Ao abrir os olhos, fui imediatamente envolvido por uma luz deslumbrante que parecia dominar todo o meu campo de visão. Fiquei vesgo tentando focar.
Conforme minha visão se ajustava, vislumbrei uma jovem senhorita loira me observando. Ela era uma bela garota — não, já era uma mulher.
"Quem é ela?", pensei.
Ao seu lado, um jovem da mesma idade me encarava, com cabelos platinados e um sorriso desajeitado. Parecia ser forte e orgulhoso, com uma musculatura impressionante.
A mulher me lançou um sorriso caloroso e falou. No entanto, suas palavras soaram estranhamente indistintas e difíceis de entender. Será que ela estava falando português?
O homem respondeu algo, seu rosto visivelmente relaxando. Da mesma forma, não entendi o que ele disse.
Uma terceira voz ininteligível entrou na conversa, mas não consegui ver quem falava. Tentei me levantar para descobrir onde estava e perguntar a essas pessoas quem elas eram. E deixe-me dizer, eu podia ter sido um recluso, mas isso não significava que eu não sabia conversar. Porém, de alguma forma, tudo o que pude expressar foram gemidos e choramingos.
Não conseguia mexer meu corpo. Podia mover a ponta dos dedos e meus braços, mas sentar era impossível.
O homem de cabelo branco falou novamente e, de repente, se inclinou e me pegou no colo. Isso era absurdo! Eu era um homem adulto. Como ele poderia me levantar com tanta facilidade? Talvez tivesse perdido peso após ficar em coma por algumas semanas?
Afinal, minhas lembranças de antes de acordar estavam confusas. Havia uma boa chance de eu não ter saído daquilo com a cabeça intacta.
Durante o restante do dia, só consegui pensar em como minha vida seria um inferno daqui pra frente.
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Vamos avançar um mês no tempo.
Descobri, enfim, a verdade da minha nova existência: eu havia renascido.
A realidade dessa situação peculiar se desvelou quando fui erguido nos braços e pude vislumbrar meu próprio corpo infantil. Mas por que ainda retinha algumas memórias da minha vida anterior? Não que eu estivesse reclamando, mas quem poderia imaginar renascer com um punhado de lembranças intactas — uma verdade desalentadora, para dizer o mínimo.
As duas primeiras pessoas que vi deveriam ser meus pais. Estimando, eles aparentavam ter vinte e poucos anos, claramente mais jovens do que eu era em minha vida passada. Com meus trinta e sete anos, eu os teria considerado crianças.
Eu os invejava por terem conseguido ter um bebê tão jovens.
Em pouco tempo percebi que fazíamos parte de uma trupe de artistas, já que morávamos dentro de uma carroça e sempre estávamos na estrada. Em minhas primeiras semanas de vida, eles quase nunca me levaram para o lado de fora do veículo.
Desde o início, percebi que não estava no Brasil; o idioma era diferente e meus pais não possuíam traços faciais brasileiros. Além disso, usavam roupas antiquadas. Não havia nenhum aparelho elétrico à vista; o chão das carroças e as ferraduras dos cavalos eram limpados com trapos. Os móveis, utensílios de cozinha e instrumentos musicais eram todos rusticamente feitos de madeira.
Onde quer que fosse, não parecia ser uma nação desenvolvida.
Eu desejava poder recomeçar e fazer tudo diferente, mas nascer em uma família tão pobre que nem podia pagar por uma casa fixa não era exatamente o que eu tinha em mente.
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Mais meio ano se passou.
Após seis meses ouvindo meus pais conversarem, comecei a entender um pouco do idioma. Minhas notas em inglês nunca foram excelentes, mas há algo de verdade no que dizem sobre a dificuldade de aprender uma nova língua quando se está imerso apenas no idioma nativo. Ou talvez, graças ao meu novo corpo, meu cérebro estivesse mais apto para aprender desta vez? Senti como se tivesse um talento incomum para lembrar das coisas, talvez porque ainda era muito jovem.
Por volta desse tempo, também aprendi a engatinhar. Ser capaz de me mover por conta própria era algo maravilhoso. Nunca fui tão grato por ter controle sobre o meu corpo.
— Sempre que você tira o olho dele, ele vai para algum lugar — disse minha mãe.
— Ei, pelo menos ele está bem e saudável — respondeu meu pai, observando-me enquanto eu engatinhava.
— Estava preocupada, pois ele nunca chorou desde que nasceu.
— Nunca chorou, nem uma vez, não é?
Nunca precisei chorar por estar com fome.
Quando deixei escapar algum lamento, foi por falhar na tentativa de não sujar as calças.
Mesmo podendo apenas engatinhar, aprendi o suficiente para explorar meu entorno. A primeira coisa que notei foi que, definitivamente, não éramos uma família rica. Morávamos uma estrutura de madeira de um andar puxada à cavalo. Uma carroça que seguia várias outras de cidade em cidade.
Também éramos interioranos. Através da lona da carroça, havia uma paisagem pacífica de campos pastoris. As casas na estrada eram poucas, sempre duas ou três aninhadas entre os campos de trigo. Vivíamos realmente entre cidades. Não havia cabines telefônicas ou postes de luz. Talvez nem houvesse uma central elétrica nas proximidades. Em alguns países, usam cabos de energia subterrâneos, mas era estranho que nenhuma estrada tivesse eletricidade.
