Gabriela anda em círculos enquanto fala ao celular, nervosa, Carlos observa a irmã, sentado no sofá como se estivesse tranquilo (o que definitivamente não está).
— Ok, certo. Obrigada... — Gabriela respira profundamente desligando a chamada, o irmão mais velho levanta em preocupação. — Carlos, eu aceitei!
— VOCÊ ACEITOU?! — Carlos pula em alegria, sem acreditar muito e agarra a irmã em um abraço que a tira do chão.
— Aceitei! Aceitei! — Gabriela fala mais para si mesma, querendo acreditar quando irmão lhe coloca de volta no chão.
— Meu Deus! — Carlos olha para irmã por alguns segundos, chocado. — Nós temos que ligar para mamá!
— Não! Ela vai querer vir de Miami só para assistir. — Gabriela se adianta em fala, ambos sabem do potencial de Karina Álvarez e o quanto ela é uma boa mãe dedicada. — É melhor você gravar só, eu sei que vai fazer isso mesmo.
— Ainda bem que nunca duvidou. — Carlos diz, ele abraça a irmã mais uma vez e controla o uma lágrima que quer escapar dos cantinhos de seus olhos.
— Você não vai chorar, vai? — Gabriela se afasta do irmão e coloca as mãos na cintura, fazendo uma pose para tentar ser intimidadora.
— Não... — Carlos responde baixinho e se vira, ficando de costas para sua irmã.
— Carlos!
— Eu sou um canceriano! — Carlos responde e então volta para o lugar onde estava no sofá, limpando discretamente os olhos.
Junny chega e observa à cena por alguns segundos: Gabriela parada olhando para a parede e Carlos sentado no sofá com uma das mãos no rosto.
— O que vocês mandam, Álvarezs?
— Gabriela vai fazer uma apresentação! — Carlos conta de forma empolgada antes que Gabriela possa abrir a boca, ela até faz uma careta em descrença com a rapidez do irmão.
— Onde? Quando? — Junny deixa sua bolsa no chão e abraça Gabriela, mais uma pessoa tirando-a do chão. — Mila, estou tão orgulhosa!
— 'The Tuck Room Tavern', sábado à noite!
— Não acredito! — Junny solta Gabriela e pega nas mãos da amiga, olhando-a. — Meu sábado já tem destino então!
— Você vai ser 'minha back vocal', não é? — Gabriela questiona parecendo uma criança envergonha, ela está totalmente vulnerável antes mesmo de subir no palco.
— Claro, com certeza... — Junny afirma isso, mas ela totalmente sabe que não vai rolar dela subir em um palco. — Temos que escolher sua 'set-list' e sair para comprar uma roupa!
— Ah, isso é sério? É realmente necessário?
— Eu nem vou responder para não me estressar! — Junny fala. Ela pega a bolsa no chão e sai quase saltitante para o quarto. Gabriela fica mais algum tempo parada e pensando em que merda se meteu.
*****
Beatrice não acreditava que tinha chegado naquele ponto, mas ali estava ela com uma xícara na mão e batendo na porta de um apartamento às 11 da noite. Dentro do apartamento algumas vozes a todo vapor, sem pausa falando ou cantando. Demorou quase 3 minutos para que alguém viesse atender.
— Hey! — Junny atendeu toda animada, era sexta e não podia se esperar que ela estivesse sóbria. Nas sextas naquele apartamento era karaokê em casa ou uma saída com os amigos, independente do que acontecesse um dos eventos era certo de acontecer. — Está precisando de algo?
— Er... Hã... — Beatrice sabe muito bem Gabriela mora no andar de cima, mas não sabe porque se meteu de ir logo ali procurar o que quer. — Tem um pouco de café para emprestar? Eu realmente esqueci de comprar na última ida ao mercado e agora está um pouco tarde... Eu definitivamente preciso de café para...
— Café? — Junny pergunta desconfiada e sem acreditar em Beatrice, mesmo um pouco alterada pela bebida. — Antigamente procuravam açúcar.
