Rosalinda franziu a testa quando a luz atingiu seus olhos. Ela piscou várias vezes, confusa.
Acaso ela não estava morta?
Suas sobrancelhas se uniram enquanto ela observava o quarto, absorvendo as paredes marrons descascadas, o assoalho de madeira arranhado, o patético conjunto de móveis...
Este não era o quarto dela de muito, muito tempo atrás?
Enquanto olhava ao redor em pânico, seus olhos avistaram suas mãos pálidas, como jade.
Mãos que ela havia perdido anos atrás com a benção. Quando a Deusa a despojou da benção, sua pele encolheu como se estivesse queimada. Ela sempre odiou a aparência de suas mãos, como elas se sentiam, e, o pior de tudo, como elas atraíam olhares de desprezo e pena de estranhos.
Mas antes que Rosalinda pudesse registrar completamente a alegria de ter suas mãos de volta, uma lufada de vento a fez tremer incontrolavelmente. Ela se lembrou de que não tinha uma lareira para aquecê-la durante o inverno. O frio era um lembrete constante de que ninguém na casa dos Lux lhe proporcionava um aquecimento decente apenas por causa de seu cabelo preto.
Talvez, depois de todos esses anos, ela ainda fosse aquela desgraça abandonada e indesejada que sua família queria esconder.
Sentindo-se repentinamente nostálgica, Rosalinda se levantou e caminhou em direção a um pequeno espelho que ela secretamente pegara depois que Dorothy o jogou fora em seu aniversário no último outono. O assoalho rangeu como sempre.
Encarando o reflexo de sua versão mais jovem, Rosalinda refletiu que, se isto era morrer, então morrer era menos assustador do que ela pensava. Talvez a Deusa realmente tivesse pena dela e lhe dado um último sonho.
No espelho, o cabelo de Rosalinda ainda era preto, seus olhos ainda eram dourados. Quando ela deixava a casa, se misturava à multidão. E isso, para a prestigiosa Família Lux, era quase um pecado. O pecado de ousar parecer uma pessoa normal enquanto fazia parte das Oito Grandes Famílias.
Ela parecia exatamente como antes.
Exceto...
Onde estava seu colar?
Rosalinda correu de volta para a cama e remexeu nos cobertores finos e nos travesseiros murchos. Sua cama era simples e ela rapidamente percebeu que o colar simplesmente não estava ali. Em pânico, Rosalinda começou a vasculhar sua pequena cômoda que continha apenas quatro conjuntos de vestidos.
Aquele colar não era nada caro. Seu desenho era simples e antiquado. Mas era um presente de sua falecida mãe. Era algo que Rosalinda havia carregado consigo desde os cinco anos.
Enquanto ela chacoalhava um de seus vestidos pela segunda vez na vã esperança de que o colar estivesse preso no tecido, um pensamento estranho cruzou sua mente. Com alguma hesitação, ela deu uma longa e dura beliscada em sua perna.
"Ai!" Lágrimas brotaram imediatamente em seus olhos.
A dor significava que isso não era um sonho!
Teria ela apenas voltado dos mortos? Mas e seu colar?
Uma batida na porta interrompeu seu fluxo de pensamentos.
"Senhora Rosalinda?"
A pergunta veio de uma mulher em preto e branco. Um rosto familiar.
"Milith?" ela chamou. "Você viu meu colar?"
A mulher fez uma pausa e lhe deu um olhar confuso.
"Minha senhora, que colar?"
Rosalinda levantou uma sobrancelha. "Aquele com uma chave—"
"Você nunca usou um colar antes," Milith respondeu. Ela deve ter visto a surpresa que Rosalinda sentiu, pois rapidamente acrescentou, "Há algo errado?" Quando Rosalinda não respondeu, ela continuou, "Minha senhora, você está se sentindo mal? Precisa que eu chame o médico?"
"Não, eu—" Rosalinda evitou o olhar preocupado de sua empregada. Milith a serviu por anos. Era impossível que ela não notasse um colar que sua senhora usava todos os dias.
Mas de alguma forma, ela não conseguia se lembrar dele.
Rosalinda olhou de volta para sua empregada ansiosa. Milith parecia estar no final da adolescência. Com alguma dificuldade, Rosalinda finalmente perguntou, "Você pode me dizer que ano é agora?"
