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Chapter 5 - Capítulo IV - Supremacia

Vallos, província de Montuália

Os vampiros não se afastaram por um minuto sequer da aldeia, eles rodearam o local como urubus famintos pelo desfalecimento de sua presa, prontos para atacar caso a guarda baixasse.

Aflitos e receosos com o que o futuro esperava, os moradores de Vallos reuniram seus pertences para abandonarem a cidade o mais rápido que pudessem, não queriam ficar ali para ver o que aconteceria com aqueles que decidiram lutar pelos seus direitos.

Tudo o que receberam foi uma pequena quantia de dinheiro por família, a incerteza de qual lugar aceitaria tão pouco dinheiro, do local onde trabalhariam e se iriam sobreviver a mais uma das adversidades.

Apesar de não terem um governador ou líder, Zahar tomou a frente para organizar seu povo para a partida de Vallos, o tal homem era visto pelos moradores como um líder nato, que sempre prezava em protegê-los naquela pequena aldeia, mesmo que não pertencessem ao seu sangue. Zahar era alguém que esbanjava confiança e autoridade.

— Quero que as crianças e os idosos sigam na frente junto aos seus familiares — Zahar disse. — Logo atrás, preciso de olhos atentos para vigiar nossas crianças, por esse motivo necessito de homens fortes e saudáveis para isso…

Todos ouvem atentamente as instruções de seu líder, para não perderem nenhum detalhe.

— Acho que Zahar irá me escolher para proteger as crianças — Airam disse com humor, esperando tirar algum sorriso do rosto de Ilana, que se mantinha séria e inerte a tudo a sua volta.

— Tenho certeza que você será a melhor escolha. — Mesmo entrando na brincadeira, Ilana não conseguiu esconder toda a preocupação que a rodeava.

A maioria dos moradores de Vallos não passavam de refugiados, que saíram de sua terra natal em busca da sobrevivência, tiveram que reconstruir e se reestabelecer em um novo lugar, e agora de forma repentina, teriam que fazer tudo aquilo novamente, não era algo justo, mas quem se importava com isso em uma terra onde a justiça estava em último lugar?

— Ilana? — A voz de Zahar dissipou os pensamentos da garota.

— Sim?

— Posso te pedir para que seja um dos últimos a partir? Escolhi mais alguns para estarem juntos, precisamos de alguém que proteja os demais, e sei que você luta muito bem, estarei logo atrás com vocês.

— Claro — Ilana disse sem hesitar.

Não muito longe dali, Yaco se encontrava no casebre onde Patmar morava, o professor caminhou pela cozinha calmamente, procurando ingredientes para poder fazer um chá, enquanto a água fervia na chaleira.

— Essa sua calmaria me deixa admirado, mas precisa arrumar suas coisas, todos já estão partindo — Yaco avisou.

— Sente-se, e venha tomar um chá comigo. Hoje temos camomila, erva cidreira, ou se preferir temos de alecrim. Aproveite que é difícil estar nessa fartura toda…

— Não temos tempo para tomar chá. — Yaco caminhou em direção a um caixote onde Patmar guardava suas roupas. — Leve somente o necessário, nos viramos para encontrar o restante.

— Pare de mexer nas minhas coisas! — A voz autoritária de Patmar tomou conta do ambiente, a mesma voz que ele usava para repreender seus alunos caso tivessem aprontando.

— Estamos todos indo se refugiar em outra cidade, não ouviu o aviso dos tahagulenos?

— Vallos é minha casa agora!

— Vallos não nos pertence mais, Patmar — Yaco se alterou. — Venha conosco.

— NÃO QUERO! — Sua voz se elevou. — Se esta terra perecer, irei junto a ela…

Patmar nunca foi um homem teimoso, era sábio o suficiente para saber a hora que precisava ceder, ouvir e contrariar. Yaco pergunta a si mesmo se o que Patmar tinha era medo, de ir para um lugar onde fosse descoberto e torturado até clamar por sua morte. Não queria deixar seu companheiro para trás, a quem tanto ajudou.

