Indifell
Em um império próspero, onde seu deus era o governante, a vida ali era pacífica, longe de qualquer perigo e todos os males, já que era protegida pelo deus da justiça.
Suas criações o serviam com grande devoção e respeito, e o império tendia a crescer mais e mais, podendo até ser o mais imbatível contra qualquer outro.
Porém, infelizmente, deram sentimentos aos deuses, e a ganância tomou conta do deus Indifell, que não se contentava apenas suas criações lhe servir, ele queria mais, queria ir além, queria que o mundo se curvasse aos seus pés.
Indifell traçou planos, arrumou aliados, se fortaleceu, mas quanto mais poder obteve, mais cego ele ficou, tanto, a ponto de escravizar os demônios, sua própria criação.
Os indifilenos eram levados às guerras constantemente, lutando arduamente pela conquista de novas terras.
A ganância de Indifell chegou tão longe que até mesmo garotos e garotas, assim que atingiam a puberdade eram mandados para guerra, afinal, a conquista era mais importante que preservar seu próprio povo.
O império de Indifell, que antes próspero, começou a descair, muitos soldados morreram em meio a essas guerras e, os demônios estavam prestes a serem extintos por capricho de um deus.
Antes que dessem fim a uma raça, dois dos melhores guerreiros de Indifell tomaram a frente, sendo eles Genovah e Denoque. Os dois decidiram agir contra seu próprio deus em busca da liberdade.
A guerra não foi fácil, foram anos de uma batalha árdua contra um deus, os demônios tinham medo e não concordaram com os ideais dos semideuses, mas nem por isso, Genovah e Denoque desanimaram.
Muito tempo depois da batalha, finalmente os indifilenos conseguiram derrotar o seu deus, que deixou a terra à mercê, lançando uma maldição em suas criaturas.
"Vocês necessitam de um deus para protegê-los, e governá-los, sem mim, vocês não são nada. A terra perecerá em chamas e brasa, homens e mulheres se tornarão inférteis, o gado se tornará inútil, as águas serão tão amargas quanto o desejo de vingança e vocês irão implorar em busca da morte, pois somente ela será capaz de salvá-los."
E essas foram as últimas palavras antes do deus ser exilado de suas terras.
O império de Indifell aos poucos foi se estabelecendo, se tornando uma terra farta e próspera, ao contrário da maldição que o deus lançou.
Mas como nem tudo eram flores, os semideuses estavam bem velhos e a morte logo batia à porta. Eles precisavam escolher seu sucessor ou sucessora, então, dedicaram o restante de suas vidas em busca de um governador digno, pois tinham receio de entregar o império na mão de um tirano e repetir mais uma vez a cruel história de seu passado.
Entre soldados, guerreiros e sacerdotes, enfim eles chegaram a sua escolha. O marechal de Indifell foi escolhido como o próximo imperador.
Um homem honrado, capaz de trocar sua própria vida em busca da paz para seu povo, esse era Zomungard, o mais novo escolhido para imperar sob as terras de Indifell.
Zomungard se tratava apenas de uma criança órfã, resgatado por uma família de origem humilde, que tomou a responsabilidade de cuidar do garotinho como se pertencesse à família. Zomungard cresceu se tornando grato àquelas pessoas, e prometeu honrar o nome a qual passou a pertencer.
O desejo da pequena criança em se tornar um militar não cessava por um minuto sequer, aquele talvez era seu chamado, decidido, Zomungard dedicou toda sua vida em busca de se tornar um guerreiro prestigiado, porém, não se acomodava no cargo que lhe era dado, ele sempre ia em busca de mais, e de um simples garoto órfão, Zomungard conquistou a patente mais alta do exército se tornando o marechal, e consequentemente foi reconhecido por Genovah e Denoque como a melhor escolha para ser tornar o próximo imperador.
Como cultura em Indifell, homens poderosos poderiam ter vários casamentos, desde que tivessem condições de dar uma vida digna a suas esposas. E como imperador, Zomungard teve ao todo dezessete esposas ao longo de sua vida, e como descendência, teve cerca de quarenta e nove filhos.
Cada um de seus filhos possuíam poderes únicos, com a mescla materna e paterna, se destacando cada qual com suas particularidades.
Porém, sabendo que logo precisaria de um mais novo imperador, Zomungard analisou cada um de seus filhos, decidindo qual deles seria o melhor para assumir o trono. Diferente de outros impérios, em Indifell, o atual imperador não precisava falecer para outro suceder seu trono, apenas partindo de sua vontade, a coroa poderia ser passada independente de ser da linhagem ou não.
