Capítulo 7. mil
Encontro-me repousando em uma tenda simplória, mas aconchegante, meu corpo alojado confortavelmente em uma cama de peles finas e macias, que emana um calor suave e acolhedor. A tenda, apesar de sua estrutura rudimentar, é surpreendentemente quente e acolhedora, um contraste marcante com o ambiente inóspito que a circunda.
Descubro que o calor que permeia o espaço não se deve apenas à barreira protetora contra o frio externo que a tenda proporciona, mas também à presença de um corpo humano ao meu lado. Esta é uma experiência inédita para mim, nunca antes tive a oportunidade de compartilhar meu leito com outra pessoa.
No complexo austero onde passei minha infância e adolescência, sempre dormi sozinha na solitária confinada que chamava de minha cela. Ocasionalmente, havia outras crianças lá, mas à medida que eu sobrevivia a cada desafio brutal a que éramos submetidos, e continuava a me destacar entre os demais, que inevitavelmente sucumbiam à severidade dos testes, eles pararam de trazer novas crianças, focando seus esforços apenas em mim.
Suportei uma dor inimaginável, sujeitei-me a torturas inenarráveis, mas meu objetivo era claro e inabalável. Eu tinha feito uma promessa a mim mesma de proteger outras crianças do sofrimento que eu estava sendo forçada a suportar. Eu acreditava, e ainda acredito, que meu sofrimento permitiu que outras crianças fossem poupadas da vida cruel e desumana que eu fui forçada a viver. Foi uma existência dura, despojada de qualquer conforto ou alegria, mas acredito que cumpri a promessa que fiz a mim mesma.
Repentinamente, percebo um movimento ao meu lado. O homem que está comigo na cama se agita, atraindo-me para mais perto de seu corpo. Sinto algo duro pressionando-se contra minhas costas e a mão do homem, forte mas carinhosa, aperta minha coxa gentilmente. Não é uma sensação dolorosa, mas certamente desconcertante. Meu corpo fica tenso com o contato, enquanto suas mãos exploram o meu corpo, que está coberto apenas pela camisa que ele me deu para vestir na noite anterior.
Ele acaricia minha barriga com uma delicadeza que nunca experimentei antes. A gentileza com que ele me toca é uma novidade para mim. Eu nunca experimentei tal ternura antes.
Ele é tão diferente de Bel, que nunca me tocou com tal gentileza. Parece tão íntimo, tão pessoal. Não consigo entender o que estou sentindo agora com o toque dele, é um sentimento novo, estranho, que nunca senti antes. Não é uma sensação desagradável, apenas diferente.
De repente, ele desperta e se afasta de mim com um movimento abrupto. "Me desculpe, não foi minha intenção", diz ele, claramente constrangido. Seu cabelo loiro cai sobre seus olhos azuis, que me olham com apreensão. Ele parece preocupado, como se temesse que pudesse ter me machucado de alguma forma. Ele me olha profundamente, seus olhos vasculhando meu rosto em busca de qualquer sinal de desconforto.
Com ele a uma certa distância, meus olhos são atraídos para a tatuagem em forma de escamas que adorna sua pele. Sob a luz fraca da tenda, ela parece dançar, hipnotizante. Há algo nele que me atrai, algo que não consigo entender completamente.
Ele sorri para mim, como se tivesse decifrado algum enigma que só ele conhece. "Qual é o seu nome, linda?", ele pergunta, um sorriso se espalhando por seu rosto, formando uma covinha adorável em sua bochecha. A tentação de tocar seu rosto é irresistível, e eu sucumbo, cutucando sua covinha com meu dedo. Ele parece tão genuíno, tão bonito. Ele segura minha mão, sem se importar com minha ousadia.
Lembro-me, então, de sua pergunta. Ninguém nunca perguntou meu nome antes. "Mil. Meu nome é Mil", respondo rapidamente, temendo que ele perca o interesse se eu demorar mais para responder.
"Mil", ele repete, e eu nunca imaginei que um nome pudesse soar tão bonito apenas porque outra pessoa o pronuncia. Meu nome, que sempre foi apenas uma identificação, parece lindo saindo dos lábios dele. "Meu nome é Seshe. É um prazer conhecer você, Mil", ele diz ainda sorrindo.