— Logo mais meus filhos e eu iremos abandonar a alcateia e vamos atrás do nosso próprio rumo — pouco a pouco, Yaco revelou seus segredos. — Iremos pegar um barco e partir para longe dessa terra, o barco é grande o suficiente para você vir conosco.

— Como conseguiram esse barco?

Yaco deu um longo e profundo suspiro antes de continuar.

— Juntando dinheiro dos roubos aos cemitérios.

Um leve sorriso se formou no canto do lábio de Patmar.

— Você não é muito diferente de mim.

— Nos atraímos pelas semelhanças, não pelas diferenças.

Os dois soltam uma gargalhada leve e sincera. 

Essa frase foi o suficiente para despertar alguns pensamentos mais obscuros em Yaco, que recolheu o sorriso, entendendo sem uma única palavra o desejo de seu companheiro em permanecer.

A semelhança entre Yaco e Patmar era que os dois seriam capazes de sacrificar qualquer coisa em troca da liberdade.

— Boa sorte na sua jornada! Que os deuses lhe abençõe — Patmar desejou a Yaco.

— Obrigado!

Yaco deu um profundo suspiro, alongando sua permanência ao lado de Patmar, em seguida, atravessou a porta do casebre em despedida. O senhor perdeu muitos companheiros durante sua jornada sem ao menos se despedir, com Patmar não seria diferente, pois acreditava que a vida na terra era apenas uma curta passagem, e que em breve, se encontrariam novamente.

Yaco se juntou a sua família, orando em pensamento para não ser preciso perder mais ninguém durante sua vida, principalmente seus queridos filhos.

(...)

A noite estava ficando cada vez mais fria, e os moradores de Vallos necessitavam descansar, para isso armaram tendas a fim de se abrigarem até o nascer do Sol.

Juntamente a sua família, Ilana se protegia do frio ficando próxima à fogueira, apenas aguardando a hora do sono chegar.

Ela observou algumas crianças brincando, e invejou toda essa despreocupação que elas tinham, às vezes desejava que seus pensamentos sumissem, apenas por alguns segundos.

— Sabe Ilana… — Airam chamou a atenção da jovem para si. — Agora seria um bom momento para você continuar a história.

Ilana pensou por um momento, talvez aquilo fosse distraí-la.

— Também quero ouvir essa história. — Filippo se aproximou calmamente se juntando aos dois.

— Onde eu havia parado?

— Pelo o que eu me lembro, foi no início da rebelião dos deuses — afirmou Airam.

Ilana endireitou-se, preparada para dar continuidade a história.

— A rebelião dos deuses foi um marco para a existência das criaturas, cada deus transformou um humano em um ser que tinha poderes capazes de enfrentar o exército do deus supremo.

— Achava que os seres humanos foram todos extintos pelo deus supremo, depois os vampiros, demônios, lobisomens e os demais foram criados — Filippo interrompeu.

— Ninguém tem certeza absoluta sobre tudo que aconteceu, só estou contando a versão que minha mãe me contava — Ilana argumentou.

— Sua mãe estava errada — insistiu o rapaz.

— Quer continuar a história? — Ilana ergueu as sobrancelhas intimidando o pobre rapaz.

— Não, minha flor de lótus. — Filippo sorriu amarelo. — Pode continuar.

Ilana deu um profundo suspiro e focou novamente na história que estava contando.

— Independente se os seres humanos foram transformados ou recriados, o único objetivo que os deuses tinham era ter soldados fortes o suficiente para ir contra o exército de Stvar.

Não sabíamos ao certo o motivo da escolha de cada ser, mas a princípio eles serviram muito bem como soldados, capazes de suportar as batalhas e quase venceram a guerra.

Quase, pois Stvar ainda não havia agido diretamente. Quando o deus supremo enfim resolveu descer dos céus, a guerra que perdurou por séculos acabou em questão de segundos.

Os deuses enfim foram derrotados, mas eles ainda tiveram uma segunda chance para se redimir, entretanto, apenas dois deles cederam, sendo eles Alklas e Indifell.