Esse lugar era muito ultrapassado, e isso me irritava. Acostumado com o conforto da civilização moderna, aqui estava eu, renascido, morrendo de vontade de pôr as mãos em um computador.
Mas tudo mudou numa fatídica tarde.
Com poucas opções de diversão, decidi admirar a paisagem. Fui até o fundo da carruagem para espiar pela lona e arregalei os olhos.
Meu pai estava no quintal, passando um trapo numa viola de madeira. Ele estava atônito, seus olhos pregados na madeira polida. Não entendia o que ele estava fazendo e nem sabia ao certo que tipo de instrumento era aquele que segurava. Afim de ver com maior clareza, apertei os olhos e tentei chegar mais perto.
No torpor do meu espanto, comecei a escorregar do fundo da carroça.
Minhas pequenas mãos agarraram a madeira da traseira do veículo, mas não consegui suportar meu peso, não com o tamanho enorme da minha cabeça, e fui de encontro ao chão.
Durante a queda pude ouvir um grito alarmado. Vi de relance minha mãe deixar cair uma braçada de roupas, com o rosto empalidecido. Teria sido essa minha curta estadia nesse mundo? Fechei os olhos à espera da morte.
Enquanto pensamentos mórbidos inundavam minha mente, percebi que estava demorando muito para a queda terminar. Ao abrir os olhos novamente, percebi que flutuava há alguns centímetros do chão. Engoli o seco. Uma brisa suave de vento me levou calmamente até o solo.
Ao olhar novamente para minha mãe, vi que sua mão estava estendida em minha direção enquanto ela dizia algo que eu não entendi. Sua palma brilhava com uma luz suave.
— Vani! Você está bem?! — Ela correu até mim e me pegou. Quando encontrou meu olhar, sua expressão aliviou-se e então acariciou minha cabeça. — Ah, está tudo bem, viu?
O que diabos teria acabado de acontecer!?
Minha mente começou a rodopiar de confusão, e vários termos começaram a flutuar nela: carroças, trapos, instrumentos...
Sério — o que acabou de acontecer?
Meu pai, ao ouvir o grito da minha mãe, correu para a traseira da carroça com o rosto suado, provavelmente de tanto alisar o instrumento.
— O que aconteceu? — perguntou ele.
— Querido, você precisa prestar mais atenção — disse minha mãe, repreendendo-o. — Vani conseguiu sair da carroça. Ele poderia ter se machucado gravemente.
Meu pai parecia mais calmo do que eu esperava.
— Ei, garotos são assim. E o nosso pequeno tem muita energia.
Essas discussões leves eram comuns entre eles. Mas desta vez, minha mãe não cederia facilmente, provavelmente por causa do susto que teve ao me ver cair.
— Querido, ele ainda não tem nem um ano. Mostrar um pingo de preocupação te mataria?
— Como eu disse: cair, tropeçar e se machucar faz parte do crescimento das crianças.
— Eu só estou preocupada com o caso de ele se machucar tanto que eu não consiga fazer nada.
— Ele vai ficar bem — disse meu pai com confiança.
Minha mãe me apertou com mais força, seu rosto ficando vermelho de preocupação.
— Você estava preocupada desde o começo por ele nunca chorar. Se ele é desse jeito, então vai ficar tudo bem — falou meu pai, inclinando-se para beijar minha mãe.
"Certo, vocês dois aí. Vão para a carroça, tá bom?"
Depois disso, meus pais me levaram para dentro, me colocaram entre as peles, e deitaram-se do meu lado, possivelmente pensando em me dar um irmãozinho ou irmãzinha. Eu podia afirmar isso, já que ouvi rangidos e gemidos enquanto tentava descansar. Eu, que morri virgem em minha vida passada, percebi naquele momento que haviam muitas coisas além da internet.
E também... havia magia?
Depois de tudo isso, passei a prestar mais atenção às conversas entre meus pais. Com o tempo, notei que eles mencionavam diversas palavras que não me eram familiares. A maioria parecia ser nomes de países, regiões e territórios; todos soavam estranhos e exóticos, diferentes de qualquer coisa que eu já havia ouvido.
A essa altura, uma única conclusão se apresentava clara e inescapável: eu não estava mais na Terra. Este era um mundo completamente diferente.
Um mundo de espadas e magia.
E então, uma ideia surgiu em minha mente: se eu vivia neste novo mundo, talvez pudesse fazer todas essas coisas extraordinárias. Afinal, este era um lugar de pura fantasia, onde as regras da minha antiga vida não se aplicavam.
Eu poderia viver como uma pessoa normal, mas num cenário onde o impossível era cotidiano. Onde, ao tropeçar, poderia me levantar, sacudir a poeira e seguir em frente.
Meu antigo eu morreu cheio de arrependimentos, frustrado por sua impotência e pela falta de realizações. Mas agora, armado com o conhecimento e a experiência da minha vida passada, eu tinha uma nova chance.
Finalmente, eu poderia viver plenamente.