Os anos seguintes não foram fáceis para Lith.
Finalmente lhe foi permitido fazer muitas perguntas, preenchendo a maioria das lacunas em seu vocabulário e começando a aprender sobre sua família e o novo mundo.
Ele descobriu que estavam vivendo na aldeia de Lutia, que fazia parte do condado de Lustria, que por sua vez fazia parte do Reino do Grifo.
Seus pais conheciam os países vizinhos apenas pelo nome. Eles não sabiam como eram as coisas fora da aldeia, nem se importavam com isso.
Aos olhos deles, o rei era uma espécie de criatura mítica, enquanto depositavam toda a sua fé e preocupações no Conde Lark. Ele não apenas administrava a justiça e os impostos no condado, mas sempre participava do festival da primavera de Lutia como convidado de honra.
Seus pais nunca mencionavam nada sobre magia, guerras, ou história para os filhos. Eles só contavam histórias que, mesmo neste novo mundo, poderiam facilmente ser descartadas como histórias para dormir.
Todas as suas fábulas estavam cheias de belas princesas, valorosos heróis, e tiranos vilões.
Lith estava muito insatisfeito com tais poucas informações. Ele queria saber qual era o nome do planeta e em que estágio de desenvolvimento científico a raça humana havia chegado.
Ele queria aprender sobre a história da magia, o folclore, as lendas, tudo que pudesse dar a ele pelo menos uma pista sobre o que esperar de sua nova vida.
Infelizmente, estava claro que eles sabiam pouco mais do que fofocas. Para piorar a situação, ele não podia fazer perguntas que nem deveria estar pensando.
Pelo menos a sua árvore genealógica era bastante simples de entender. Elina e Raaz tinham casado muito cedo, mesmo para os padrões da aldeia, quando mal tinham dezesseis anos.
Sendo filho único, Raaz herdou a fazenda de seu pai onde eles estavam atualmente vivendo. Elina engravidou logo depois do casamento, dando à luz aos gêmeos Rena e Orpal.
Depois ela engravidou novamente a cada dois anos. Isso significava que Raaz e Elina tinham atualmente 25 anos. Rena e Orpal tinham 8 anos. Trion tinha 6 anos. Tista tinha 4 anos e Lith tinha 2 anos.
Na verdade, a maior parte dessa informação vieram de perguntas feitas pelos irmãos. Lith estava quase limitado a perguntas do tipo "O que é isto? Por que é assim?"
Passando cada vez mais tempo com o resto de sua família, ele também descobriu o motivo de seus pais, mesmo tendo uma fazenda tão bonita com seu próprio celeiro e galinheiro, terem tantos problemas para colocar comida na mesa.
Tista nasceu com um problema congênito que a impedia de fazer qualquer esforço físico e também a deixava propensa a ficar doente.
Um passo rápido era suficiente para deixá-la sem fôlego. Ela tossia de vez em quando, e quando as coisas estavam prestes a piorar, a tosse se tornava violenta.
Nesse ponto, um de seus pais teria que correr para a aldeia para chamar Nana e curá-la. Ela não conseguia realmente curá-la, apenas aliviar os sintomas e retornar Tista ao seu estado natural.
Embora uma consulta não fosse cara, o tratamento era. Além disso, mesmo que Raaz fosse buscá-la e levasse Nana de volta para casa, ainda assim custaria mais.
Fazer uma ida e volta significava que ela perdia negócios, então ela exigia compensação.
Foi a constante necessidade do curandeiro que sobrecarregou seu orçamento.
Lith sentia muito por ela. Apesar de não ter passado muito tempo com Tista, ela era preciosa para Elina e Rena, e isso era mais do que suficiente para torná-la preciosa para ele também.
Ele se sentia impotente, amaldiçoando sua incapacidade de praticar magia da luz e das trevas. A magia da luz requer um paciente. Até que ele tivesse um entendimento sólido de como funcionava e qual era a anatomia humana deste mundo, ele não se arriscaria a colocar a saúde de alguém em risco.
A magia das trevas era outra história. Lith só tinha visto uma vez e ninguém em sua família a usava. A única vez que ele havia visto em ação, ele havia claramente sentido o poder destrutivo que ela continha.
Ele também estava tendencioso contra ela já que, na Terra, a magia negra sempre estava associada com práticas malignas e mortos-vivos, então ele não tinha desejo de brincar com algo potencialmente horrível.
Lith só podia continuar a viver, esperando eventualmente ter algum treinamento em magia enquanto suportava a loucura à qual ele estava se acostumando a chamar de vida em família.
Ele tinha que ser animado, mas não muito. Ele tinha que ser curioso, mas não muito. Ele tinha que correr, mas nunca sair pela porta.
Seus pais nunca estavam satisfeitos. Se ele tentasse se sentar em um canto meditando, eles se preocupavam porque ele estava muito quieto ou preguiçoso. Se ele tentasse se movimentar ou ajudá-los, ele era repreendido por atrapalhar.
Eles se recusaram a ensiná-lo magia de tarefas (esse era o nome dos feitiços menores que eles usavam em sua vida diária) e proibiram ele de aprendê-los.
Lith não podia sair sem ser acompanhado por alguém, ele não podia se aproximar da lareira, nem podia fazer muitas perguntas.
Tudo era basicamente proibido até que ele "crescesse".
Mais de uma vez Lith quis gritar: "Eu posso ser biologicamente jovem, mas eu sou na verdade o mais velho aqui, droga!" mas tudo que ele podia fazer era suportar e obedecer.
Sua rixa com Orpal nunca se resolveu, e ele podia sentir claramente a hostilidade de Trion em nome de seu irmão. Claramente, Orpal era para Trion o que Rena era para Lith, seu modelo.
