Capítulo 4. Seshe
A floresta noturna é um palco para um espetáculo de sombras que dançam ao sabor do vento, criando formas que se contorcem e se desfazem sob a luz prateada da lua cheia. As árvores altas, com suas folhas densas, tecem um véu sobre o céu, permitindo apenas que fragmentos da luz lunar penetrem esse santuário de escuridão. O ar está carregado com o aroma úmido da terra e o som de folhas farfalhando, como se a própria natureza estivesse sussurrando segredos antigos.
Eu me movo apressadamente entre as árvores, meu coração batendo em um ritmo frenético, ecoando o desespero que me consome. A necessidade de sobreviver me impulsiona para frente, enquanto sou perseguido por criaturas de pesadelo, nascidas das profundezas mais sombrias do inferno. Elas me seguem com uma fome insaciável, seus olhos brilhando com a promessa de morte, seus corpos esguios e ágeis deslizando entre as árvores com uma graça mortal.
A cada passo que dou, sinto o peso do cansaço ameaçando me derrubar, minhas pernas tremendo sob o esforço de manter-me em movimento. Minha respiração é pesada, cada fôlego é uma luta, e o medo é um companheiro constante, uma voz sibilante em minha mente que me adverte de um destino terrível à espreita, pronto para me engolir se eu vacilar por um instante sequer.
Em meio ao caos, minha mente se perde em memórias, retornando ao momento em que tomei a decisão impulsiva de viajar sozinho para o norte, buscando refúgio do frio implacável que me assolava no sul. A ideia de encontrar conforto na companhia da matilha de Draco, o lobo alfa, era um alívio para a solidão que corroía minha alma. Agora, porém, a solidão é a menor das minhas preocupações, um mero fantasma em comparação com o terror que enfrento.
O frio que antes me atormentava agora parece trivial, uma mera inconveniência diante do pavor que sinto. O ressentimento que eu nutria pelo inverno gelado foi substituído por um medo profundo e visceral dos demônios que me caçam, suas garras afiadas rasgando a terra, seus uivos rasgando a noite silenciosa.
A luta é brutal e desesperada. Na minha forma humana, enfrento os demônios com uma determinação feroz, canalizando cada resquício de coragem que ainda reside em mim. Mas eles são muitos, e eu sou apenas um. Sem alternativa, sou forçado a abandonar minha humanidade e abraçar a serpente que se esconde em meu ser.
A transformação é uma tortura, cada fibra do meu corpo gritando em agonia, mas com a dor vem um poder avassalador. Meus sentidos se aguçam, minha força se amplia exponencialmente. Na forma de uma serpente colossal, ataco com uma ferocidade que até mesmo os demônios não esperavam. No entanto, eles não recuam, suas garras envenenadas encontram minha carne repetidas vezes, infligindo feridas que queimam com um fogo que não se apaga.
Exausto e gravemente ferido, busco refúgio em uma cavidade oculta sob as raízes de uma árvore milenar. Sei que é apenas uma questão de tempo até que os demônios me descubram ou que as feridas me levem à morte. Enroscado, tento preservar o pouco de calor que resta em meu corpo enfraquecido que rapidamente se esvai.
Então, algo inesperado acontece. Uma garota tropeça e cai no buraco onde me escondo, quase caindo sobre mim. Ela está tão atônita quanto eu, seus olhos arregalados tentando fazer sentido da escuridão que nos rodeia. Acima, os demônios continuam sua busca frenética por ela, mas por um breve momento, ela é o centro do meu universo, ela tem lindos olhos vermelhos.
"Eu não vou te machucar, desde que você não tente me machucar," ela diz com uma voz que tremula com medo, mas também com uma força subjacente. Ela se recua contra a parede da cavidade, visivelmente assustada, mas seus olhos brilham com uma determinação que me fascina.
Ela murmura para si mesma, como se estivesse em diálogo com alguém que eu não posso ver ou ouvir. Então, ela se aproxima de mim, e sinto uma onda de medo. "Vou precisar de um pouco do seu sangue, e em troca, eu prometo que vou curar você, tudo bem?" Ela espera por minha resposta, e eu permaneço imóvel, cético de que qualquer coisa possa me curar. Ela deve estar louca.
