Capítulo 5. mil
Enquanto a aurora dourada começava a se infiltrar através do dossel de folhas acima, a luz do sol penetrante lançava sombras misteriosas e dançantes que se estendiam pelo chão coberto de folhas. Era como se a floresta estivesse viva, pulsando e respirando ao ritmo do vento que sussurrava entre as folhas. O ar estava saturado de umidade e carregava o cheiro inconfundível de terra úmida e vegetação em decomposição. Era uma lembrança constante e palpável do ciclo interminável da vida e da morte, da natureza em seu estado mais bruto. Felizmente, o cheiro acre de enxofre, um indicador seguro da presença de demônios, estava ausente. Esta parte da floresta, pelo menos por enquanto, estava livre de suas garras malévolas.
A jornada pela floresta, por sua vez, era desgastante, uma provação que parecia interminável. A cada passo que eu dava, sentia uma sensação de desorientação que se aprofundava cada vez mais em meu ser. A floresta parecia ser um labirinto verde infinito que se recusava obstinadamente a me liberar de seu emaranhado. Era como se a floresta estivesse me aprisionando em seu abraço verde e eu odiava, com toda a minha alma, viajar por ela.
A fome doía em meu estômago como uma besta faminta, mas a perspectiva de mastigar a carne dura e seca que Bel insistia que eu comesse era suficiente para fazer meu estômago revirar. Como eu poderia comer algo tão desagradável? A cada mordida, a carne resistente parecia lutar contra os meus dentes, tornando cada mastigada uma batalha, meu único alívio era que a coisa não tinha realmente gosto de carne.
"Você precisa de um banho," Bel murmurou, seu olhar oscilando entre a repreensão e a preocupação. Eu podia ver em seus olhos que ela estava preocupada com o meu bemestar, mas também sentia a minha relutância em me despir.
"Eu sei," respondi, olhando para as minhas roupas encharcadas de suor e manchadas de sujeira. As batalhas contra demônios, o confinamento em um buraco úmido e escuro para me esconder deles com uma cobra gigante, e a longa caminhada até aqui, deixaram suas marcas. Uma camada de sujeira e sangue e cinzas parecia cobrir cada centímetro da minha pele.
Com um pouco de relutância, me despi das minhas roupas na presença de Bel, deixando de lado o constrangimento em favor da necessidade de limpeza. Bel já tinha me visto nua tantas vezes que pedi as contas. A água do rio estava fria contra minha pele nua, fazendome estremecer inicialmente, mas logo me acostumei com a temperatura. Comecei a esfregar o sabonete que havíamos roubado na última cidade que passamos, esforçandome para eliminar a sujeira incrustada. O aroma de lavanda suave do sabonete flutuava no ar, trazendo um breve momento de alívio.
Depois de me lavar, me sequei com uma toalha de rosto, a única toalha que eu podia me dar ao luxo de levar na minha mochila. A toalha era áspera contra minha pele, mas era o melhor que eu tinha. Fiz um esforço consciente para evitar olhar para a minha coxa, onde um símbolo grotesco havia sido entalhado. Só de pensar nisso, um arrepio percorreu a minha espinha, um presságio que eu não podia ignorar.
De repente, senti um arrepio gelado percorrer meu corpo. Me virei para encontrar um homem enorme. Ele era alto, com músculos volumosos e uma barba espessa. Seus olhos eram frios e duros, cheios de uma raiva que parecia inabalável. Ele me agarrou pela garganta, apertando com uma força que me fez gritar. O desenho na minha coxa queimava, como se estivesse reagindo à presença do homem.
"O que você está fazendo comigo?" ele rosnou, seus olhos se estreitando ainda mais com raiva.
"Nada, eu não estou fazendo nada," respondi, quase sem fôlego. Seus olhos me prendiam, seus dedos apertando ainda mais minha garganta.
"Você cheira como um maldito demônio, e você fez algo comigo, sua maldita," ele rosnou.
"Eu não fiz nada," respondi, lutando para puxar o ar para meus pulmões.
"Não use mais a porra da sua magia!" Ele ordenou, e a ordem se infiltrou em mim. Senti uma onda de pânico. O desenho na minha coxa estava se ativando, vinculando-me a este homem. Ele estava me controlando, tirando minha escolha, minha autonomia. Estava presa, sem saída. Fiquei ali, congelada, enquanto a realidade da minha situação se instalava. Eu estava presa, e não havia nada que eu pudesse fazer sobre isso.
Respiro fundo, a sujeira e umidade do chão da floresta preenchem minhas narinas. Eu tento me concentrar na sensação familiar, tentando encontrar algum conforto, mas o homem que me segura não me permite esse luxo. Sua mão é como um grilhão de ferro em torno da minha garganta, me jogando no chão com uma força que me tira o fôlego.
Meu corpo nú raspa na sujeira e folhas caídas, a sensação áspera me trazendo de volta à realidade. Minha mente vagueia, procurando desesperadamente por Bel. Mas ela não está aqui. Ela não está em lugar nenhum.
O homem amarra minhas mãos, o nó apertado em torno dos meus pulsos me fazendo gemer de dor. "Me deixe ir," eu imploro, minha voz é pouco mais que um sussurro. Mas ele ignora minhas súplicas, sua força e autoridade fazendo com que eu sinta o desespero se instalar.