Os demais ainda queriam derrotar o deus supremo e tomar todo o domínio para eles, mas falharam miseravelmente.

Stvar ficou descontente com a desobediência de sua prole e, como castigo, uniu os deuses a suas criações, e as amaldiçoou de acordo com as características principais de seus deuses.

Sabendo que Chillsafar havia sido a pioneira, e líder de toda aquela rebelião, o deus a aprisionou em seu próprio império, expulsou os feiticeiros desse lugar e apagou suas memórias e lançou uma maldição, onde a própria magia seria capaz de matá-los caso não obedecessem a regra dos três pilares. 

Tahagul não pode permanecer mais como governanta de seu próprio império e teve uma punição mais amena, suas criaturas apenas não sobreviveriam caso não consumissem sangue.

Os lobisomens foram amaldiçoados com a prata, que seria letal ao tocá-la, completamente contradizente com tudo que Montualia fornecia e, assim como Tahagul, a deusa da prosperidade foi exonerada de seu império. 

Já Solycium, teve suas criações atormentadas por um ser maligno, encontrado no fundo do oceano, que libera uma toxina letal, nomeado como Cilyka.

E a última a ser exonerada de seu império, Katacrista, uma de suas plantas favoritas é capaz de envenenar e matar suas criaturas, com ela é possível fazer chás medicinais, porém uma única gota é capaz de dizimar orcs e ciclopes.

Por terem cedido a um único pedido de Stvar, Indifell e Alklas foram os únicos a permanecer como governantes de seus impérios.

Porém, suas criaturas ainda sofrem as consequências, os anjos se tornam enfraquecidos com a ausência de suas asas e os demônios se tornam totalmente vulneráveis a armas que fossem forjadas pelo fogo de Dogel, encontrado nas terras de Indifell.

— Mas Indifell agora não é liderado por um marechal? — Airam questionou.

— Sim, os indifilenos foram libertos da ganância de seu deus, mas essa história fica pra outro dia.

— E em que momento os altaneiros entram na história? — continuou a criança, Airam queria entender cada detalhe da origem do mundo em que vive.

— Eles têm um papel semelhante aos dos Anhumas, de servirem diretamente ao seu deus, exceto que são pessoas como nós. Com a maldição de Stvar, os altaneiros receberam um papel ainda mais importante além de servir, eles são responsáveis por realizar cultos de adoração para resgatar a fé de seu povo. “Um povo fraco é apenas um reflexo de um deus fraco”. Com a união que os deuses têm com as criaturas, os altaneiros receberam esse cargo importante, sendo os únicos a terem contato direto com o seu deus sem sofrerem alguma consequência.

— E de que forma eles são escolhidos?

— É difícil imaginar o que se passa pela cabeça de um deus, questão de força, persuasão, gentileza, inteligência ou bondade, não temos certeza dos requisitos para ser um altaneiro.

Os altaneiros também possuíam um papel fundamental em cuidar e zelar pelo bem de todos, colocando os demais acima de suas vontades.

Ilana olhou ao seu redor, se sentindo cada vez mais pesarosa ao ver seus familiares e amigos passando por tudo aquilo, se o imperador não era capaz de ajudá-los, quem sabe talvez, um altaneiro pudesse os ajudar.

“Ou seria em vão?”, questionou a mais jovem, a qual se deitou com esse pensamento rondando sua cabeça, 

(...)

Encontrar um local para se abrigar era o maior objetivo e os moradores de Vallos não tinham tempo a perder. Reuniram todos seus pertences e marcharam em busca de um lugar digno para viver.

Obedecendo o pedido de Zahar, Ilana é um dos últimos a partir, com os pensamentos barulhentos, quase a sufocando, a jovem planejou diversas formas que poderiam ajudar aquele povo. Não poderia deixar sua terra e largar todos para trás, por mais que tivesse algumas pessoas que não gostava, Vallos foi quem a acolheu e sua família no momento em que mais precisavam.

