Minhas lembranças sobre a morte eram nebulosas e indistintas, como sombras ao crepúsculo.
Passei a maior parte dos meus dias enclausurado em um quarto escuro, envolto em trevas e solidão. Em algum ponto da minha vida, cometi um erro irrevogável, um desvio imperdoável que me aprisionou em minha própria morada. Sair de casa tornou-se uma tarefa quase insuportável, como se as paredes tivessem se fechado sobre mim, selando meu destino.
As interações da minha família comigo eram insípidas e distantes. Eles não me repreendiam nem se lamentavam; apenas me ofereciam sorrisos vagos e olhares inquietos. Suas palavras eram discursos vazios, como se tentassem convencer a si mesmos de que tudo estava bem. Talvez fosse gentileza, ou talvez fosse tudo o que sabiam fazer. Seja como for, para mim, aquilo era veneno.
Um sentimento de inquietação começava a me corroer por dentro, chegando ao ponto de eu querer me abrir e arrancá-lo: minha casa e meu quarto, que me davam mais conforto do que desconforto; o medo e a angústia que o mundo exterior inspirava; e minha família tolerante, sempre gentil — juntos, todos me fizeram hesitar em dar esse único passo à frente.
Eu poderia ter recomeçado no dia após estragar tudo, ou no dia seguinte. Até uma semana, um mês, um ano, uma década depois. Se eu tivesse dado esse passo, algo poderia ter mudado. Mas não dei. Não pude.
Eu não tive coragem de dar esse passo. Era como se algo essencial me faltasse, algo que me daria o impulso necessário. Ou talvez fossem apenas desculpas. Cada momento de hesitação me fornecia outro motivo para desistir.
"Já é tarde. O que se foi, se foi. Não há mais o que fazer. Eles irão rir de mim se eu começar agora."
A inquietação crescia dentro de mim, e tudo parecia requerer um esforço monumental. Eu queria agir, mas o medo me paralisava. Queria fazer algo, mas não tinha ideia do que. A vida estava difícil, mas eu não tinha o ardor necessário para morrer.
Consumia a comida que me davam, mergulhava em entretenimento barato e vivia na inércia. Era como água estagnada. Com medo do fracasso, desviava os olhos do meu destino e me entregava à insensatez, meio consciente da decisão que havia tomado.
Talvez minhas lembranças da morte fossem obscuras pois minha vida havia sido confusa e indistinta. Um quarto escuro. Uma existência onde dia e noite se misturavam. A luz de um monitor. O baque surdo das teclas de um teclado. Fragmentada e caótica, minhas memórias iam e vinham.
Mas dentre elas, uma memória era ligeiramente mais nítida que as outras: o som de um motor, um carrinho de mão levando um caixão branco, um som frio e mecânico acompanhando o fechamento lento e inflexível da porta do incinerador. Era uma das poucas imagens vívidas deixadas na minha vaga memória: a morte dos meus pais.
Perguntei-me se havia derramado lágrimas enquanto assistia meus pais serem reduzidos a fragmentos de ossos e cinzas. Tudo estava envolto em névoa, mas havia algo naquela memória que eu conseguia compreender: o evento chegou tarde demais para ser o empurrão que eu precisava.
Os dias tornaram-se turvos novamente e, em algum momento, eles chegaram ao fim.
Minhas lembranças sobre a morte eram nebulosas e indistintas. Minha própria vida foi extremamente nebulosa e indistinta. Memórias iam e vinham. A dor rasgou meu coração por dentro. Lágrimas caíram. Soltei um gemido.
Logo, a dor parou.
Tudo ficou escuro.
E, em meu último suspiro, pensei ter escutado alguém cantar.