— Não consumo açúcar. — Beatrice responde ingenuamente sem perceber o sarcasmo de Junny mais que evidente durante a última frase.
— Você quer o pó, não é? — A moradora do apartamento questiona, enquanto Beatrice tentando desviar a visão de Junny em sua frente para olhar dentro do apartamento, buscando algo específico... Bem, alguém específico!
— Aham. — Beatrice responde de qualquer maneira.
— Entra aí, — Junny abre mais espaço na porta para que Beatrice passe para dentro, logo fechando a porta atrás de si — vou pegar o café para você, fica à vontade.
Toca uma música não muito alta, mas agitada, as luzes estão apagadas e só algumas luzes de LED coloridas piscando e iluminando tudo. No máximo dez pessoas ali, divididas entre conversas no sofá ou encostadas na sacada do apartamento, com bebidas nas mãos. Apenas uma mulher dançando sozinha, enquanto o restante conversava. Foi tudo o que Beatrice conseguiu observar, mas Gabriela não está ali, não que ela conseguisse ver e isso a deixa cheia de borboletas no estômago de ansiedade.
— Com licença. — Alguém pede, Beatrice acorda do transe saindo do caminho de um dos amigos de Carlos que vai pegar uma cerveja na geladeira.
Beatrice se debruça sob o balcão que divide os ambientes com a xícara vazia na mão, esperando Junny que está logo em sua frente revirando os armários atrás do pó de café. Passam alguns instantes e Junny volta cheia de irritação.
— Eu não sei onde a Gabriela guardou aquela droga! — Junny chega bem perto de Beatrice para falar, como se a Rivera não tivesse a capacidade de escutar mais de longe, a música nem está tão alta.
— Ah, tudo bem... Eu vou embora sem mesmo.
— Não, fica aí! — Junny encosta no braço de Beatrice, quando a mesma faz menção de ir embora. — Você tira uma foto comigo? Só para que eu possa falar que você já veio em uma social minha.
— Claro. — Beatrice responde um pouco temerosa com Junny, olhando a mão discretamente no seu braço. — Mas bem rapidinho, pode ser?
— Pode! — Junny concorda meio grogue, ela se afasta de Beatrice que respira profundamente sentindo um pouco ansiosa, Junny chama a mulher que está dançando sozinha desde que Beatrice chegou. — Alex, chega aqui!
Depois de pelo menos dez fotos, até uma ficar no agrado de todas as três, Beatrice consegue quase escapar.
— Ei, Beatrice! — Alexandra cutuca o ombro de Beatrice quando ela está quase na porta.
— Hã? — Beatrice se vira confusa, não sabia o que mais aquelas duas mulheres poderiam querer consigo.
— Você não quer ir ver a Mila? Ela está no quarto dela. — Alexandra está bem melhor que Junny, ou é melhor que Junny, interprete como quiser. A Hansen sabe que Beatrice gosta de Gabriela e mesmo assim fica dificultando a vida da mulher.
— Claro, eu adoraria. — Beatrice pensou em dizer: 'Não vou incomodar?' ou algo do tipo, mas isso poderia ser um tiro que sairia pela culatra, ela não quis arriscar todo aquela vergonha já passada para nem ver Gabriela.
— Se você não a achar no quarto, ela vai estar no banheiro, pode entra porque lá é só o estúdio dela! — Alexandra aponta para o corredor depois do ambiente da sala, Beatrice não está muito confiante sobre isso, mas não quer voltar atrás também.
— O banheiro não funciona, ela usa para fazer música apenas! — com essa última fala de Junny e um empurrão da mesma, Beatrice é obrigada a sair andando.
