Chrys:
Eu continuava hesitante diante daquelas asas negras, simplesmente não parecia ser real aquilo para mim. Quando se pensa em encontrar uma lenda derivada das origens de dois Reinos oponentes, conseguimos imaginar seres de poder imensuráveis, ou até mesmo cavaleiros grandes, fortes e armadurados. Mas para minha surpresa, o que eu havia encontrado era muito diferente do que todos nós imaginávamos. Zack, o Anjo Negro, era um jovem garoto de mesma idade que a minha, não apresentava nenhuma característica super especial ou que lhe desse a aparência de uma criatura lendária, ele só era amigável e gentil.
— Chrys? Ei.. está aí?— Ele me cutuca, enquanto estou perdido em meus pensamentos— Chrys?! Hey!
— Ah! Me desculpa! Eu estava pensando longe... — Rapidamente me viro a ele, colocando toda minha atenção naquilo que ele estava me explicando.
— Eu estou indo para casa agora certo? Deixei aqui com você algumas coisas para que não passe frio — Me explicou Zack, ao deixar um cobertor feito de lã próximo a mim, se retirando em direção a porta de saída em seguida — Pode dormir aqui, sua asa está machucada e você precisa descansar, qualquer coisa, vc pode me chamar na casa principal, eu explicarei ao meu pai mais tarde.
— Zack — O chamei quando já estava próximo de sair pela porta, e de imediato ele se virou para mim — Muito Obrigado
Lançando-me um sorriso, ele saiu pela porta, rumo a casa principal de sua residência, e de fato, por mais uma vez, percebi o quão equivocada estava nossos pensamentos em meu Reino. Por maior que fosse minha vontade de ficar para continuar a conversar com Zack e estudá-lo, eu não podia simplesmente ignorar a situação do meu reino, e deixar as coisas acontecerem como meu irmão bem queria. Querendo ou não, um a raiva intensa cresceu dentro de mim por conta de Oriel, e eu estava mais que disposto a derruba-lo de seu poder, em nome de nosso irmão que foi brutalmente assassinado de forma covarde pelo mesmo. Um dia eu voltaria a este reino para poder me juntar a Zack mais uma vez, mas nesse momento eu não podia deixar uma asa machucada me impedir de fazer algo a respeito, eu precisava me mexer. Pego minhas coisas rapidamente, saindo pela porta da frente de forma cautelosa, já que Zack não a havia trancado. Realmente, minha asa estava meio lesionada, pude sentir ao me movimentar um pouco mais bruscamente, e toda a parte superior de sua envergadura doer. Porém, Zack a havia enfaixado bem antes de sair, então isso estava evitando que ela me atrapalhasse em correr pelo menos. Talvez demore um pouco para que eu consiga voltar a voar, mas todo o cuidado que o Anjo Negro teve comigo, isso é algo que com certeza nunca vou esquecer. E dessa forma, mesmo machucado, comecei a correr floresta adentro, seguindo um trilha de terra que no final de tudo, não adiantou de muita coisa, pois falta de visão que todas aquelas árvores faziam ao tampar a luz do luar, acabaram causando a mim um gigantesco arrependimento de não ter ouvido o Zack. Agora já era tarde de mais, e estava perdido em meio a vegetação densa daquela floresta. Já havia saído para fora da trilha principal a tempo, e a todos os momentos eu ficava tenso por qualquer coisa que escutasse mata adentro. Ouvi um som estranho, se aproximar cada vez mais de minha pessoa, passos grandes e pesados, que facilmente colocariam medo em qualquer um que estivesse ali perdido, e mesmo mantendo uma enorme cautela, acabei por topar com dois enormes pares de olhos amarelos, que brilhavam em meio as árvores me observando na escuridão. Um risada grossa e arrepiante foi possível ser ouvida vindo de onde ele estava, e um Orc revelou-se andando em minha direção, com sua sede de sangue claramente estampada em seu rosto. Em um impulso de habilidade, pego meu arco alocando uma flecha em sua corda, puxando e mirando em um de seus olhos.
Ele era enorme, tinha pelo menos quatro vezes a minha altura, sua pele verde enrugada estava coberta com peles de outros animais que muito provavelmente haviam sido abatidos pelo mesmo, seus dentes imensos saiam da parte inferior de sua boca, e na mão ele levava um tacape de madeira bem grande. Nunca estive tão despreparado para um batalha contra qualquer um que tentasse me desafiar, e para piorar, minha mobilidade estava bem ruim, ainda mais com a asa lesionada, que infelizmente não está ajudando muito. Ele solta um urro e então se direciona a mim.
— Passarinho grande!!!! Esse ir para minha boca!!! — Aproveitando o momento, solto a flecha que estava tensionada em meu arco, que em um momento de sorte em meio aquela escuridão, acabou por acertar em cheio seu olho direito.