E entre esses filhos, os que mais se destacaram foram Ravish, seu primogênito, e Sigrid, os dois nascidos e criados na cidade de Fynera.
Em Fynera, eles tinham o costume de prestigiar seus guerreiros. Esse evento normalmente acontecia próximo ao palácio de Indifell, aberto a todo público.
O evento era um dos mais aguardados do ano, pois os guerreiros faziam uma breve apresentação de seus treinamentos para o público, que se alvoroçaram diante da demonstração da força do exército de Indifell.
Atualmente Sigrid ocupava o cargo como coronel do exército de Indifell. Seus poderes consistem em dominar a mente do indivíduo, podendo controlar o corpo a seu favor, como uma espécie de possessão.
Os soldados estavam com correntes envolvendo o corpo da besta-fera, que balançava de um lado para o outro na tentativa de se soltar. Mairín, que carregava em seu nome o significado de rebelião, tinha nada mais que cinco metros de comprimento, dentes incisivos como de um felino e garras tão afiadas como as das aves. O animal era uma mescla de répteis, seu corpo é semelhante a de um lagarto, tendo a pele densa como um casco de tartaruga, capaz de se camuflar como os camaleões e, como se não bastasse, ainda possui um veneno letal,sendo considerado um dos animais mais perigosos nas terras de Indifell, mas aquilo não era nada para Sigrid.
Ao se aproximar do animal, que por milímetros de distância não agarrou Sigrid, ele o toca, e aos poucos a mente do animal foi dominada aos comando de Sigrid, a plateia vibrava ao ver os olhos da criatura se tornando um vermelho sangue, demonstrando estar no total controle do coronel.
Os soldados soltaram as correntes quando se sentiram seguros ao saber que o animal não faria mal algum enquanto Sigrid estivesse o domando.
Mairín se move conforme as palavras de Sigrid, obedecendo fielmente a cada comando de seu "mestre", que monta na criatura, dando adeus para o público.
Sigrid nada mais era conhecido como "O domador de feras".
Um pouco próximo da arena onde acontecem as apresentações, estava a família real e outros nomes importantes em companhia, o espaço era exclusivo para eles, onde eram servidos com comes e bebes a vontade e desfrutavam da sombra daquele dia ensolarado, longe da multidão e cercados por guardas.
⎯ É mesmo necessário eu estar presente nesse evento? ⎯ Mastert Lili cruza os braços na altura do peito, ficando ainda mais emburrada como de costume.
⎯ Você ao menos deveria colocar um sorriso em seu rosto e fingir estar gostando ⎯ Sulam, a imperatriz, diz entre dentes enquanto sorria, ela levanta a mão acenando graciosamente para o público que ora ou outra a observava. ⎯ Não queira parecer ingrata.
⎯ Ninguém merece perder tempo observando um monte de machos exibidos⎯ Mastert brinca com as pontas de seus longos cabelos esbranquiçados.
⎯ Mantenha a calma, o evento já vai acabar.
⎯ Argh! ⎯ a garota deixa seu corpo escorregar pela cadeira, entediada.
Mastert Lili simplesmente detestava aquele evento, mas nem sempre foi assim, antes mesmo de se tornar uma altaneira, ela também era um soldado assim como seus irmãos, mas perdeu o gosto quando foi proibida de fazer parte do exército. Aquilo a chateou profundamente, e aquele evento era apenas mais um motivo para ela se entristecer ainda mais.
⎯ Logo mais o seu humor irá mudar quando a grande atração aparecer ⎯ Mastert Lili quase tem seu coração parando em sua garganta. Não imaginaria que veria Ravish sentado ao seu lado, e sim entre os soldados na coxia.
⎯ O que você está fazendo aqui? Deveria estar lá embaixo com os outros ⎯ Mastert puxa o seu vestido ao ver que Ravish estava pisando em sua vestimenta.
⎯ Queria ter a visão de camarote das apresentações, por trás das cortinas não dá pra ver nada!
⎯ E como vai chegar lá a tempo?
⎯ Parece que não me conhece ⎯ Ravish aponta com a cabeça em direção onde havia um clone seu, que acena para ela no mesmo momento.