Nesse momento, sinto algo novo, algo que nunca experimentei antes. É uma sensação estranha, mas ao mesmo tempo reconfortante. Como se, de alguma forma, eu estivesse descobrindo algo novo sobre mim mesma. Algo que, até então, estava escondido nas profundezas da minha alma. E, de repente, eu me sinto mais viva do que nunca.
Desvio meus olhos do torso desnudo dele, sentindo um calor repentino e intenso subir pelo meu rosto, tingindo minhas bochechas de um matiz vermelho vivo. Ele está se erguendo da cama, um monte de peles suaves e mornas contra o frio do chão. Observo os músculos das costas e dos braços dele se movendo com uma graça e elegância predatória, cada movimento fluindo para o próximo como um rio corre para o oceano.
Um sentimento de medo começa a surgir dentro de mim, crescendo rapidamente até se tornar uma maré negra e turbulenta que ameaça engolir meu bom senso. Sinto medo da distância que parece estar se abrindo entre nós, um abismo escuro e desconhecido. Tenho medo de que ele me deixe sozinha, apesar de saber que minha angústia é irracional. Afinal, mal o conheço.
Meus dedos se agarra às peles macias da cama, apertando-as como se pudessem me ancorar à realidade, manter-me firme em meio à tempestade de emoções que estão me agitando. "Não vá," eu imploro, minha voz mal mais do que um sussurro de medo e desespero. A incerteza me atinge em cheio, como uma onda fria e implacável, me deixando trêmula e fragilizada.
Ele para, girando a cabeça para olhar para mim por cima do ombro. Seu olhar é intenso e
avaliador, fazendo meu coração palpitar com medo e ansiedade. Por um momento que parece durar uma eternidade, ele só me observa em silêncio.
Então, para minha surpresa e alívio, ele se vira e caminha de volta para a cama de peles. Sua mão é quente contra a minha pele fria, segurando meu rosto suavemente entre suas palmas. Ele se inclina para frente, seus lábios encontrando minha testa em um beijo carinhoso que me faz soluçar de alívio e emoção. "Não vou deixar você," ele murmura, suas palavras agindo como um bálsamo sobre minha ansiedade crua e exposta.
"Você deve estar com fome," ele diz, levantando-se e pegando uma camisa de uma bolsa de couro áspera que está encostada no canto da tenda. "Vou sair rapidinho para pegar algo para a gente comer."
Assim que ele sai, Bel aparece de repente, como se tivesse surgido do nada. "Ele até que é bonito para uma cobra," ela comenta com um sorriso malicioso, sentando-se ao meu lado na cama de peles. Olho para ela, confusa e um pouco magoada. Por que ela desapareceu quando eu mais precisava dela? Se não fosse por Seshe, eu ainda estaria naquela tenda sendo torturada pelos homens que me capturaram.
Lembro-me das cinzas quentes que aqueles homens espalharam sobre meus cortes, da agonia quase insuportável que invadiu meu corpo. Um arrepio de medo e repulsa percorre minha espinha. "Eles me torturaram, Bel," digo, minha voz trêmula com a lembrança da dor.
Eu vejo a dor em seus olhos, mas ela desvia o olhar, incapaz de enfrentar minha angústia. "Eu sei," ela murmura. "Os lobos são criaturas desconfiadas por natureza. Eles não são maus." Sua explicação parece vazia e insuficiente para mim. Não depois do que eles fizeram. Não depois de como o alfa olhou para mim.
"Eu não fiz nada para que eles me machucassem," digo, amargura tingindo minhas palavras.
Seus olhos se encontram com os meus. "Você cheira a demônio, Mil, e seus olhos são vermelhos," ela diz, como se isso fosse justificativa suficiente para as ações deles.
Posso cheirar a demônio, mas nunca machuquei ninguém que não tentou me machucar primeiro. E Bel estava lá todas as vezes. "Eu... eu nunca machuquei ninguém que não tentou me machucar primeiro, Bel. Você estava lá todas as vezes," digo, sentindo a injustiça.
"Mil, você precisa entender que nem todos te conhecem como eu," ela responde, sua voz suave.
"Como eles vão me conhecer se nem me deram a oportunidade? Eles começaram a cortar minha carne antes mesmo de eu poder falar," digo, me abraçando, as lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
"Mil, se eu pudesse, eu nunca teria deixado que eles te machucassem como fizeram," Bel diz, e eu sei que é verdade.