Quando o relógio se aproximava do meio-dia, saí para a rua. O sol brilhava intensamente, e as pedras do calçamento estavam quentes sob meus pés descalços. O som da feira formava um zumbido irregular ao meu redor, mas eu tentava me concentrar na agradável sensação de estar com o estômago cheio e o corpo limpo.
Ainda assim, um vago mal-estar se instalava na boca do meu estômago, como a sensação incômoda de ser observado de longe. Acompanhei esse pressentimento até que, finalmente, cedi ao instinto e me infiltrei numa viela lateral, ágil como um peixe que escapa da rede. Encostei-me na parede, esperando que a sensação desaparecesse. E, de fato, ela se esvaiu.
Passados alguns minutos, comecei a me sentir tolo. Embora confiasse em meus instintos, de tempos em tempos eles disparavam alarmes falsos. Mesmo assim, aguardei mais um pouco para ter certeza antes de retornar à rua. Contudo, o desconforto retornou quase imediatamente. Tentei ignorá-lo, enquanto procurava entender de onde vinha. Após cinco minutos, perdi a coragem. Entrei em outra ruela e fiquei observando a multidão, procurando quem estivesse me seguindo.
Ninguém. Depois de meia hora exasperante e de entrar em mais duas vielas, finalmente percebi o que estava errado.
Era estranho caminhar no meio daquela multidão. Nos últimos dois anos, as aglomerações tornaram-se parte do cenário da cidade para mim. Eu as usava para me esconder de guardas ou comerciantes; para me deslocar com rapidez para onde precisasse ir. Eu poderia até caminhar na mesma direção que todos, mas nunca, jamais, fazia parte dela.
Estava tão acostumado a ser ignorado que quase fugi do primeiro mercador que tentou me vender alguma coisa. Quando finalmente entendi o que me incomodava, a maior parte do mal-estar desapareceu. O medo, afinal, é fruto da ignorância. E, ao descobrir o que era, tornou-se apenas um problema a ser resolvido, não algo a temer.
Como já mencionei, Notrean possuía duas áreas principais: Serrania e Beira-Mar. Beira-Mar era pobre e malcheirosa; Serrania, rica e limpa. Na Beira-Mar, os punguistas vagavam; na Serrania, os ladrões usavam ternos e eram chamados de banqueiros.
Já contei sobre minha incursão pouco auspiciosa em Serrania. Então, talvez você entenda por que, quando a multidão à minha frente abriu uma brecha momentânea, vi o que procurava: um guarda. Sem pensar duas vezes, enfiei-me pela primeira porta que encontrei, o coração disparado.
Tirei um momento para lembrar a mim mesmo que não era mais o garotinho sujo que apanhara anos antes. Agora, eu estava limpo e bem vestido, parecia fazer parte daquele lugar. Mas velhos hábitos são difíceis de abandonar. Lutei para controlar a raiva crescente, sem saber se estava mais irritado comigo, com o guarda ou com o mundo inteiro.
Provavelmente, com um pouco de cada.
— Já vou atendê-lo — anunciou uma voz animada, vinda de trás de uma cortina.
Olhei em volta. A luz da janela iluminava uma bancada abarrotada e prateleiras repletas de sapatos. Pensei que poderia ter escolhido um lugar pior para me refugiar.
— Deixe-me adivinhar — continuou a voz. Um homem grisalho, com ar de avô, surgiu de trás da cortina, segurando um pedaço comprido de couro. Baixo e recurvado, ele sorriu entre as rugas. — Você precisa de sapatos.
Ele lançou um olhar para meus pés, e eu, sem querer, fiz o mesmo.
Eu estava descalço, é claro. Fazia tanto tempo que não usava sapatos que já não pensava neles. Pelo menos, não no verão. No inverno, eu sonhava com sapatos.
Olhei para o velho novamente. Seus olhos dançavam, como se ele estivesse indeciso entre rir ou manter a compostura para não perder o cliente.
— Acho que sim — admiti, finalmente.