Mastert Lili torce o lábio, não queria admitir, mas Ravish estava ficando cada vez melhor em criar cópias de si mesmo, inclusive não sabia se quem estava ao seu lado era o original ou não.
⎯ Ninguém irá notar a minha falta ⎯ Ravish estica suas pernas as colocando na cadeira a sua frente e apoia as mãos atrás de sua cabeça.
⎯ Filho, tenha modos! ⎯ Sulam inclina seu corpo para frente para Ravish a ver melhor. ⎯ Não está vendo que está em meio a pessoas importante? É dessa maneira que pretende se tornar imperador?
Rapidamente Ravish retoma a postura, enquanto Mastert Lili tapa sua boca para conter a risada com a bronca que seu irmão levou.
As apresentações se perduram por mais um tempo, dessa vez com apenas soldados simulando uma batalha entre eles, demonstrando todos os atributos que utilizavam, desde seus poderes até o combate corporal e armas brancas, algo que era fortemente reforçado, já que não poderia depender unicamente de seus poderes, mas também de sua força física.
⎯ Por que decidiu se apresentar por último dessa vez? Coronéis, tenentes e capitães são sempre os primeiros. ⎯ a mais nova questiona.
⎯ Mudanças são sempre bem-vindas!
Ravish abre um sorriso, tentando transparecer confiança, entretanto, ele ainda estava se sentindo exausto após sua missão de ir atrás da orbe e ter voltado com as mãos vazias para casa, nesse momento ele precisava do máximo de energia para fazer uma demonstração decente.
⎯ Se me der licença, preciso me preparar, serei o próximo ⎯ o rapaz levanta-se, ajeitando a farda para estar bem apresentável.
Já na arena, Ravish caminhava para o centro, ele observava o público que o encarava em expectativa. No ano anterior, o rapaz havia se frustrado, a reação das pessoas se limitaram a " qualquer um pode fazer isso", "isso não tem nada de impressionante", e saber o que passava exatamente pela cabeça das pessoas o apavorava.
Ravish levanta a cabeça, fecha os olhos e se concentra unicamente em fazer cópias de si mesmo, todas derivadas das trevas. Esses clones possuíam apenas uma forma sem gênero, semelhante a uma sombra, mas ao tocá-las, era capaz de sentir a densidade, o que também era algo controlado por Ravish.
De uma, acaba multiplicando em duas, depois em dezenas, até ele chegar ao limite máximo de setenta cópias umbracinéticas, a parte mais fácil havia passado, o complicado seria controlar cada uma delas para executar tarefas diferentes.
Mas Ravish havia treinado o suficiente para aquilo, cada uma delas, sem exceção, obedeceu aos seus comandos, e elas lutavam entre si, com movimentos perfeitamente sincronizados e golpes precisos. Ravish sentia por entre seus poros a vibração do público, que apenas se decepcionaram por ter acabado.
E assim se encerrava mais uma das edições do evento.
Ravish voltava cansado, porém orgulhoso de si mesmo por ter se dedicado e ter tido o resultado esperado.
⎯ Acredito que não irá precisar de soldados ao seu lado na próxima batalha, já tem o próprio exército ⎯ o tenente-coronel diz orgulhoso.
⎯ Qual deveria ser seu codinome? O exército de um homem só? ⎯ um dos soldados pertencentes ao esquadrão de Ravish, elogia seu superior.
⎯ Não exalte o Ravish dessa maneira, caso contrário o ego dele vai lá em cima e para baixar depois será um problema ⎯ Sigrid surge entre os rapazes acompanhado de dois chacais.
Um deles era um chacal-de-dorso-preto e o outro dourado, eram fiéis escudeiros de Sigrid, e o acompanhava para onde ele fosse, Ravish não entendia essa tamanha fidelidade desses animais com o seu irmão.
⎯ Não pode ficar feliz pelo seu irmão só um pouquinho? ⎯ Ravish questiona.
⎯ É claro que sim! ⎯ Sigrid abre os braço dando um forte abraço no rapaz. ⎯ Você nos surpreendeu!
⎯ Sabe o que incrementaria toda essa festança? Se embebedar até esquecer o próprio nome ⎯ os soldados ali presentes gritam em concordância as palavras de Ravish. ⎯ E tudo por conta de Sigrid.
Os soldados vibram ainda mais, contentes em finalmente poder fazer algo de seu agrado, saindo um pouco da rotina cheia de regras que tinham.
