Um dia já havia se passado e, à noite, quase não conseguiu dormir de tanto pensar nos últimos acontecimentos que envolveram ele e seu grupo. Amanheceu, e o velho soldado permanecia pensativo sobre tudo o que havia ocorrido. Levantou-se em busca do Dr. Kaminsk e de Gareno, mas não teve sucesso. Sabia que Thilláila estava em outra ala daquele gigantesco complexo, como sempre, acompanhada e protegida por Troy, o dragão de estimação.
Por sorte, existiam outras repartições que serviam como acomodações para as equipes de cientistas que antes comandavam aquele centro de pesquisa. Provavelmente, os amigos ainda estavam profundamente adormecidos em camas grandes e macias. Continuava refletindo sobre como Thilláila demonstrara um potencial muito além do que ele poderia ter imaginado. Na luta contra os dragões, ela não foi apenas uma lutadora; mostrou-se uma verdadeira arma de guerra, silenciosa e letal.
"Desde quando você tem essa habilidade?" perguntou, tão logo abriu o portão de acesso onde haviam combatido as feras no dia anterior. Ao dar o primeiro passo, tropeçou em um dos muitos corpos abatidos no chão e, ainda se recuperando dos combates anteriores, não conseguiu evitar a queda. "Thilláila! O que aconteceu aqui? Você usou seus poderes novamente?" insistiu, mas ela não respondeu, exausta pelo esforço mental recente.
Ao perceber que estava mais preocupado com as habilidades da amiga do que com seu próprio estado, sentiu-se envergonhado. Rapidamente, levantou-se para socorrê-la. Ao lado, viu Troy, o dragão, com ferimentos visíveis, claramente resultado de uma luta recente contra inimigos ferozes. Apesar de sua bravura, Troy não saiu ileso. O único que parecia não ter sofrido nada era o Dr. Kaminski, que tentou dizer algo, mas desmaiou.
Então, ao ouvir uma voz que parecia a de Gareno, deixou Thilláila de lado e decidiu procurá-lo. Após retirar algumas carcaças de dreikis que cobriam seu amigo, percebeu que ele estava gravemente ferido, balbuciando frases desconexas. Mesmo assim, Gareno conseguiu apontar, alertando sobre um perigo próximo. Foi nesse momento que o soldado ouviu o rosnado de um enorme dreikis, o maior que já havia visto, encarando-o com ferocidade.
O problema era que não estava armado, e todos ao seu redor estavam inconscientes ou incapazes de ajudá-lo. Parecia que essa batalha teria que ser resolvida por ele mesmo. Manquejando, preparou-se para o combate, enquanto a fera avançava com os pelos eriçados e presas à mostra. Sentia-se fraco, tanto física quanto mentalmente. A intrusão de Thilláila em sua mente o deixara exaurido, mas não havia tempo para distrações. Precisava focar na luta que estava por vir se quisesse sobreviver.
Casamento Arranjado
Kowalsk sempre foi uma pessoa corajosa, e poucas situações deixou ele com medo como essa agora. E o medo que sentia não era só de ser devorado por aquela fera que tinha ódio nos olhos e muita força nos dentes. O maior medo era deixar aqueles a quem ele conhecera há pouco tempo, mas que já haviam cativado sua afeição. Apesar de que, em alguns momentos, aqueles seus companheiros chegavam a ser chatos, sem eles sua vida seria menos divertida e muito solitária.
Então, ele tinha que continuar o blefe: — O que você quer aqui, bicho feio? O que aconteceu aqui não foi suficiente para você? Se nós derrotamos seus superiores, os pequenos Dragões, que não têm nada de pequeno, o que acha que pode fazer comigo? Você realmente acha que pode ganhar?
Kowalsk parecia não estar em suas faculdades mentais normais. O dreikis apenas o olhava e, apesar do rosnado, não se mexia um centímetro sequer, ele estava tão cansado que já não tinha mais certeza sobre o que estava fazendo. Mas a imobilidade daquela fera diante de sua bravata passava a impressão de que estava funcionando.
— Então, seu bicho feio, você está esperando o quê? Que eu lhe mande um convite?
De repente, escutou um gemido. Era Thilláila, que parecia estar se recuperando lentamente daquela batalha.