— Ai! — Ilana passou a mão na própria cabeça ao sentir um leve impacto. Ao olhar para o chão, encontrou uma pinha que tinham acertado nela.

A garota lobo olhou na mesma direção, observando seu pai a chamar discretamente. Ele fez um gesto indicando para seguirem por outro caminho e Ilana o seguiu.

— Por que nos chamou aqui? — Ilana perguntou assim que encontrou Filippo no mesmo caminho que seu pai e ela.

— Estou informando a vocês que nossos dias em Montuália estão contados — Yaco anunciou sem rodeios. — Apenas precisamos de uma brecha para abandonar a alcateia e seguir nosso próprio rumo.

Os dois mais novos sentiram os seus corpos vibrarem, os dias de esforços chegaram ao fim, estavam prestes a dizer adeus à miséria.

— Para onde vamos? — Filippo perguntou, deveria ser a sexta ou sétima vez que fez aquela pergunta e Yaco sempre lhe dava a mesma resposta.

— Nossa primeira parada será em Tahagul, lá os estrangeiros são aceitos com certa facilidade, ficaremos por lá até encontrarmos a nossa Misocândria.

Quando Yaco se referia a Misocândria, não era a do paraíso dos deuses em que tanto falavam, mas sim, do próprio lar que iria construir para sua família viver, longe de todo resquício do passado miserável que tiveram, apenas desfrutando dos prazeres que a vida poderia proporcionar.

— Preciso que vocês dois voltem a Vallos e tragam até nós todas as nossas economias, eu irei atrás de Airam e da família de Filippo, conversarei com eles sobre a viagem — Yaco informou.

— Não é perigoso voltarmos lá com aqueles vampiros rondando a cidade inteira? — Filippo indagou.

— Não acho que estão muito próximos do esconderijo, portanto, cuidem um do outro, tenho certeza que voltarão em segurança — Yaco os confortou, não tomaria qualquer decisão arriscada se não tivesse plena confiança.

(...)

Ilana e Filippo seguiram um caminho bem mais extenso em direção ao esconderijo, era relativamente mais seguro, pois assim evitariam os vampiros durante o trajeto, apenas quem conhecia Vallos como a palma da mão saberia para onde estavam indo.

Os dois estavam o trajeto inteiro calados, em parte por causa de Ilana, que deixava os pensamentos negativos lhe invadirem. Estava imaginando as piores maneiras de castigo caso lhe pegassem, seria tudo em vão.

— Se eu disser que a gente não deveria ter vindo — Ilana se pronunciou após tanto tempo calada.

— Ainda dá tempo de voltar, estamos na metade do caminho. — Filippo não gostava de contrariar Ilana, confiava na sua amada.

— Não sei… Nossa família está contando com gente, logo mais esse dinheiro irá acabar e passaremos fome.

— Yaco irá entender, se quiser não quiser ir não vá.

Ilana parou o cavalo em frente ao palácio de Montuália e desceu do animal, imaginando que o imperador estava bem ali, descansando em seus aposentos, cercado de empregados e luxos até não poder mais, enquanto o seu povo passava frio e fome.

— Não deveríamos deixar ninguém para trás — Ilana balbuciou, lembrando de cada pessoa que fez parte de sua vida.

— Vai ficar tudo bem — Filippo desceu também do cavalo e envolveu Ilana em um abraço reconfortante. — Está cada vez mais perto para deixarmos Montuália, não irá precisar se preocupar com mais nada.

O silêncio se prolongou, até a garota rompê-lo.

— Não te aflige olhar para todos eles? Estão desesperançosos, com medo de não encontrarem um lar, de adoecer ou morrer de fome… Mais uma vez.

O rapaz admirava a empatia que sua amada tinha para com os outros, mas sabia que aquilo a destruiria mais e mais.

— Nada disso é culpa sua, será que não entende? Tira essa ideia da sua cabeça. Você não pode pegar todos os problemas do mundo e carregá-los em suas costas. 

— Temos um altaneiro abrigado bem ali, ele poderia entrar em contato com a deusa e nos tirar dessa situação. — Ilana apontou para o palácio, esperançosa. — Como vou embora daqui sabendo que deixei pessoas morrerem sem abrigo?