Ele me arrasta pela floresta, cada passo dele ecoando em meus ouvidos. Meus pés descalços se machucam com as pedras e galhos, a dor intensa parecendo durar horas. Eu tento usar minha magia de sangue, mas algo está errado. Não consigo acessá-la, e a ausência disso me deixa ainda mais vulnerável.
Finalmente, depois do que parece uma eternidade, chegamos a um acampamento. A primeira coisa que percebo são as tendas, iluminadas pelo pálido luar. Elas são feitas de um tecido rendado e delicado, formando um contraste estranho com a situação em que me encontro. O homem me arrasta pelo meio das tendas, e eu sinto olhares em mim. Pessoas escondidas na sombra das tendas me observam, sua curiosidade cruel me fazendo sentir exposta e vulnerável.
Ele me leva a uma tenda que fica mais afastada das outras. Por dentro, ela é escura e silenciosa, um sentimento de desolação preenche o ar. Ele me prende com correntes, as frias e pesadas algemas de metal envolvendo meus pulsos. Por um momento, eu não consigo respirar. O medo, tão palpável e real, me paralisa. A sensação é estranhamente familiar, uma reminiscência dos dias em que o velho me acorrentava antes de começar suas torturas no complexo.
Quando finalmente consegui sufocar o medo que eu estava sentindo, o primeiro sentimento que me invadiu foi o frio cortante. O metal gelado que me mantinha prisioneira se contrastava de maneira cruel com a minha pele completamente desprovida de qualquer vestimenta. Correntes fortes e impiedosas prendiam-me, sua frieza cortante como lâminas de gelo, deixando-me sem qualquer resquício de calor.
O segundo sentimento foi o de ser observada. Seus olhos me perfuravam, carregados de desprezo e de algo mais, algo que não conseguia mais discernir, algo que parecia despertar uma fúria intensa nele. E então, como uma tempestade que surge e desaparece sem aviso, ele se foi, me deixando sozinha na escuridão da tenda.
Os sons do lado de fora me fizeram estremecer. Ouvi vozes e passos, cada barulho aumentando o medo que crescia em meu peito. Então, as cortinas da tenda se abriram abruptamente. Dois homens entraram, seus olhares deslizando sobre a minha nudez de maneira predatória. Eu não sabia exatamente que tipo de olhares eram aqueles, mas eles faziam a minha pele se arrepiar em desconforto puro.
Um dos homens se aproximou de mim, sua mão deslizando sobre a minha pele nua com uma intimidade indesejada. Ele ostentava um sorriso malicioso, enquanto o outro observava tudo com um olhar distante.
"Para uma abominação, ela é muito bonita. Se não fossem esses olhos vermelhos..." Ele apertou um dos meus seios, uma expressão de curiosidade cruel no rosto enquanto estudava minha reação. "Veja, ela não é uma garota normal. Nem está chorando de medo do que podemos fazer com ela." Ele riu, um som áspero e desagradável que ecoou pela tenda.
"Essa coisa não tem sentimentos. Mesmo que usássemos seu corpo, ela não sentiria nada," o outro falou, sua voz cheia de desprezo e nojo. Sua indiferença ao meu sofrimento me fazia sentir ainda mais vulnerável.
"Como será fuder um maldito demônio?" O primeiro perguntou, curioso. "Vamos ver. Ela é atraente o suficiente para deixar meu pau duro." Ele riu novamente, me puxando para mais perto. As algemas rasparam dolorosamente contra meus pulsos, a dor afiada cortando através da névoa de medo.
"Não a toque desse jeito," a voz do homem que me deixou sozinha ecoou do lado de fora da tenda. "Só faça com que ela fale como desfazer esse maldito vínculo que ela criou entre mim e ela." Os homens se afastaram de mim, segurando lâminas afiadas que refletiam a pouca luz que entrava na tenda. Por um momento, pensei que iriam embora, mas voltaram, as lâminas cintilando perigosamente.
"Diga, demônio, como desfazer o vínculo que você criou com nosso alfa?" Eles perguntaram, enquanto me cortavam. Minha garganta doía de tanto repetir que eu não sabia, que não tinha a menor ideia de como fazer isso. Mas eles não paravam.
"Ela é um demônio. Mesmo com essa aparência, ainda é um maldito demônio. Talvez as cinzas funcionem nela," um deles falou. Enquanto o outro pega um pote de cinzas, meus olhos se arregalaram em confusão e terror. Eles espalharam as cinzas nos cortes que haviam feito em meu corpo e eu gritei. A dor era diferente de tudo que já senti antes, como se estivesse me rasgando pedaço por pedaço.
Em meio à névoa de dor, ouvi um sibilo. Minha visão estava embaçada, mas consegui ver uma cobra gigante familiar entrando na tenda. Ela usou o rabo para jogar os homens para longe de mim, enrolando-se em volta de mim sem me machucar. Me levou pela floresta, como se estivesse procurando algo. Senti água lavando meu corpo, a dor excruciante diminuindo à medida que as cinzas eram retiradas dos meus cortes. Quando dei por mim, não estava mais enrolada pela cobra, mas sim nos braços de um homem nu.
Ele era loiro, forte, com tatuagens de escamas que percorriam seu braço e subiam até parte de seu peito. Seus olhos azuis eram gentis, ele era lindo. "Você está segura agora," ele disse, me aconchegando em seus braços. E por mais louco que pareça, eu me senti segura com ele. Pela primeira vez em muito tempo.