"Que história eu pediria?"
A pergunta se repetia em minha mente, como um eco persistente: "Que história eu pediria?" Durante dias, ela me acompanhou. Esbarrei em um estivador e levei um soco antes de conseguir surrupiar algo de seu bolso. "Que história?" Fiquei pedindo esmolas na esquina da igreja dos ardonianos. "Que história?" Roubei três pães e entreguei dois ao Sven. "Que história?"
Então, deitado em meu refúgio nas alturas, onde três telhados se encontravam, a resposta surgiu quando o sono já me envolvia. Lanis. É claro. Eu pediria a verdadeira história de Lanis. Aquela que meu pai tanto buscava...
Meu coração acelerou quando memórias que eu evitara por anos invadiram meus pensamentos: meu pai dedilhando o alaúde, minha mãe cantando ao seu lado na carroça. Instintivamente, comecei a afastar-me dessas lembranças, como quem retira a mão do fogo. Mas, para minha surpresa, essas memórias trouxeram apenas uma dor suave, nada comparado ao sofrimento profundo que eu temia. E junto a essa dor, uma faísca de animação surgiu ao pensar em ouvir uma história que meu pai talvez contasse.
Ainda assim, eu sabia que era loucura correr até as Docas por causa de uma história. Todo o pragmatismo que Notrean havia me ensinado ao longo dos anos gritava para que eu permanecesse no meu canto seguro, onde eu conhecia cada sombra e esquina...
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Quando entrei no Meio-Mastro, a primeira coisa que vi foi o homem contador de histórias. Ele estava sentado em um banquinho alto no bar, um velho com olhos brilhantes como diamantes e corpo de espantalho, como um pedaço de madeira jogado ao mar. Magro e curtido, seu cabelo branco contrastava com a pele bronzeada, parecendo respingar com a espuma das ondas.
A seus pés, havia um grupo de vinte crianças, poucas da minha idade, a maioria mais jovens. Era uma mistura estranha: moleques sujos e descalços como eu, ao lado de crianças relativamente bem vestidas, que provavelmente tinham pais e uma casa para voltar.
Embora nenhuma delas me parecesse familiar, eu não tinha como saber quem poderia ser amigo de Poko. Encontrei um lugar perto da porta, de costas para a parede, e me agachei.
Cherryl pigarreou uma ou duas vezes, de um jeito que me deixou com sede. Então, em um gesto quase ritualístico, olhou tristemente para o caneco de cerâmica à sua frente e o virou cuidadosamente no balcão.
As crianças se apressaram em colocar moedas no balcão. Fiz uma rápida contagem: dois meios lumens, nove gusas e um ocro, todos de ferro. No total, pouco mais de três lumens de ferro em moeda da República. Talvez ele não estivesse mais apostando um crimo de prata. Provavelmente, o boato que eu ouvira era apenas um engano.
O velho fez um aceno quase imperceptível para o barman.
– Um Haller tinto – disse. Sua voz era grave e rouca, quase hipnótica. O barman, careca, recolheu as moedas e serviu o vinho no grande caneco de cerâmica de Cherryl.
– Então, o que todos gostariam de ouvir hoje? – perguntou o contador de histórias, sua voz grave ressoando como um trovão distante. Houve um momento de silêncio, que parecia quase reverente, antes que um alarido de vozes infantis explodisse.
– Quero um conto de fadas!
– ...Valoran e a luta em Mnat...
– Grande Valoran! Aquela com o barão...
– Lartam...
– Tyr Matriel!
– Ullien e o Lobo!
– Lanis – disse eu, quase sem querer.
A sala mergulhou em silêncio novamente, enquanto Cherryl tomava um gole de vinho. As crianças o observavam com uma intensidade que eu não conseguia definir completamente. Cherryl, por sua vez, manteve-se calmamente sentado em meio àquela quietude.
– Será que ouvi alguém dizer Lanis? – perguntou ele, com a voz escorrendo lentamente, como mel escuro, enquanto seus olhos azuis, límpidos e penetrantes, se fixavam em mim.
Fiz que sim com a cabeça, sem saber o que esperar.
– Quero ouvir uma história das terras secas da Cordilheira das Tempestades – reclamou uma das meninas menores. – Das cobras-de-areia que surgem do chão como tubarões. E dos homens secos que se escondem sob as dunas, bebendo sangue em vez de água. E...
Ela foi prontamente silenciada pelas outras crianças, que a repreenderam de todos os lados.
Um silêncio abrupto caiu quando Cherryl tomou outro gole. Observando as crianças que o cercavam, percebi que elas me lembravam alguém observando ansiosamente o tempo em um relógio. A conclusão era clara: quando a bebida do velho terminasse, a história também chegaria ao fim.
Cherryl deu mais um pequeno gole, colocou o caneco no balcão e girou na banqueta para nos encarar.
– Quem quer ouvir a história de um homem que perdeu um olho e ganhou uma visão melhor?
Algo na sua voz ou na reação das outras crianças me disse que se tratava de uma pergunta puramente retórica.
– Então, Lanis e a Guerra da Criação. Uma história muito, muito antiga – disse ele, seus olhos percorrendo cada um de nós. – Sentem-se e escutem, pois falarei da cidade cintilante, tal como era em tempos distantes, há muitos anos e quilômetros de distância...