Às vezes a calma de Izanami conseguia ser bastante irritante, pensou Hiro enquanto tentava organizar os seus pensamentos. Tudo bem que tinha sido ele a criar todo aquele problema, mas estavam prestes a entrar na boca do lobo e ela estava calma, serena, como se estivesse apenas a voltar a casa. Susanoo e Kado pareciam pensar o mesmo, mas naquela altura estavam mais preocupados em refazer um plano que pudesse ter alguma hipótese de sobrevivência para todos.
Susanoo estava arrependido, mas não era esse arrependimento que ia fazer os dois Shinigamis confiarem nele de novo, por isso á primeira oportunidade Kado agarrou em Hiro por um braço e levou-o para perto do portal, para ninguém os ouvir:
- Meu caro, então ideias? – perguntou descontraído a Hiro que mais uma vez ficou de queixo caído a olhar para ele.
-Ideias? Quais ideias?! – perguntou Hiro frustrado. A calma dele era irritante.
- Pois, bem me pareceu que também estavas como eu. – disse Kado sentando-se numa rocha perto do portal. – Confiar ali no senhor das águas está fora de questão! Chamem-me lá o que quiserem, mas quando tenho a ideia de trair uma pessoa vou até ao fim, não sou cobarde como ele! – naquele momento Hiro deixou de o querer ouvir, estava já a afastar-se quando ele o agarrou por um braço.
- Calma, estou a tentar aliviar a tensão! Sabes que eu não sou de trair alguém assim do nada! – disse ele para Hiro acalmando-o.
- Essas tuas brincadeiras têm de começar a ter um limite, não achas? Senão um dia ninguém sabe quando estás a falar a sério ou estás num momento sarcástico!
- Concordo, vai ser uma prioridade para mim assim que sairmos lá de cima inteiros. Agora vamos lá ver, temos alguma hipótese em sairmos lá de cima vivos? Ou até mesmo com as asas inteiras? – perguntou em tom de brincadeira, mas Hiro conseguiu ver a preocupação no seu olhar.
- Não sei. – disse ele suspirando olhando para o portal pensativo. - Isto vai tudo depender do reencontro deles, porque a Izanami até pode estar muito calma aqui, mas já tivemos oportunidade de ver ela a perder a calma em menos de segundos, por isso depende tudo dela. Alguma vez o viste?
- Vi uma vez. – disse Kado olhando também para o portal. – Já foi á imenso tempo, foi logo nos meus primeiros meses de Shinigami, fomos todos chamados após a morte dela para recebermos ordens: aparentemente ele tinha proibido qualquer tipo de ajuda que ela pedisse, por isso fiquei tão espantado quando a vi lá na gruta. Houve ali uma clara brecha na segurança.
- E como ele é? – perguntou curioso Hiro tentando "ver" se havia alguma maneira na personalidade dele que os salvasse.
- Bem, queres saber o quê? Como é psicologicamente? – questionou Kado. Hiro acenou que sim. Kado ergueu as sobrancelhas – Ele não é mau, sabes? Na altura quando fomos ao mundo superior ele estava demasiado magoado, revoltado, porque foi muita coisa ao mesmo tempo, ele foi atrás dela para o submundo, porque a queria de volta e quando lá chegou o mundo dele desabou, acabou por descarregar no deus recém-nascido que não tinha culpa nenhuma. Acho que ele descarregou nas pessoas erradas.
- Então ele deveria ter descarregado em quem? – perguntou Izanami que se tinha aproximado deles sem eles se aperceberem. – Ele vingou-se num bebé que tinha acabado de nascer… eu não cheguei a ver o meu filho sequer, só soube da sua morte dias depois de ele o ter assassinado, pois Susanoo veio aqui e contou-me…ele podia ter descarregado em quem ele quisesse, menos no filho! – disse Izanami com uma tristeza pura no olhar.
- Mas esta vossa guerra não pode continuar, pois vai prejudicar demasiadas almas, até o mundo dos humanos vai sair prejudicado. – disse Hiro olhando para ela muito sério.
- Todas as guerras têm um começo e um final. – disse Izanami avançando para o portal seguida das suas servas que ainda estavam relutantes em irem consigo.
Quando chegaram á floresta moribunda estavam dois guardas com armaduras douradas armados com lanças bastante pontiagudas á espera deles:
- Viemos escoltar-vos. – Comunicou um deles fazendo uma vénia. Izanami sorriu para Susanoo e apoiou-se num braço dele tranquilamente. Hiro e Kado olharam um para o outro, tinham chegado a um ponto sem retorno, e já não havia nada a fazer.