⎯ Às vezes você extrapola ⎯ Sigrid maneia a cabeça, descontente. ⎯ Esquece que aqui eu deixo de ser seu irmão mais novo para ser seu comandante.
⎯ Pense pelo lado bom, amanhã os rapazes voltam mais relaxados e com foco total ao trabalho ⎯ Ravish olha em expectativa, aguardando uma resposta positiva.
⎯ Tudo bem. ⎯ Sigrid cede e os guerreiros comemoram com alegria. ⎯ Mas você vai se virar pra dar conta da bagunça depois ⎯ Sigrid sussurra no ouvido do rapaz, que faz pouco caso da situação.
Os guerreiros se dirigiram até uma taverna muito bem frequentada naquela região, lugar onde também servia de um prostíbulo, cheio de belas mulheres para agradar todos os gostos e realizar as maiores fantasias.
Não era novidade os soldados estarem presentes no local, já eram clientes fiéis e alguns até conhecidos, exceto pelo comandante e o capitão, que evitavam frequentar locais como aqueles a fim de se proteger de escândalos, porém abriram uma exceção naquele dia.
A taverna era muito bem preservada, as paredes de tijolos dividiam espaço entre o belo jardim e um riacho, que recebia uma brisa fresca. O local era iluminado por lamparinas, dando uma sensação de aconchego, mesas e cadeiras de madeira preenchiam o ambiente juntamente a decoração rústica. E num local como aquele, não poderia faltar boa música e bebidas de qualidade.
Ravish escolheu uma mesa separada dos demais a pedido de Sigrid, não sabia que seu irmão queria se afastar de todos, sendo que aquela noite era exclusiva para reunir seu esquadrão.
⎯ Está preocupado com algo? ⎯ Ravish questiona assim que se senta na cadeira estofada.
⎯ Estou, com o imperador.
⎯ É sobre a orbe que não conseguimos trazer? Isso foi há uma semana atrás, o imperador mal tocou no assunto quando retornamos.
⎯ Mais cedo ou mais tarde vamos ser cobrados.
Ravish achava exagero, Sigrid estava se preocupando demais.
⎯ Não deve ser algo importante, se fosse ele teria nos falado.
⎯ Acha que é coincidência ele ter escolhido justamente um capitão e um coronel? Sendo eles membros da família real, seus próprios filhos?!
⎯ Ele deve estar escondendo algo ⎯ Ravish finalmente toma conta.
⎯ Sim… Por isso disse que era algo confidencial.
A conversa entre os dois é interrompida quando uma garçonete entrega duas canecas de cerveja para os rapazes.
⎯ Com licença. A primeira rodada é por conta da casa ⎯ a moça dá um singelo sorriso, principalmente focando seu olhar em Sigrid.
⎯ Como eu adoro esse tipo de mordomia ⎯ Ravish dá um longo gole na cerveja, se deliciando com a bebida. Sigrid arregala os olhos tremendo que o líquido estivesse envenenado, era estranho oferecerem bebida sem nem mais nem menos. ⎯ Não tem veneno algum, foi o próprio dono da taverna que ofereceu, não é mesmo?
Ravish confirma com a garçonete, que arregala os olhos tentando entender como ele sabia daquilo, educadamente ela se afasta dos dois.
Ainda desconfiado, Sigrid cheira a caneca algumas vezes para se certificar de que estava tudo bem.
⎯ Voltando ao assunto. ⎯ Sigrid dá uma relaxada após sentir a bebida gelada passar por sua garganta. ⎯ Se o imperador designou essa tarefa para nós dois, é sobre algo muito grande que estamos tratando.
Ravish coça o queixo, e algumas perguntas vêm à tona.
⎯ Ele deveria ter sido claro, assim levaríamos a missão mais à sério.
Sigrid sorri sem humor, não estava acreditando nas palavras que Ravish acabara de dizer.
⎯Então quer dizer que você estava apenas brincando?
⎯ Não! Mas acha mesmo que deixaria ser atingido por aqueles malditos raios?
⎯ Isso não vem ao caso.
⎯ E se você tivesse possuído aquela garota desde o ínicio, estaríamos meio caminho andado ⎯ o demônio aponta para seu irmão, em busca de retirar a responsabilidade de suas costas.
⎯Já te expliquei, eu não consegui! Parecia ter algo… ou alguém me impedindo de invadir sua mente. Da mesma forma em que tiraram os vampiros de meu controle os jogando no lago.
