A poucos metros havia um beco, intacto, com poucas residências atingidas e um chão aparentemente seguro para andar. Após se arrastar até o beco, Koji escutou algo minimamente confuso. Um som de piano chamou sua atenção, e ele calmamente foi até o portão do local de onde a música saía.
— When the night has come, and the land is dark, and the moon is the only light we'll see…
Enquanto a canção de Ben E. King era cantada, Koji viu que o portão estava aberto e murmurou curioso com a integridade do lugar.
— Não sofreu nada, que sorte tem esse lugar.
Ele entrou e percebeu que o local era um espaço para grandes ensaios musicais. A iluminação laranja dentro dava um clima retrô para quem via de fora.
— No, I won't be afraid. Oh, I won't be afraid. Just as long as you stand. Stand by me…
Para sua maior surpresa, alguém inesperadamente disse.
— Por um momento, achei que eu precisaria ir até você.
Koji olhou para os lados e viu a perna da pessoa. Ao elevar sua visão, reconheceu que era Sam, o mesmo homem que o encontrou no dia da morte de seu pai, Norman Fuller, e que o criou por alguns anos após perder os pais.
— Também estou surpreso pelo que vi. Sobreviver contra dois Gyakus não é fácil — disse Sam, que arriscava um sorriso discreto, mas nitidamente contente.
Koji, ainda incerto se Sam estava realmente à sua frente, perguntou.
— Por que está aqui?
— Fui obrigado. Bom, as coisas não andam bem há alguns anos.
O clima entre os dois estava marcado por um incômodo velado, fruto do passado que compartilhavam. Koji jamais esqueceu os dias em que foi deixado para trás: primeiro, pela morte de seus pais, e depois, pelo abandono de Sam, que o criou por cinco anos antes de desaparecer de sua vida.
Essa dor e mágoa não resolvidas permeavam cada interação entre eles, tornando o ambiente carregado e tenso mesmo com os comportamentos sociáveis dos dois.
— So darlin', darlin', stand by me, oh, stand by me…
Mais ao fundo do espaço, a música tocada no piano por um homem ainda sigiloso com uma iluminação antiga ao redor, provavelmente com a intenção de criar uma ambientação para conduzir a música.
— Oh, stand, stand by me. Stand by me…
— Quem é aquele cara? — perguntou Koji, levantando-se aos poucos.
— Ele se chama S. James. É um portador independente, assim como nós. A diferença é que ele é de terceira classe — falou Sam, ajudando Koji a se levantar.
— Terceira classe? — Koji não conhecia esse termo.
Enquanto os dois caminhavam lentamente até se aproximarem de S. James, Sam se deu ao trabalho de explicar.
— Classes são níveis de poder que os portadores integram. Você certamente está na quinta classe.
— Chuto que seja a mais baixa — comentou Koji, enquanto tirava a poeira da cara.
— Isso mesmo.
Assim como Sam disse, S. James era um portador de terceira classe. Ele tinha 1,80m de altura, usava um chapéu cury casual preto, cabelo ondulado e preto que ia até a bochecha. Olhos verdes e amendoados com sobrancelhas retas, e uma barba encaixada. Além disso, possuía um talento imensurável com todos os instrumentos que se podia imaginar.
Enquanto isso, Sam, como Koji já conhecia, era um portador independente também, de classe ainda não conhecida. Mais alto que S James, cabelo repicado castanho e o olhar sério que demonstrava sua responsabilidade e segurança. Ele possuía uma simplicidade em seu comportamento que o fazia passar despercebido.
— Trouxe um convidado para o ensaio? — brincou S. James, sorrindo amigavelmente enquanto caminhava para a cadeira em frente ao piano.
— Esse é Koji. Um conhecido de longa data.
Sam apresentou Koji ao amigo.
— Amigo do Sam também é meu amigo — Com um aperto de mãos, S. James e Koji terminaram as apresentações.
Koji logo sentou em uma das poucas cadeiras no local e perguntou.
— Sam me disse que você também é um portador. Sua técnica tem algo a ver com música?
— É tão fácil saber só por causa do piano? — comentou S. James, colocando as luvas nas mãos e já sentado, pronto para tocar outra música.
— Koji, como você acabou aqui? Pelo que eu sabia, você estava em Kayka — perguntou Sam, interrompendo a possibilidade da continuidade da conversa entre Koji e S. James.
— Eu vim a trabalho. Eu não esperava que os Gyakus apareceriam novamente no país.
Um breve silêncio caiu sobre eles enquanto S. James, concentrado em seu piano, ensaiava a melodia que logo cantaria. Mas uma pergunta pertinente ainda pairava na mente de Koji, levando-o a perguntar a Sam.
— Você conhece aquele cara que controla os Gyakus? Alguma ideia de quem ou o que trouxe essas criaturas de volta?
Apesar de sua expressão indiferente, Sam percebeu que precisava responder.
— Eu o conheço. Seu nome é Tramen. Ele é um usuário de prismas, um tipo diferente de portador.
Koji insistiu na segunda pergunta que fez.
— Mas quem tá causando tudo isso? O Tramen é o responsável ou há outras pessoas envolvidas?
— Eu... não posso afirmar com certeza, mas você não precisa se preocupar com isso. Os agentes da Torre já estão aqui na cidade — tranquilizou Sam, clareamento desinteressado em tocar nesse tema.
No décimo andar de um prédio comercial abandonado em Dynami.
— Quais as informações que tem para me contar? — perguntou o agente Nahome para o drone da Torre que sobrevoava toda a cidade.
Com a fumaça de seu cigarro e uma postura serena, Nahome buscava descobrir quem era o responsável pela aparição das criaturas.
— Possuo as identificações dos responsáveis — disse o drone.
Nahome retirou o cigarro da boca e sentiu sua curiosidade aumentar.
— Responsáveis? Tem mais de uma pessoa nisso...