O enorme Orc urrou de dor, me dando tempo suficiente para poder correr dali, e me esconder em algum lugar. Insandecido pelo ocorrido com seu olho, ele começou a atacar com seu tacape para todos os lados sem um alvo claro, destruindo árvores e a flora que estava ao se redor. A Luz do luar foi possível ser vista mais uma vez, me dando campo de visão novamente, após as árvores serem derrubadas pelos golpes poderosos do Orc. Agora eu tinha clara percepção de meu oponente, sua inteligência era limitada, mas sua força bruta era o suficiente para me matar em uma única pancada. Aproveito o momento para correr por de trás das árvores, acertando-lhe outra flechada, que desta vez, vôo zunindo até suas costas. Chamando mais uma vez sua atenção, para a direção de onde havia disparado contra o mesmo.
— Passarinho!! — Ele brandia o porrete, quebrando tudo em volta mais uma vez, mas infelizmente, eu não fui rápido suficiente para correr para outro ponto seguro.
Um de seus golpes, acabou por acertar a posição onde eu estava, me lançando ao campo aberto novamente, onde havia luz da lua suficiente para que sua atenção se trava-se mais uma vez a mim. O golpe foi tão poderoso que me deixou tonto, e num estado ofegante, eu não havia mais como lutar debilitado daquela forma. Porém, alguém já observava tudo da escuridão, e então vejo aquele que seria meu segundo salvador em um único dia, pular no pescoço do Orc. Os olhos castanhos alaranjados brilhavam em meio a escuridão daquela noite, suas roupas eram um tanto incomuns para a região de onde estávamos. Seus ataques incluíam mordidas e garras poderosas, velocidade e ferozes. Não demorou muito para que o Orc ficasse de joelhos diante daquele ser que tinha características felinas. E assim finalizando aquele ser bárbaro, o homem felino desferiu seu golpe final, ao usar uma faca rústica para crava-la na cabeça de seu alvo. Minha asa estava doendo muito, e eu me sentia cada vez mais fraco após um ataque tão intenso ter me atingido. Minha visão tornou-se a escurecer, e última coisa que consegui observar, foi o caminhar do homem fera em minha direção.
[...]
Quando acordei, estava deitado dentro de uma caverna, onde uma pequena fogueira iluminava e aquecia tudo ali por dentro, mesmo que uma forte luz vinda de fora da caverna já apresentasse o sol que havia raiado. Minha asa parecia estar totalmente recuperada, ou milagrosamente curada. Ao olhar um pouco mais em volta, pude ver potes e ervas medicinais espalhadas por todo lugar, e na entrada da caverna um homem parecia estar meditando, aproveitando os raios solares. Prestando um pouco mais de atenção, percebi que se tratava de um Demi-Humano, mais precisamente metade homem e metade Tigre Dente de Sabre. Comecei a me levantar lentamente e tentando não atrapalha-lo em seus afazeres pessoais, mas falhei miserável quando sua voz grossa e imponente rebombeou caverna adentro.
— Eu não faria isso se fosse você... Sugiro que fique descansando! Sua asa está melhor, mas ainda está sensível — Sua é fala é forte, porém calma e resiliente. Ele nem precisou se mexer ou sair de sua posição para perceber minha movimentação – Muito bom dia inclusive...
Fiquei impressionado com tamanho conhecimento, ele se levantou vagarosamente se virando e vindo até mim em seguida.
— Olá... Jovem pássaro... – Me cumprimentou ele ao cruzar seus braços.
— O-olá — O olhando de baixo a cima de forma receosa, o respondo ainda um pouco sem graça.
Sua pele era negra, com muitas listras por todo seu corpo, mostrando qual era sua outra metade mítica animalesca. Havia um colete de pano básico sobre seus busto que ainda sim continuava amostra. Um pequeno cachecol leve em volta de seu pescoço, ornamentava sua aparência ainda mais, me dando a confirmação de que ele não era daquela região. Os caninos eram grandes, e os olhos alaranjados, assemelhavam-se aos dos grandes e temidos felinos. O cabelo era negro e curto, penteado todo para trás, enquanto havia uma franja repicada, caída sobre seus olhos. Havia uma barba mal aparada e bem cheia em suas bochechas, de mesma cor escura assim como seus cabelos. Suas orelhas de tigre ficavam bem visíveis em sua cabeça, e suas mãos estavam cobertas por luvas de couro, com placas de metal instaladas nas soqueiras, e ainda sim, suas grandes garras retráteis ainda eram bem visíveis. As calças eram feitas do mesmo material do casaco de tecido que pelo que pude perceber. Suas botas eram de couro, e havia uma espécie de pano bem preso a sua cintura, que lhe servia como uma espécie de cinto. Era bem alto ao meu ver, dava pelo menos um Chrystopher e meio de altura.
