Izanagi olhou para Izanami, estava a tentar decifrar o olhar dela, não sabia o que esperar dela naquele momento. Ela estava a fazer o mesmo. Os dois Shinigamis estavam agora em estado de alerta, se ia haver algum assassinato ali então teria de ser naquela sala, restava saber quem o iria fazer. Kado olhava para todos os presentes tentando ver se alguém tinha um ar suspeito, mas sem ser Izanagi todos estavam calmos.
Hiro fixou o seu olhar nos dois Deuses, quase saltavam faíscas, e aparentemente o tempo tinha parado para eles: não falavam um com o outro, limitavam-se a encararem-se como se estivessem a medir o inimigo antes da luta se iniciar. Hiro sabia que era uma questão de minutos até a luta começar.
- Reparei que o meu trono já não se encontra aqui. – comentou finalmente Izanami olhando para Izanagi. O olhar dele desviou-se do dela por momentos olhando para o lugar onde antes costumava estar o trono dela. Ele não tinha um ar ameaçador como Hiro pensava, era alto, magro, de cabelos compridos pretos lisos que lhe tocavam nas costas e tinha uma barba preta serrada sob a sua levemente morena, os seus olhos eram azuis como os de Susanoo. Ele estava cansado, Hiro conseguia ver no olhar dele, o sofrimento ainda ali estava, o arrependimento, o olhar dele mostrava tudo isso. Como é que Izanami aguentava aquele olhar dele sem sentir dor no seu peito? Não era nada com ele e ele sentia-se extremamente angustiado.
- Não, não fazia sentido estar aqui se a minha rainha não estava. – disse ele sem olhar de volta para Izanami e sentando-se no seu trono. Os seus servos apressaram-se a levar almofadas onde ele pudesse repousar os pés enquanto outros lhe levavam chá. Izanami não se moveu um milímetro, se fosse outra pessoa que ali estivesse teria pelo menos manifestado algum tipo de emoção, mas ela não.
- Sabes porque estou aqui? – perguntou ela olhando para ele á espera que ele lhe retribuísse o olhar, mas Izanagi estava demasiado ocupado a ser servido por um dos servos. Limitou-se a fazer-lhe sinal com a mão para que ela continuasse a falar. – O assunto do submundo… preciso que levantes o castigo durante algumas horas, um dia no máximo, as almas precisam de encontrar o seu devido descanso…estamos a ficar sem espaço, em breve algo de muito mau vai acontecer. - explicou ela. Izanagi levantou finalmente a cabeça, olhou para ela e ficou pensativo durante alguns momentos.
- O que eu ganho com isso? – perguntou finalmente. Izanami olhou para Kado e Hiro, eles viram receio no olhar dela. Afinal de contas aquela sua frieza poderia ser na realidade uma fachada.
- O que queres em troca? – perguntou ela enquanto sem se aperceber recuava uns passos. Izanagi percebeu que ela já estava a par da tentativa de assassinato naquele momento.
- Vamos abrir o jogo! Tu sabes que o Susanoo fez um acordo comigo. Eu ajudava a resolver o vosso problema em troca da tua cabeça. Vieste aqui ciente disso com uma ideia que tu mais os teus amigos me iam fazer mudar de ideias, certo? – perguntou ele levantando-se e andando até ela que por sua vez foi recuando cada vez mais. Hiro e Kado instintivamente moveram-se rapidamente para perto dela, mas foram bloqueados pelos guardas de Izanagi. Eles podiam fazê-los mover, até os podiam matar só com um toque, porque eles não eram imortais, eram meros servos, mas ao olhar para Kado, Hiro fez-lhe sinal para que se abstivesse. Por enquanto ela estava por conta própria.
Izanagi pôs uma das mãos no pescoço de Izanami, ao contrário do que todos estavam a pensar que ia acontecer ele não a asfixiou: limitou-se a acariciar-lhe o pescoço enquanto a olhava mais de perto.
- Amaterasu fez um belo trabalho, um verdadeiro milagre ao restaurar a tua beleza. – comentou ele olhando para Izanami cada vez mais de perto. Amaterasu fez uma pequena vénia em sinal de agradecimento e sorriu amavelmente, estava orgulhosa de si mesma.
Izanami num momento de distração de Izanagi conseguiu escapar do espaço apertado para onde a tinha encurralado.
- Já sabias que ela me tinha devolvido a minha beleza?! – perguntou incrédula.
- Fui eu que lhe pedi que o fizesse! – exclamou Izanagi olhando para ela muito sério. Izanami franziu o sobrolho, estava a perguntar-se porque é que ele o tinha feito se eles eram inimigos. Hiro e Kado também estavam surpresos, nada daquilo já parecia fazer sentido.
Susanoo, que tinha estado calado até àquele momento avançou para Izanami.
- Ele é que pediu a mim e á Amaterasu para te ajudarmos. – disse ele olhando para Izanami com um ar de como quem pede desculpa silenciosamente. Ele tinha traído a sua confiança mais do que uma vez, e ela não iria perdoar isso tão facilmente.
- Eu sabia que não ias aceitar ajuda se fosse enviada por mim, por isso pedi a eles para te ajudarem. Sabes que até á bem pouco tempo a minha ideia era acabar com a tua vida, mas depois vi que tu foste no meio disto tudo quem sofreu mais. – falou Izanagi aproximando-se novamente dela. Hiro estava em estado de alerta, aquilo não era normal estar a acontecer, os deuses eram deveras estranhos. Kado optou por se dar como vencido perante os guardas, eles acabaram por afrouxar a guarda e ele ficou a assistir ao que se iria passar em seguida.
Izanami tinha amolecido um pouco, notava-se que algumas das palavras de Izanagi tinham causado impacto, mas ela ainda não se ia dar por vencida.
- O que queres afinal para parar com este castigo ridículo?! – gritou ela exasperada.
- Quero apenas que me perdoes. – disse por fim Izanagi deixado todos em estado de choque. De todos os desfechos que podiam acontecer, aquele era o menos provável, todos estavam a pensar que ia começar ali uma guerra, mas pelo menos pela parte de Izanagi não parecia que fosse acontecer, agora estava tudo a depender da resposta de Izanami.
Ela estava desconfiada, conseguia-se ver isso no seu olhar. Procurava ajuda olhando para Hiro e por último para Kado que tinha agora um olhar inexpressivo. Izanagi olhava para ela ansioso, aguardava uma resposta dela que estava a demorar a chegar.
- Obviamente que não estou á espera que me respondas hoje, sei que foram muitos anos de dor, de desentendimentos, e não é em minutos que me vais perdoar, por isso em sinal da minha boa-fé, vou levantar o castigo imposto ao submundo durante três dias. Durante esse tempo espero que penses no que eu te disse, estamos com um problema bastante sério em mãos, temos de estar todos unidos, já chega de guerras! – disse ele olhando para Izanami muito sério. Izanami não falou: ela tinha ido ali preparada para uma guerra, estava preparada para um confronto onde ela ia poder dizer o que quisesse, magoá-lo como ela o tinha magoado a ela, mas agora, ele tinha-lhe tirado parte dos trunfos, e ela já não sabia como reagir, como falar com ele, ou responder àquele pedido de tréguas, daquele pedido para uma possível reconciliação.
Os guardas deixaram finalmente os Shinigamis passarem e eles foram de imediato para o lado dela juntamente com as servas dela que até ali também tinham sido impedidas de passar.
- Vamos embora. – foi a única coisa que ela lhes disse ao chegarem perto dela.