Ele riu e me conduziu a um assento, medindo meus pés com mãos experientes. Por sorte, as ruas estavam secas, de modo que meus pés estavam apenas empoeirados. Se tivesse chovido, estariam vergonhosamente imundos.
— Vamos ver se tenho algo que lhe agrade e sirva — disse ele. — Se não tiver, posso fazer ou ajustar um par para você em uma ou duas horas. E então, para que deseja os sapatos? Andar? Dançar? Montar?
Ele se inclinou e tirou um par de sapatos da prateleira às suas costas.
— Para andar — respondi.
— Imaginei — disse ele, calçando habilmente um par de meias nos meus pés, como se todos os seus clientes chegassem descalços. Enfiou-os num par de sapatos pretos com fivelas. — Experimente estes. Pise com firmeza para ter certeza.
— Eu...
— Estão apertados, não é? Nada é mais incômodo do que sapatos apertados. — Ele rapidamente descalçou o par e me calçou outro, com a rapidez de um chicote. — E estes?
Eram de um roxo escuro, feitos de veludo ou feltro.
— Eles...
— Não são o que procura? Não se culpe, eles realmente se desgastam rápido. Mas a cor é bonita, boa para impressionar as damas. — Ele calçou um novo par nos meus pés. — E estes?
Eram simples, de couro marrom, e calçavam como se ele tivesse tirado minhas medidas antes de fazê-los. Apoiei o pé no chão, e o sapato parecia me abraçar. Eu havia esquecido como era maravilhosa a sensação de um bom par de sapatos.
— Quanto? — perguntei, com um nó no estômago.
Em vez de responder, ele se levantou e começou a examinar as prateleiras.
— Sabe, pode-se dizer muito sobre uma pessoa pelos seus pés — refletiu ele. — Há homens que entram aqui sorridentes, com sapatos bem escovados e meias cheias de talco. Mas, quando tiram os sapatos, seus pés têm um cheiro pavoroso. São pessoas que escondem coisas, segredos malcheirosos que tentam ocultar, assim como tentam esconder seus pés.
Ele se virou para mim e continuou:
— Mas nunca funciona. A única maneira de impedir que os pés cheirem mal é arejá-los um pouco. O mesmo vale para os segredos. Não sou especialista nisso, mas de calçados eu entendo.
Depois de um tempo, encontrou um par de sapatos semelhante ao que eu estava usando.
— Estes eram do meu filho Jamie, quando ele tinha a sua idade — disse, sentando-se no banquinho e desatando os cadarços do par que eu calçava. — Você, por outro lado, tem solas calejadas para um menino tão novo: cicatrizes, calos. Pés assim poderiam correr descalços pelas pedras o dia inteiro, sem precisar de sapatos. Só há um modo de um menino da sua idade ficar com os pés desse jeito.
Ele levantou os olhos, transformando a observação em uma pergunta silenciosa.
Assenti.
Ele sorriu e colocou a mão no meu ombro.
— E esses, como estão?
Levantei-me para testá-los. Eram ainda mais confortáveis que o par novo, pois já estavam amaciados.
— Este par aqui é novo — disse o homem, balançando os sapatos que segurava. — Ainda não foi usado nem por dois quilômetros. Por sapatos novos como estes, costumo cobrar um talento, talvez um talento e dois — ele apontou para os meus pés. — Esses aí, por outro lado, são usados, e eu não vendo sapatos usados.
Ele virou as costas, arrumando sua bancada enquanto cantarolava uma melodia familiar: "Saia da cidade, criaferro."
Eu sabia que ele estava tentando me fazer um favor, e, poucos dias antes, teria ficado radiante com a oportunidade de ganhar sapatos de graça. Mas, por alguma razão, aquilo não me pareceu certo. Recolhi minhas coisas em silêncio e deixei um par de iyanes de cobre no banquinho dele antes de sair.
Por quê? Porque o orgulho é uma coisa estranha, e a generosidade merece ser retribuída com generosidade. Mas, sobretudo, porque era a coisa certa a fazer, e isso é razão suficiente.