— Como passou a noite? — De forma acertiva, ele começou a tentar um diálogo comigo, enquanto guardava algumas coisas em seus devidos lugares – Ainda sente alguma dores?
— Eu passei relativamente bem, muito obrigado por me proteger... E também por curar minha asa — Agradeço a ele por tudo o que havia feito por mim, o reverenciando em seguida.
— Está tudo bem, eu gosto de ajudar os outros, e você deu sorte de eu estar passando pela região bem na hora — Continuando guardar suas coisas, ele continuou suas tarefas — Acredito que você deva voltar para sua cidade... Certo?
— É... Eu acredito que sim também... Respondendo sua pergunta com certa timidez – Como posso te chamar?
— Pode me chamar de Sabre — Respondeu ele ao finalizar suas tarefas.
— Muito prazer senhor Sabre.. — Estendi minha mão a ele, esperando que o mesmo entendesse que era um comprimento comum. E por um minuto, achei que passaria vergonha caso ele não entendesse isso — Meu nome é Chrystopher, mas pode me chamar de Chrys.
Ele olhou para mim ainda um tanto perplexo, como se estivesse tentando me analisar, mas finalmente ele sorriu mostrando aqueles caninos enormes, e por fim apertou minha mão firmemente.
— Certo... Foi um prazer não te deixar morrer garoto pássaro... Ah! A propósito, que espécie de pássaro você é? — Ele realmente me comparou com um pássaro? Demi-Humanos pássaros geralmente tem pés em formatos de garras, eu tinha pés humanos.
— Ah... Na verdade, eu sou um anjo...— Coloquei a mão na nuca um pouco sem graça, e depois apontei para meus pés – Demi-Humanos pássaros não tem pés humanos...
— Ah... Isso explica o porque eu nunca ouvi falar de vocês — Ele colocou a mão sobre o queixo, ficando levemente pensativo. E ainda sim aquilo não fazia o menor sentido, já que o Reino Celestial, era o mais poderoso dentre todos os Reinos do Mundo Mítico.
— Bem! Eu tenho que ir agora! — Me levanto cautelosamente para não acabar me esforçando de mais – Muito obrigado por tudo mais uma vez!
— Desculpe-me a pergunta, mas para onde você vai agora? – Ele cruzou os seus braços enquanto me observava pegar minhas coisas.
No momento em que fui pegar minha bolsa, o livro acabou caindo, abrindo exatamente na página onde estava bem ilustrado os seis heróis guardiões lendários do mundo mítico. Consigo ver três semelhantes, e Zack, o Anjo Negro, estava no centro dos seis. Havia também um anjo dourado segurando um arco glorioso, e um homem Demi-Humano com as mesmas características felinas de Sabre. Perplexo, peguei o livro em minhas mãos e comecei a olhar aquela imagem mais atenciosamente.
— Olha! Parece eu ali — Sabre se aproximou olhando a imagem com um sorriso no rosto – E esse aqui parece você...
— Realmente, parece mesmo... — Comento intrigado e extremamente interessado naquela imagem — Sabre.... O que acha de vir comigo?
— Eu não vou atrapalhar? — Pergunta ele um tanto animado – Faz um bom tempo que não vivo em sociedade, posso acabar te envergonhando.
— Claro que não, e eu te devo uma também! — Digo calmamente com a feição curiosa sem tirar os olhos da imagem – Não se preocupe senhor ermitão... Eu posso te ajudar com essa parte social da coisa!
— Muito bem então! Vou confiar em você garoto! — Por entre seus olhos eu vi passar um feixe de empolgação, enquanto ele se afastava para preparar suas coisas.
Rapidamente ele pega algumas coisas importantes, os colocando em uma bolsa que ele mesmo a amarrou cruzando seu busto, e então seguimos juntos para a cidade mais próxima. Eu precisava encontrar Zack novamente, e o quanto antes, pois se a profecia fosse realmente verdadeira, aquele anjo negro era a chave para isso tudo que irá se desencadear. No momento em que vi aquela imagem, senti um frio percorrer a espinha, era como se alguém estivesse arquitetando meus passos. Quão grande era o tamanho da coincidência, para que acaba-se dentro da morada de outro herói da profecia? Isso estava começando a ficar interessante, pois, se pensarmos desse jeito, então eu conseguiria facilmente prever o que poderia acontecer daqui pra frente. Vou guardar essa nota em minha mente e seguir o caminho, se tudo acontecer como os deuses arquitetaram... Estaremos todos juntos em questão de tempo. Porém, tenho plena consciência de que nem tudo os deuses podem arquitetar, os meios não podem justificar os fins nesse mundo. Em outras palavras, se os heróis falharem, a profecia tomará o resultado do qual esse mundo, nunca mais será o mesmo.
"E muito possivelmente, iremos cair em uma era caos infinito".