou pela rua:
— DAAAAANI! Você tá bem?!
Gabrielle surgiu correndo ao longe, o cabelo desgrenhado e as roupas sujas da batalha. Ela parecia exausta, mas viva. Logo atrás dela, Farid vinha caminhando de forma relaxada, carregando um enorme saco nas costas como se tivesse acabado de ganhar na loteria.
Daniella abriu um sorriso aliviado ao ver a amiga.
— Gabi! Você tá viva, mulher!
Gabrielle não hesitou. Ela se jogou nos braços de Daniella, envolvendo-a em um abraço apertado, como se quisesse se certificar de que a amiga era real. Então, afastou-se o suficiente para examiná-la, passando as mãos rapidamente por seus braços e ombros.
— Você tá bem? Tá inteira? Não se machucou?
Enquanto as duas se abraçavam e riam nervosas, Farid parou diante de Guilherme e lançou um olhar despreocupado para a cena. Com um sorriso malicioso, balançou a cabeça.
— Duas gatas se agarrando na minha frente? Ah, isso sim é um final feliz — comentou o Djinn, desavergonhado, enquanto arqueava uma sobrancelha com ar divertido.
Guilherme olhou de soslaio para ele, ainda sem entender nada, mas também sem forças para questionar o absurdo daquele momento. Daniella e Gabrielle riram, o alívio finalmente tomando conta delas após tudo o que passaram.
***
Guilherme ergueu o rosto, sentindo a brisa suave passar pelas árvores ao longo da rua, o que trazia um conforto refrescante após os acontecimentos violentos de outrora.
— Que bom que ninguém se machucou... — murmurou ele, ainda meio grogue.
— Tecnicamente, EU me machuquei — resmungou Farid, fingindo indignação.
O Djinn estendeu a mão para ajudar Guilherme a se levantar, mas o rapaz balançou a cabeça, frustrado.
— Eu meio que não consigo me mexer... — confessou Guilherme.
— Ah, é mesmo! Foi mal aí, Gui! — respondeu Farid, com um sorriso despreocupado.
Com um leve movimento das mãos, as Areias do Desejo brilharam em um dourado suave entre seus dedos.
— Tive que te dar um "sossega-leão", né? Não dava pra deixar você solto por aí depois daquela confusão! — acrescentou ele, rindo de canto.
Guilherme aceitou a mão de Farid e, com um puxão firme, finalmente ficou de pé. Assim que o garoto se equilibrou, Farid sorriu.
— Aliás, mandou bem lá, Gui. — Com mais um gesto ágil, ele fez surgir uma rede de limpar piscina nas mãos de Guilherme.
— A... rede de limpeza? — Guilherme piscou, confuso.
— Pois é, a outra se perdeu na luta — disse Farid, dando de ombros.
O olhar de Guilherme pousou no saco enorme que Farid carregava nas costas.
— E isso aí? O que você tá carregando?
— Espólio de guerra. — Farid suspirou teatralmente. — A senhorita Gabrielle me fez gastar todas as Areias do Desejo consertando o colégio e apagando a memória dos seus coleguinhas. Tô quase sem energia pra me manter materializado!
— Bem feito! — provocou Guilherme, rindo. — Quem sabe agora você aprende a economizar...
Os olhos do rapaz se estreitaram quando notou o brilho peculiar nas areias no saco.
— Espera aí... isso tudo são Areias do Desejo?
— Yep. Corrompidas até o último grão. Vai precisar de uma boa Purificação Astral pra limpar isso tudo! — respondeu Farid, exibindo um sorriso malicioso.
De repente, um alarme de celular disparou, interrompendo a conversa.
— Ah, minha audição! — exclamou Gabrielle, tampando os ouvidos em desespero.
Ela se sacudiu, tirando a poeira das roupas, e lançou um olhar para Farid.
— O seu teste era logo depois da aula? — perguntou Daniela, arqueando uma sobrancelha.
— Eu ia sair pelo banheiro e matar a última aula pra chegar a tempo — respondeu Gabrielle, rindo. Então, virou-se rapidamente para Farid e apontou um dedo acusador na direção dele. — Você!
Farid ficou instantaneamente tenso, como se tivesse levado um choque.
— Sim...? — respondeu ele, encolhendo-se um pouco.
— Você vem comigo! — ordenou Gabrielle. — E cadê seu penico?
— Em casa... Vou ter que ir assim mesmo — disse Farid, tentando parecer inocente, mas soando claramente como uma desculpa esfarrapada.
Gabrielle o encarou com firmeza, e ele desviou o olhar, desconfortável.
— Vai ser até mais seguro pra você assim... — murmurou ele, tentando recuperar a confiança.
— Tá bom, mas tô de olho em você! — avisou Gabrielle. — Partiu, Farid-Marid! E olha... tô sem grana pro metrô. Vamos a pé!
Ela se despediu de Daniela com um abraço rápido.
— Beijo, Dani! Prometo que te conto tudo depois, tá?
Daniela acenou, sorrindo.
— Precisamos conversar mesmo. Boa sorte no teste!
Gabrielle então se voltou para Guilherme e fez uma saudação exagerada.
— Senhor Oshiro, prometo que até as três da tarde eu tô de volta. Não me demita, tá?
Guilherme sorriu e piscou para ela.
— Seu emprego tá seguro, mas vou ficar de olho no relógio, hein?
— Pode deixar, patrão! — respondeu Gabrielle, batendo continência e logo depois soltando uma risada.
Ela encarou Farid mais uma vez.
— Bora, sem moleza! No pain, no gain!
Guilherme soltou uma risada ao ver o Djinn ofegando para acompanhar o ritmo apressado de Gabrielle.
— Maʿa s-salamah! — disse Daniella de repente, acenando para Farid com um sorriso.
Farid parou no meio do passo e a encarou, curioso e surpreso. Ele devolveu o sorriso, galanteador como sempre, e acenou para ela antes de sair correndo para alcançar Gabrielle.
Daniela suspirou e sacudiu a cabeça, divertida.
— Ah, só amanhã pra eu entender essa história toda... — murmurou ela.
Ela lançou um olhar de canto para Guilherme.
— Sabia que a Gabi não tem celular? — comentou, em tom casual.
Guilherme deu de ombros, sorrindo.
— Bom, eu tô livre agora. Se quiser, posso te contar um pouco do que aconteceu... — disse ele, o tom leve e convidativo.
Daniela arqueou uma sobrancelha, ainda desconfiada. Guilherme notou e continuou:
— Inclusive, tenho uma ideia melhor. Gabrielle tá trabalhando pra minha pousada agora, e o emprego inclui moradia. Se quiser visitá-la, você será muito bem-vinda.
— Ah, então é lá que ela tá morando! Às vezes eu achava que ela tava vivendo na rua... — comentou Daniela, aliviada.
Os dois começaram a caminhar juntos, na direção oposta de onde Gabrielle e Farid haviam ido. Enquanto seguiam lado a lado, o clima entre eles parecia mais leve, mas ainda carregava a promessa de uma longa conversa pela frente.