— Não dá pra salvar todo mundo — Filippo disse num tom de voz áspero e retornou ao cavalo, se prontificando a guiá-lo dessa vez. Pela primeira vez na vida, o rapaz foi contra sua amada.

Ilana se sentiu contrariada, mas engoliu sua presunção e subiu no cavalo. Ela sabia que Filippo tinha razão, mas não queria dar o braço a torcer, ainda acreditava que poderia fazer algo pelo povo.

A dupla avançou pelo trajeto da mesma maneira em que iniciaram, calados e imersos nas suas imaginações. Logo mais, chegam ao esconderijo. Filippo utilizou de sua força para afastar a pedra acima da pequena portinha que dava para o esconderijo debaixo da terra.

Haviam ainda três sacos contendo dinheiro e algumas joias, Filippo se agarrou a duas delas e entregou a terceira para Ilana.

— Pronto! Agora só basta encontrar nossas famílias e vamos sair daqui.

Filippo soltou a porta de madeira que fecha com um estrondo, graças aos deuses não iriam precisar guardar mais nada naquele local.

Ilana olhou para trás, observando o barco ainda em construção, e um misto de nostalgia e alívio invadiu o seu ser.

— Acho que no fundo eu tinha razão de que a melhor escolha seria comprar um barco e não construí-lo — Ilana relembrou uma das últimas conversas com Filippo.

— Você tem razão… às vezes. — Filippo deu um sorriso de canto de lábio. — Vamos voltar, meu amor.

O rapaz subiu no cavalo e Ilana foi logo em seguida, retornando pelo mesmo caminho o qual foram.

Repentinamente, o céu escureceu, um presságio de tempestade. Um trovão ecoou no horizonte, fazendo Ilana franzir a testa enquanto um calafrio percorreu seu corpo.

— O que está acontecendo com o tempo? — Filippo perguntou, observando as nuvens densas se aproximarem.

— Deve ser apenas uma chuva — a garota tentou se convencer.

Eles continuaram no trajeto, mas os trovões se aproximaram e o céu se tornou um breu. Filippo comandou o cavalo a correr, precisavam chegar antes da tempestade. De repente, um braço emergiu da terra, agarrando as patas do cavalo, que caiu abruptamente, derrubando Ilana e Filippo.

Ilana, desnorteada, não sabia se ajudava Filippo, pegava a sacola com o dinheiro ou verificava o cavalo. Antes que pudesse decidir, ficou presa ao chão pelo mesmo braço que derrubou o animal.

Ela se contorceu, tentando se livrar da criatura, mas era inútil. Filippo tentou socorrê-la, mas também foi agarrado. Ele transfigurou a sua mão em uma garra lupina, rasgando a pele negra do braço, que desapareceu como fumaça, libertando-os.

Filippo agarrou um dos sacos de dinheiro, determinado a não deixar para trás o motivo de estarem ali. Os dois correram pelo campo vazio, sem onde se esconder das mãos que brotavam do solo como ervas-daninhas.

Um corpo se ergueu diante deles, sem forma definida, tornando-se uma figura masculina de pele escura como o ébano e face lisa. Sem opção de lutar, continuaram a fugir, mas a criatura era rápida e logo os alcançou.

O ser agarrou os cabelos de Ilana, lançando-a para trás. Com passos enigmáticos, ele se aproximou rapidamente.

Um raio caiu do céu, desintegrando a figura. Ilana, incrédula, levantou-se e correu para ajudar Filippo, que lutava contra outras dezenas de criaturas semelhantes.

— Mas que porra é essa?! — Ilana perguntou, assustada. Seu peito apertou, e o medo tomou conta. Não sabia como acabar com aqueles seres malignos.

— Não faço ideia, nunca havia visto isso na minha vida. — Filippo se aproximou de Ilana, ambos de costas um para o outro. — Toda vez que eu mato um, outros dois aparecem.