Diferente de Orpal, Trion não o ignorava completamente mesmo quando os pais deles não estavam presentes. Ainda assim, Lith podia ver claramente que toda vez que seu irmão o ajudava era apenas por cortesia. Não havia bondade entre eles.
Lith rapidamente começou a ignorá-lo em retorno.
'Eu já gastei metade da minha vida antiga me preocupando com membros disfuncionais da minha família. Já estive lá, já fiz isso. Obrigado, mas não, obrigado. Se você quer ser um babaca, vá em frente. Eu não dou a mínima para você'. Esses eram seus pensamentos sobre o assunto, então ele deixou as coisas se deteriorarem.
Quando ele fez três anos, ele não aguentou mais. O tédio causado pelos frios meses de inverno quando ele básicamente estava preso em casa 24/7, agravado pela fome constante estava prestes a levá-lo à loucura.
Em uma tarde tempestuosa a família estava reunida ao redor da lareira. Elina estava ensinando as filhas a costurar. Raaz estava ensinando Orpal a entalhar madeira enquanto Trion e Lith só podiam assistir. Eles ainda eram muito pequenos para manusear qualquer objeto afiado, até mesmo costura era proibida.
Lith já tinha perguntado, confundindo seu pai e lisonjeando sua mãe. "Você é pequeno demais e suas mãos ainda são muito desajeitadas." Ela respondeu.
Elina estava certa, porém. O corpo de Lith parecia ainda mais desajeitado do que o antigo antes dele começar a praticar artes marciais. Só a ideia de toda a memória muscular perdida era suficiente para fazê-lo chorar.
Então, ele esperou pacientemente até que Raaz terminou de instruir Orpal, e então Lith reuniu toda a sua coragem. Ele pediu a seu pai para ensiná-lo a ler, escrever e contar.
Raaz ficou atônito. "Você é muito jovem! Geralmente, as crianças esperam até terem seis anos de idade para ir à escola e aprender. Você não acha que é chato?" Isso era a filosofia que todo homem em sua linhagem sempre sustentava.
"Chato? O que poderia ser mais chato do que ficar aqui sem fazer nada? Como ontem e anteontem. E provavelmente amanhã também! Por favor, papai, me prova! Eu peço, por favor, por favor, por favor!"
Raaz não sabia como dizer não. Lith nunca tinha pedido nada para ele antes.
'Mesmo quando Lith ainda está com fome, se ele percebe que não há mais comida, ele nunca pede mais.' Ele pensou 'Ele é tão diferente de Orpal. Eu não sei se é o Lith que é muito bom ou se estou apenas mimando muito Orpal.'
Ele queria mesmo uma saída, mas Elina já estava olhando para ele. As mãos dela nunca pararam de costurar, nem a boca de explicar para as meninas o que estavam fazendo de errado, mas os olhos dela estavam claramente nele.
'Droga, o que posso dizer? Aprender nem sequer exige ferramentas perigosas... Isso é! As ferramentas! Eu sou tão idiota às vezes.'
Raaz olhou para os olhos pidões de Lith, seu coração apertando como se estivesse numa prensa, mas ele ainda respondeu: "Eu sinto muito, filho, nós não temos nada com que você possa escrever. Então, eu não posso te ensinar."
Lith tinha considerado as coisas cuidadosamente antes de perguntar, então ele já tinha uma solução em mãos. Ele pegou a maior bandeja que tinham e a encheu com as cinzas coletadas em um balde ao lado da lareira.
"Agora temos! Podemos escrever quanto quisermos!" Raaz ficou impressionado com a engenhosidade de Lith e Elina também. Ele estava prestes a protestar novamente quando percebeu que o olhar se transformou em uma carranca.
As mãos dela estavam se movendo rápido demais, e isso significava problemas para ele.
Havia uma tempestade lá fora então ele não podia fugir da que estava se formando dentro. Ele tinha que admitir a derrota e ceder.
"Por onde você quer começar?" Raaz só podia esperar que Lith se entediasse rápido e o deixasse voltar ao seu lazer.
"Contar!" Lith prontamente respondeu. Então Raaz sentou no chão ao lado dele e começou a desenhar linhas na cinza. Lith estava extasiado.
Os números que eles usavam tinham uma forma diferente dos algarismos arábicos, mas fora isso eles eram idênticos em uso. Até os métodos de cálculo eram os mesmos.
Então, ele guardou os novos números na parte superior para aprender a forma deles e depois começou a fazer as tabuadas. Ele podia realmente fazer matemáticas simples de cabeça, mas ele precisava gravar os novos números tanto em sua mente quanto em seu corpo.
Uma vez que terminou, Lith começou a aceitar pedidos de seu público e quando Orpal sarcasticamente perguntou "Quanto é 124 vezes 11?" ele rapidamente respondeu com "1364" deixando todos sem palavras.
Elina não se conteve, se levantou e pegou Lith em um grande abraço.
"Meu pequeno gênio! Estou tão orgulhosa de você!" Em menos de uma hora ele tinha dominado o que demoraria um ano inteiro para os outros aprenderem. Rena e Tista logo se juntaram a ela no abraço, parabenizando seu irmãozinho, enquanto o lado masculino da família ainda estava perplexo.
Em áreas rurais, as pessoas aprendiam a contar apenas para não serem enganadas quando vendiam ou compravam mercadorias. Eles só se lembravam de adição e subtração, enquanto rapidamente esqueciam coisas inúteis como multiplicação e divisão.
Ler e escrever exigiam mais tempo, mas eram igualmente simples. Lith já conhecia a maioria das palavras e como escrevê-las. Ele só precisava aprender o alfabeto e memorizá-lo para poder ler e escrever.
Mais uma vez, sua família ficou atônita e o único que não se alegrava com eles era Orpal, deixado sozinho com sua inveja e desprezo.