Ela interpreta meu silêncio como permissão e se inclina sobre um dos meus ferimentos abertos. Sua boca é quente contra minha pele fria, e sinto uma sensação estranha enquanto ela suga meu sangue. Quando ela se afasta, seus olhos vermelhos estão iluminados por uma luz que não compreendo e ela parece embriagada pelo meu sangue.
Ela coloca a mão sobre mim, e seus olhos se fecham. Palavras de um encantamento fluem de seus lábios, e uma onda de calor inesperada se espalha pelo meu corpo. De alguma forma, contra toda lógica, sinto que as feridas começaram a se fechar, a dor agonizante começando a desaparecer.
A magia dela é poderosa, e enquanto ela trabalha sua cura, a exaustão me domina. Meus olhos pesam, e eu me entrego ao sono, confiando na estranha que surgiu do nada para me salvar.
Desperto de um sono profundo e lento, envolvido na escuridão absoluta do buraco em que me encontro. É como se um manto pesado e frio se ajeitasse sobre mim, me envolvendo em seu abraço sombrio. Por um breve instante, sou levado a acreditar que estou sozinho, que a figura da garota de olhos tão rubros quanto o sangue foi apenas uma ilusão induzida pela febre, um sonho distorcido que nasceu do desespero e da angústia penetrante que senti.
No entanto, o alívio que permeia meu corpo, a sensação reconfortante de minhas feridas curadas, serve como uma prova irrefutável de sua existência. Ela esteve aqui, ao meu lado, e de alguma forma misteriosa, ela me salvou.
Um sorriso lento e inesperado se forma em meus lábios, um gesto de gratidão profunda e respeito pela estranha que surgiu em minha hora mais sombria, quando eu me sentia perdido na escuridão. Eu rejeito a ideia de que possa ser uma obsessão e me convenço de que é apenas um desejo sincero de expressar minha gratidão. A voz interna que ressoa dentro de mim insiste, pulsando com excitação, que eu deveria procurá-la imediatamente, mostrar a ela o quão agradecido estou. Retomando minha forma humana, começo a imaginar várias formas de expressar minha gratidão, cada uma delas nada casta ou respeitosa.
Com passos cuidadosos e medidos, começo a caminhar pela floresta densa, procurando pela bolsa que deixei para trás em minha fuga desesperada. Eu a encontro escondida embaixo de uma folhagem espessa e vibrante, uma surpresa bem-vinda. Vestindo-me rapidamente, sinto a textura áspera do tecido contra minha pele recentemente curada, um lembrete tangível e constante da magia que me salvou.
A jornada até a clareira de Draco é longa e tortuosa. Nunca fui bom em manter uma direção, e a morada de meu amigo está astutamente camuflada entre as árvores antigas e majestosas. Levo dois dias para encontrar o caminho, mas finalmente, a visão da tenda de Draco, a maior do local, surge diante de mim, posicionada de forma dominante entre as demais.
Draco me recebe com um silêncio ensurdecedor, seus olhos fixos na chama dançante que crepita diante dele. "Estou tão cansado," confesso, com uma pitada de drama, caindo em sua cama.
"Está tudo bem?" pergunto, tentando encontrar seus olhos.
"Nada está bem," ele responde, a voz pesada com um toque de tristeza. Eu me aproximo e coloco a mão em seu ombro, tentando oferecer algum conforto. "Meu irmão está infectado."
A realidade da situação cai sobre mim como uma rocha. Draco ama seu irmão mais novo como se fosse seu próprio filho, tendo assumido a responsabilidade de criá-lo após a morte de seus pais. Ninguém sabe como curar a infecção demoníaca, mas por alguma razão parece que não e só isso que está atormentando meu amigo, mas então me lembro da garota de olhos vermelhos, da cura que ela me concedeu.
Estou prestes a contar a Draco sobre ela quando um grito horrível de agonia e dor rasga a noite. Minha serpente se agita dentro de mim, exigindo que eu siga o som. É estranho, ela nunca exigiu nada antes. Draco e eu corremos em direção ao som, e quando finalmente
chegamos ao local dos gritos, sibilo de raiva, preparado para enfrentar o que quer que seja que tenha causado tal terror.