Mais um raio desceu dos céus, formando um arco-voltaico, destruindo as criaturas em milésimos de segundos. O odor de enxofre invadiu as narinas dos dois jovens, apavorados e incrédulos por não terem sido eletrocutados junto com as criaturas.

— Estão tentando nos matar ou nos salvar? — Filippo tocou seu tórax e abdome, certificando-se de que ainda estava vivo.

— CORRA! — Ilana gritou ao ver as criaturas retornando.

Filippo obedeceu, segurando a mão de Ilana. Eles correram, desviando dos raios direcionados às criaturas. Seus pés clamavam por descanso, mas ao avistarem um conjunto de árvores, tentaram suportar mais um pouco.

Finalmente, ao se aproximarem da floresta, esconderam-se entre as árvores, tentando aproveitar a pequena pausa para respirar. Seus pulmões ardiam como fogo, mas não podiam perder tempo, pois as criaturas estavam em seu encalço.

Um vulto surgiu entre os galhos secos. Um vampiro sedento por sangue encarou Ilana e Filippo, pronto para atacar.

Sem pensar duas vezes, Filippo jogou o saco para Ilana e se transmutou em um ser feroz, colocando seu corpo vigoroso na frente da garota.

— Não é uma boa hora pra lutar agora, Filippo — Ilana disse, mas o rapaz não a escutou, partindo para cima do vampiro.

Com o coração quase na garganta, Ilana observou o cenário ao redor, temendo que aquele não fosse o único vampiro presente. E não estava errada. Mais deles surgiram entre as árvores. Ela torceu internamente para que os raios aparecesse novamente para deter os sanguessugas.

Ainda diante da ameaça, Ilana notou que os olhos dos vampiros estavam enegrecidos, como se possuídos por uma força maior.

Dando alguns passos para trás, ela tentou pensar em uma rota de fuga. Sabia quando era o momento certo para lutar, e não era aquele. Mas correr também poderia custar sua vida. Eles deveriam estar atrás de alguém, ou algo.

Ao abrir sutilmente o saco, Ilana viu o orbe dourado. Será que estavam atrás daquele objeto misterioso?

Arriscando perder o saco com dinheiro, Ilana o jogou no chão e disparou na direção oposta, torcendo para estar certa. Esperançosa, olhou para trás e viu que não estava sendo seguida. Sua intuição estava certa, mas agora precisava encontrar Filippo e partir para a alcateia.

Entretanto, Filippo lutava ferozmente contra o vampiro, que o atacava de diversos ângulos, procurando um ponto vital. Um trovão ecoa dos céus, seguido por um raio que atinge o chão. Ilana se afasta, com medo de ser atingida, perdendo Filippo e o vampiro de vista.

Desesperada na escuridão, ela correu freneticamente, tentando encontrar seu amado, torcendo para que ele estivesse bem. Algo a puxou para trás, e seu grito foi silenciado por uma mão que cobriu seus lábios.

— Estão sendo despistados, veja — Filippo sussurrou no ouvido de Ilana, que sentiu um alívio instantâneo.

Os vampiros e as criaturas demoníacas marchavam em direção a um lago congelado, hipnotizados, afogando-se quando o gelo cedeu devido ao peso.

— O que é isso na sua mão? — Ilana agarrou abruptamente o braço de Filippo, que revelou estar guardando a esfera dourada. — Não, não, não… Eles estão atrás disso! Vão vir atrás de nós novamente.

— Foi a única coisa que consegui recuperar pra gente vender.

— Vamos morrer se continuar com isso, — Ilana agarrou o objeto, erguendo-o para arremessá-lo longe.

“Não”

Uma voz invadiu os pensamentos de Ilana, causando-lhe uma dor de cabeça aguda.

“Proteja-o”

Desacreditada, Ilana olhou ao redor à procura da voz misteriosa.

— O que houve?

— Não sei. — Ilana olhou para o orbe, encantada pelo objeto. — Vamos pra casa — sua voz se suavizou e ela se agarrou mais à esfera.

Sem questionar, Filippo seguiu Ilana, que andava esbaforida e sem rumo.