⎯ Acha que foi a orbe? ⎯ os olhos azuis de Ravish encontram aos olhos vermelhos de Sigrid, temendo sua resposta.
⎯ Precisamos tirar essa história a limpo com Zomungard.
Tahagul, cidade de Tamar
A vida após a morte era algo incerto, se realmente existia um paraíso, se a reencarnação era uma possibilidade ou se a alma se tornava inexistente, não havia ninguém para provar, e Ilana também não seria capaz de saber.
Na noite da última esperança, a qual se tornou um pesadelo, Ilana jurava que após aquela árvore cair sobre ela, moendo cada osso de seu corpo, lhe trazendo uma dor lancinante, sua vida havia chegado ao fim, achava que estava entregando sua alma de uma vez para sua criadora, entretanto, a morte sussurrou contra seu rosto lhe dizendo "Agora não é a sua vez".
Talvez fosse delírio, não sabia, pois ao longo da semana, mesmo estando desacordada, ouvia alguns burburinhos distantes. E após finalmente ter aberto os olhos, só era capaz de ver um breu e o silêncio se tornava torturante.
Mas ela ainda tentava se situar do lugar onde estava, tocou um de seus braços que estava por inteiro, em seguida o outro, depois o seu rosto e ao tentar tocar seus pés, sentiu uma dor aguda, como uma ferroada por todo o seu corpo, e ali teve certeza que estava viva, mortos não poderiam sentir dor, ou poderiam?
Ilana percebe um pequeno facho de luz que se expande aos poucos, e junto dela, um ranger toma conta do ambiente acompanhado de algumas passadas. Ela volta para a posição que estava, fechando os olhos, mesmo curiosa em saber quem era o dono dos passos.
Aparentemente, quem estava ali não pretendia ir embora tão cedo, pois o ambiente se iluminava cada vez mais, e alguns sons metálicos preenchiam o lugar.
A curiosidade de Ilana venceu a sua tentativa de fingir estar desacordada, de canto de olho, ela tenta descobrir quem fazia aquela barulheira toda.
Um rapaz andava de um lado para o outro, era alto e magro, porém seus braços nus demonstrava um pouco de definição, seus cabelos negros estavam meio bagunçados, e a pele alva faziam as tatuagens em seu corpo ficarem ainda mais destacadas.
Ele remexia em algumas panelas, despejando um líquido duvidoso em uma tigela, estava focado no que estava fazendo, o que na verdade, era o que Ilana pensava.
⎯ Achei que você não iria despertar mais.
Ilana se assustou, mas precisou fingir que não, voltou rapidamente a fechar os olhos e se fingir de morta.
⎯ Não adianta fingir que não escutou ⎯ insiste o rapaz. ⎯ Eu percebi que estava me olhando.
Se sentindo contrariada, Ilana abre seus olhos mais uma vez, encarando diretamente o par de olhos esmeraldas, que lhe causam um desconforto.
⎯ Sinto muito! Deve estar confusa… ⎯ o rapaz continua a conversar, mesmo sem respostas. ⎯ Meu nome é Andras, muito prazer!
Apesar de ter uma feição séria, um olhar assustador e uma voz grave e imponente, o sorriso de Andras se tornava acalentador, talvez só parecesse uma pessoa ruim, mas não era. Ilana não se deixaria ser enganada.
⎯ Fique a vontade se quiser perguntar sobre qualquer coisa. ⎯ Andras se aproxima da cama onde Ilana se encontrava, e estica a tigela na direção da garota, que tenta se recuar, mas suas pernas a impediram. ⎯ Isso vai te fazer bem, é pra diminuir a dor da suas pernas, você acabou perdendo o movimento delas quando aquela árvore caiu sobre você.
Ilana solta um grunhido, estava desesperada, como iria embora dali sem poder andar?
⎯Calma, é temporário! ⎯ Andras balança uma de suas mãos, tentando acalmar a garota. ⎯ Téça fará o possível para você voltar a andar em breve. Só tomar um pouco desse remédio enquanto ela não chega.
Ilana olha para a tigela em seguida para Andras, será que aquele líquido roxo e pegajoso era o que estava a mantendo desacordada, não poderia confiar, mesmo com dor, ela recusa.
⎯ Você consegue falar? Ou será que a pancada foi tão forte que levou esse sentido… ⎯ Andras tenta tocar no rosto de Ilana e é recebido com um tapa. Logo, ele para de insistir na conversa.