— Senhor Kowalsk, por favor, pare de provocar esse dreikis. Ele está entendendo quase tudo o que o senhor está falando e sabe que não é bom para ele. Ele só está parado porque, em sua mente animalesca, está pensando numa maneira dolorida de reduzir seu corpo a um pequeno pedaço de carne moída.
Aquilo não era nada animador. Kowalsk, no entanto, pareceu não se importar, apesar de, por dentro, estar morrendo de medo de que aqueles fossem seus últimos momentos de vida.
— Thilláila, aprenda uma coisa: numa guerra, você tem que saber ler o inimigo e, quando sabe exatamente o que ele quer fazer, pode virar o jogo.
— Mas, nem eu nem o senhor estamos em condições de combater esse dreikis. Então, por que insiste em provocá-lo, mesmo depois do que eu lhe falei?
— Thilláila, espero que você possa me dar uma boa resposta para isso que vou lhe perguntar.
Enquanto isso, o raivoso dreikis parecia pronto para pular no pescoço de Kowalsk.
— Quanto por cento do seu poder mental você pode utilizar agora nessa criatura?
— Me desculpe, senhor Kowalsk, mas como ataque, apenas um por cento, o que não é suficiente nem mesmo para fazê-lo piscar os olhos com força.
— Tudo bem, Thilláila. Eu não preciso que ele fique de olhos fechados, mas que apenas faça ele se lembrar do trato que foi feito entre nós e sua raça. Pode fazer isso?
— Sim, senhor Kowalsk, acredito que sim. Mas preciso que o senhor o irrite um pouco mais para que possa ser quebrada a sua defesa mental.
— Você tem certeza disso, Thilláila? — perguntou o velho soldado, um pouco mais apreensivo.
— Essa é a única maneira de fazer com que ele se lembre do trato. Caso ele não se lembre, eu precisarei revisar essa informação mentalmente, mas a escolha é sua, senhor.
— E aí, sua bola de pelo, já se decidiu como vai querer o seu prato ou está esperando o cardápio?
Thilláila sabia que Kowalsk tinha mesmo que irritar aquele dreikis, mas ele estava exagerando. A fera, cega pela fúria e pelas provocações do velho soldado, avançou pronta para pular em seu pescoço.
Kowalsk, no entanto, não tirava os olhos de seu adversário nem por um segundo. Foi quando o poder de Thilláila entrou em ação. Num só instante, ela quebrou a barreira mental da fera, avançou em seus pensamentos e retrocedeu sua memória.
A fera não se lembrou do trato e, estando fora de controle pelas provocações de Kowalsk, Thilláila atacou. A mente de Kowalsk também estava sensível porque já tinha sido invadida por Thilláila alguns minutos atrás e, quando Thilláila atacou mentalmente aquele dreikis, o velho soldado caiu bem diante dele
.Os dois ficaram se encarando de frente. Kowalsk já havia passado da fase do medo há muito tempo e agora se sentia envergonhado por estar de quatro confrontando o olhar de seu oponente.
Isso era tudo que o velho soldado podia fazer, pois não tinha força sequer para se mover. Enquanto isso, a fera avançou um pouco mais até ficar a poucos centímetros de seu rosto e, abrindo sua enorme boca, projetou uma língua pegajosa que lambuzou toda a cara de Kowalsk, derrubando-o em seguida.
E deitado esparramado no chão e sendo lambido na cara sem parar, o velho soldado mais aliviado falou:
— Me conta exatamente o que você fez, Thilláila.
— Eu fiz um procedimento em que essa fera nunca mais vai se esquecer de que lhe deve total obediência.
— E como você fez isso?
— Fiz com que sua memória retrocedesse até o momento do trato aceito por ele. No entanto, essa memória não existia. Recriei uma nova memória e fiz com que se fixasse de maneira que ele não pode lhe atacar, não pode lhe trair e não pode lhe esquecer.
— Você quer dizer que acabou de fazer um casamento entre mim e esse bicho?
Esquecendo toda a dificuldade que havia passado alguns minutos atrás junto aos seus companheiros, Thilláila sorriu ao responder: — É quase isso.
— Ah, tá bom! Mas faz ele parar de me lamber.