— Se acalme, assim vamos nos perder. — O rapaz correu ao alcance de Ilana, achando o comportamento da jovem estranho. — Você não está bem, vamos parar por aqui.

— Nem pensar! Estamos tão perto! — Um sorriso psicodélico se formou no rosto de Ilana. Filippo deu alguns passos para trás, temendo o que via à sua frente.

— Larga isso! — Filippo tentou agarrar o objeto das mãos de Ilana, que se desvencilhou rapidamente.

— Não posso! — Ela olhou mais uma vez para o objeto, em seguida para Filippo. Sua consciência retornou por um instante. O orbe escorregou de sua mão, caindo no chão. — Não podemos continuar mais aqui.

Ilana deu meia volta, caminhando para longe do orbe, seus passos pesados e incertos. De repente, um grito familiar a arrancou de seu devaneio. Ela se virou, o coração apertado, e foi presenteada com a visão aterradora de Filippo, uma lança cravada em seu tórax. O corpo do rapaz caiu lentamente, como se o tempo tivesse decidido prolongar aquele momento de agonia.

Desacreditada, Ilana se aproximou do corpo de seu amado, cada passo um tormento. Ela torceu desesperadamente para que fosse uma breve ilusão, um truque cruel do orbe. Mas não era. Filippo está realmente morto. Sua respiração havia cessado, e seu olhar, antes cheio de vida, agora era frio e vazio, ausente de qualquer sinal de esperança.

Ilana caiu de joelhos ao lado dele, o mundo ao seu redor desmoronando. Ela não sabia se chorava, se gritava ou se ainda buscava alguma forma de salvar Filippo. O desespero a consumia, uma dor profunda que rasgava sua alma. Mas o perigo ali presente não pretendia esperar. Em meio à confusão e ao mix de vozes que rondavam sua cabeça, Ilana foi forçada a agir impulsivamente, movida apenas pelo instinto de sobrevivência.

Ilana agarrou o orbe sujo de sangue em suas mãos e correu o mais rápido que pôde, o coração batendo descompassado como um tambor de guerra. Seus pés humanos não aguentariam por muito tempo; já estava exausta, e o acontecimento anterior a havia abalado profundamente.

“Proteja-o com a sua vida”

A voz soou novamente em sua cabeça, mais insistente, mais desesperada. Ilana coloca o orbe entre os dentes e, em meio ao desespero, se transformou em um lobisomem, sentindo seus ossos se estilhaçar e se rearranjar em uma explosão de dor. Agora, com a força e a velocidade de uma fera, ela correu como nunca antes, os raios iluminando o céu em um espetáculo aterrorizante, como se os próprios deuses estivessem em guerra.

Ela correu ainda mais veloz, sentindo o orbe bater contra seus dentes, talvez trincando alguns pelo impacto de suas patas no solo. Mas ela não iria parar ali; a voz pedia para ela não parar e, mesmo que lutasse contra a vontade de proteger o orbe, Ilana não conseguia. Era mais forte que ela, uma força primordial que a impulsionava para frente.

Por um breve descuido, um raio atingiu uma das árvores à sua frente. O estrondo foi ensurdecedor, e a árvore, incapaz de suportar o impacto, desabou em uma cascata de madeira e folhas. Ilana tentou desviar, mas era tarde demais. A árvore caiu sobre ela com um som abafado, esmagando cada centímetro de seu corpo. A dor foi excruciante, um grito silencioso que ecoou na vastidão de sua mente.

Não resistindo à colisão, a garota sentiu a vida se esvair de seu corpo, cada batida do coração se tornando mais fraca, mais distante. Seus olhos, antes cheios de determinação, agora se apagavam, ausentes de qualquer sinal de vida. Com um último suspiro, Ilana concedeu sua ida para o reino dos mortos, entregando assim sua alma, enquanto o orbe, ainda preso entre seus dentes, brilhava com uma luz sinistra, como se zombasse de seu sacrifício.

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Revisão por: Arabella McGrath Projeto Wonderful Designs