⎯ Em que lugar estou? ⎯ Finalmente Ilana decide falar, mas o que ela queria mesmo eram respostas.
⎯ Está em Tamar. ⎯ Ilana franze o cenho, tentando buscar nas suas memórias que lugar era aquele. ⎯ Fica em Tahagul, é o lugar onde tem a maior concentração de feiticeiros. Bem, talvez você não saiba já que veio de Montuália, e tendo em vista a cidade que estava, o conhecimento é escasso naquele lugar, então não te julgo por não saber, não que eu estivesse te julgando antes…
⎯ Você não cansa de falar? ⎯ Ilana interrompe a fala do rapaz que sorri sem graça.
⎯ Desculpe, é difícil me controlar, são muitos pensamento que passam pela minha cabeça em segundos.
A garota lobo continua encarando Andras, ele não parecia ameaçador, mas não havia conquistado sua confiança, eventualmente não confiaria, feiticeiros nunca eram confiáveis.
Andras estica mais uma vez a tigela para Ilana, na tentativa de convencê-la a tomar.
⎯O que tem nisso?
⎯ É um mix de ervas, entre elas, erva- baleeira, mulungu e sálvia. Ela ficou dessa cor por conta das dálias negras, é para amenizar o gosto amargo.
Ilana não se sente segura para tomar aquele líquido, seja qual milagre fizesse, e recusa novamente.
Andras percebe que não seria fácil ganhar algum tipo de intimidade com Ilana, já que a garota demonstrava resistência para se abrir, entretanto não iria forçar nada, poderia ser apenas questão de tempo para poder se aproximar, ou talvez Téça conseguiria com mais facilidade por ser mulher. O que lhe restava era ficar em seu mundinho, voltando a tarefa que fazia antes dela acordar.
Ilana vira para o lado oposto, mordendo seus lábios para não gemer de dor, não queria dar o braço a torcer e implorar para que Andras lhe entregasse o remédio, mas queria poder arrancar suas pernas a fim de se livrar da dor.
Seus olhos derramam um pouco de lágrimas, e ela enxuga rapidamente, não queria demonstrar fraqueza. Ilana toca em seu peito sentindo um objeto incomodá-la, ao pegá-lo na mão, ela nota que a aliança que Filippo havia lhe dado estava presa a uma corrente em seu pescoço, como aquilo havia parado ali? Era um mistério, já que no momento que ela se transformou em um lobisomem a aliança havia ficado para trás junto às suas roupas.
Filippo, que fim havia levado? Teria mesmo falecido?
As memórias daquele dia fatídico voltam à tona, quem foi o responsável por ter matado seu amado de maneira tão cruel?
Ilana volta a encarar Andras, teria sido ele? O rapaz teria causado toda aquela confusão, disparado aqueles raios e colocado criaturas demoníacas e vampiros atrás deles? E agora estava pagando de bom moço em troca de que?
A garota sente seu peito apertar, e o gosto de bile sobe sua garganta. Seu pai, seu irmão, estavam sem notícias suas, talvez pensassem que Ilana estava morta, e como eles estariam? Será que partiram para o destino ou estão juntos com os outros passando frio e fome?
A dor de suas pernas se tornou suportável comparado às dores que envolviam seu peito, ela já não conseguia respirar, e a Ilana forte e racional havia desaparecido, dando o lugar para uma Ilana desesperada e frágil.
Ela começa a gritar na tentativa de aliviar suas dores, o que deixa Andras preocupado, ele deixa tudo de lado, indo dar suporte a Ilana.
⎯ SAI DAQUI! ⎯ Ilana dá um berro, se tivesse qualquer objeto próximo a cama dela, teria atirado em Andras sem pudor.
⎯ Se acalma, ninguém aqui vai te machucar ⎯ ele tenta mais uma vez se aproximar dela, mas de nada adianta, pois ela não parava de gritar.
Angustiado e sem saber o que fazer vendo a jovem ter um ataque de histeria, Andras cria um estrondo de um trovão alto o suficiente para cessar os gritos de Ilana.
Ilana volta a respirar e o silêncio toma conta novamente.
Andras decide sair do recinto, talvez sua presença foi o motivo de ter a feito surtar, esperaria Téça chegar em casa e resolver o que faria com a garota, ele já havia feito sua parte.
Ainda sem entender nada, Ilana se abraça na tentativa de se auto confortar, nunca esteve tão sozinha em sua vida como estava naquele momento.