Apesar de ter várias portas no corredor, a única que há um fleche de luz saindo é a primeira. Como naqueles programas de auditório, Beatrice escolheu uma das portas e abre quase que fazendo suspense. A luz que dava para ser vista do lado de fora do quarto vinha do banheiro onde uma fresta da porta está aberta. Beatrice se aproxima devagar e escuta Gabriela cantando, é definitivamente depois de assistir inúmeras vezes os vídeos do canal de Gabriela, Beatrice consegue reconhecer a voz sem pensar duas vezes.
Por mais que Junny tenha falado que o banheiro é apenas o estúdio de Gabriela e ela esteja cantando vários trechos de músicas diferentes, fazendo um 'mashup', Beatrice não quer ser evasiva e entrar no local de uma vez. Beatrice empurra a porta devagar, sem ver nada por enquanto, mas em determinado momento ela consegue ver Gabriela em uma banheira e ela definitivamente está tomando banho e cantando, não só usando o local de estúdio. A cena que se segue é Beatrice se afastando rapidamente do local, envergonha, Gabriela percebendo que tinha alguém lhe observando e deixando de cantar.
— Mas que merda é essa?! — Gabriela sai correndo por cima de seus instrumentos de qualquer jeito, pegando apenas sua toalha, mas sem enrolar ela no corpo enquanto anda rapidamente. — Como que em pleno século 21 as pessoas ainda tem coragem de fazer uma coisa medíocre dessas, não acha que o corpo de uma mulher é instituição privada e só dela... Beatrice?
Beatrice está sentada na cama de Gabriela, com a cabeça abaixada entre as palmas das mãos. Ela não viu mais do que os ombros de Gabriela de fora, mesmo assim se sente extremamente envergonhada sobre o que aconteceu.
— Junny disse que o banheiro era seu estúdio e eu acreditei! Eu não tinha o direito de entrar, me desculpa. — Beatrice ergue a cabeça para falar, olhando para Gabriela, mas acaba desviando seu olhar para o lado ao perceber que a latina não está bem enrolada na toalha. — Não quis ser invasiva e muito menos desrespeitosa!
— Ok, Junny ainda acha que o banheiro não funciona... — Gabriela ajeita a toalha no corpo, da forma que dá sem mostrar mais que o necessário e vai sentar ao lado de Beatrice, na cama. — Mandei consertar há uma semana e se o universo permitir, Junny nunca vai saber que ele foi consertado. Ela trocou de quarto comigo depois de inúmeras vezes me pegar no banheiro fazendo música e atrapalhando ela porque esse não funcionava. Depois que troquei de quarto esperei um dia que ela não tivesse em casa e chamei alguém para reparar os danos, que eram coisas simples, mas que ela era preguiçosa demais para chamar alguém... Agora eu tenho um estúdio e também um banheiro privado!
— Eu ainda sinto culpa, sério, desculpa mesmo. — Beatrice levanta da cama, os lábios estão em uma linha reta, o que indica sua expressão séria. — Eu totalmente não vi mais que os seus ombros, mas peço que você me desculpe!
— Ei, não esquenta! — Gabriela levanta da cama também, ficando próxima de Beatrice e tocando-a no braço gentilmente. — Eu já passei vergonha no seu apartamento, você passou no meu... Estamos totalmente quites!
— Você passou vergonha no meu apartamento?
— Meu Deus! E como passei! — Gabriela ri e se afasta de Beatrice indo até o seu armário e procurando por um pijama, assim como Beatrice está em seu robe de seda pronta para ir para cama. — Vou vestir uma roupa e te conto tudo detalhadamente, não te evitei por duas semanas por nada.
— Estava certa sobre você me evitando. — Beatrice vai até a janela, perto da cama de Gabriela, para evitar olhar para a latina.
— Eu não deveria ter dito isso... — Gabriela pragueja si mesma, Beatrice solta uma risadinha achando fofo o jeito que a Álvarez não consegue travar a própria língua. — Vou te contar em breve o que aconteceu, primeiro vou vestir uma roupa.
— Claro, vou ficar olhando aqui... — Beatrice aponta para fora como se Gabriela estivesse olhando. — Mas estou ansiosa para te escutar!