"É o décimo mês do oitocentésimo e sétimo ano após a Grande Guerra. Por que pergunta? Tem certeza de que está se sentindo bem? Você parece um pouco pálida. Você esqueceu seu almoço novamente? Não estava ao seu gosto?" A lembrança de Milith fez com que as duas olhassem para a comida intocada na mesa de cabeceira.
"Eu— "
"Senhora Rosalinda... Você poderia por favor parar de ignorar seu próprio bem-estar?" a jovem empregada repreendeu em seu costumeiro modo. Como Milith estava com Rosalinda desde que ela era criança, ela tinha menos medo de sua senhora do que a maioria das empregadas.
No passado, Rosalinda odiava o quanto Milith era insistente, mas ouvir sua voz agora deu a Rosalinda uma estranha sensação de euforia. Ela permitiu que Milith continuasse falando.
"Você não pode confiar na sua família para cuidar de você. Eles esqueceram seu aniversário por alguns anos agora. Sei que isso soa duro, mas a verdade é que eles nos abandonaram nesta cabana. Devemos tentar viver nossas vidas ao invés disso."
Rosalinda olhou mais uma vez para seu almoço intocado. No Ano 807 da Nova Era, ela tinha dezessete anos. E Dorothy, que havia completado dezoito há algumas semanas sem receber a benção da Deusa, logo faria seu caminho até a pequena cabana de Rosalinda.
"Você está certa," disse Rosalinda.
"Perdão?" A ruga entre as sobrancelhas de Milith se aprofundou.
"Eu disse, você está certa. É realmente hora de vivermos nossas vidas."
"Você— " Milith se aproximou rapidamente. "Você está com febre?"
"Milith, estou bem." Ela instintivamente evitou o toque de Milith. Em seus últimos dias, sua pele havia se tornado tão sensível que até um toque leve causava grande dor. Seu corpo estava tão abalado pela ausência da benção que ela mal conseguia sair da cama.
"Posso comer isso?" Ignorando a surpresa de Milith, ela pegou seu almoço frio e imediatamente começou a devorá-lo como se não comesse há dias.
Ao ver isso, Milith ficou alarmada.
"Minha senhora! O que você está fazendo!?" Milith perguntou. "Por favor, espere! Deixe-me buscar um prato novo para você!" Quando ela não teve resposta, a jovem empregada entrou em pânico. "Minha senhora, por favor!" ela disse, mais alto desta vez. "Pelo menos deixe-me aquecer a comida para você. Comer algo assim é— "
"Milith..." Rosalinda olhou para cima, do seu sanduíche pela metade comido, e sorriu. "Está delicioso. Obrigada."
"Minha senhora..." Milith subitamente se ajoelhou na frente dela, lágrimas escorrendo por suas bochechas. Surpresa, Rosalinda piscou. Milith começou a soluçar.
Seus gritos angustiados fizeram Rosalinda se sentir culpada. Seja agora ou no passado, Milith sempre se preocupou profundamente com ela. Quando a mesada mensal que a Família Lux enviava não era suficiente para cobrir suas despesas, era Milith quem começava a caçar coelhos e a procurar por nozes comestíveis e frutas silvestres na floresta próxima. Como única empregada de Rosalinda, Milith era forçada a fazer de tudo, incluindo caçar e cozinhar.
Rosalinda nunca havia demonstrado qualquer apreço pela jovem empregada. Quando a Família Lux a convocou de volta à mansão, Rosalinda se recusou a levar Milith com ela. Quando soube da morte de Milith, ela já era a Baronesa Sencler. A notícia já tinha vários anos também.
Resolvendo redimir-se, Rosalinda ajudou Milith a se levantar e lhe deu um brilhante e tranquilizador sorriso. "Querida Milith, você me ensinará a caçar?"
Sonho ou não sonho, esta era uma segunda chance de viver a vida sem arrependimentos!
"Minha Senhora..."
"Milith! Você está certa. Não posso continuar a me lamentar em autopiedade." Enquanto Milith continuava olhando para ela com olhos arregalados e assustados, Rosalinda declarou, "Eu assumirei o controle da minha vida. E começarei aprendendo a caçar." Seu sorriso se alargou. Em breve, ela estaria caçando aqueles que a haviam prejudicado.