Sinto a chegada do anjo. É ele... e quando vem significa que vou entregar uma mensagem para alguém. Quem será?
- Você pode me usar, em nome de Deus. – digo-lhe.
- Ajoelhe-se, ore pela sua irmã, que vou te mostrar. – instrui.
- Senhor, restaure a sua saúde! Por favor, cure-a. – suplico.
Minhas lágrimas molham o chão da sala.
Vejo-a de lado, com a mão esquerda sobre a mama direita, cabisbaixa, como se estivesse orando. O corpo dela tinha uma cor bege brilhante. Estava toda translúcida e podia ver o esboço de seus órgãos. Tinha uma bolinha preta, sem luz, na mama direita, onde repousava sua mão.
Ligo e conto-lhe a visão que o anjo me dera.
- Tenho medo que tenha em outra parte do corpo... – sussurra, engolindo o choro.
- Na visão só tinha na mama direita. Fique tranquila, a vitória é sua!
- Ontem orei e chorei aos pés do Senhor! Estava aflita com isso, e, hoje veio a resposta! Obrigada Deus, fiquei mais aliviada! – suspira.
- Não sabia que estava com esse medo.
- Estava. Obrigada, minha irmã, pela palavra de consolo!
- De nada!
- Amanhã vamos comprar a peruca? Meu cabelo está caindo muito.
- Sim, e temos que chegar cedo na loja, pois o atendimento é individual.
- Então vou dormir na sua casa.
- Tá, vem sim, ficarei feliz.
No dia seguinte, chegamos antes da abertura. Ficamos sentadas, ansiosas, no sofá da recepção, enquanto conversávamos. Ao se abrirem as portas, entramos e vislumbramos muitas perucas, uma mais bonita do que a outra!
- Não são perucas! São próteses de cabelo, todas feitas à mão! – explicava a vendedora, gentilmente, enquanto escolhíamos.
- Olha que linda essa, Lívia! Tem mechas! – falo admirada, enquanto toco seus cabelos.
- Nessa, os fios foram colocados um a um, por isso parece tão natural! É um trabalho artesanal. – esclarece.
- Posso pegá-la? – pergunta Lívia com os braços estendidos.
- Sim, lógico! – responde, solícita, e a retira do manequim.
- Ela tem uma redinha na base! – fala admirada.
- Isso mesmo, e ninguém vai perceber que está usando uma prótese!
Lívia a experimenta e sorri:
- Como ficou?
- Linda! Você está linda! – respondo feliz.
Viro-me para a vendedora:
- Não sei como raspar a cabeça dela. – declaro, chateada.
- Nós raspamos aqui. Ela sairá pronta, com a prótese.
Vamos até uma salinha isolada. A vendedora, cuidadosamente, raspa a cabeça de Lívia com a máquina elétrica, e, imediatamente, coloca a prótese.
- Melhor do que meus cabelos naturais! – exclama, feliz.
Risos.
- É o seu presente! – comunico.
- Não! Vou pagar aos poucos!
- É um presente e ponto final! Quero que passe bem por esta prova.
- Obrigada, Ana, Deus vai te dar em dobro!
- Não quero nada em troca e Deus sabe disso.
Depois, fomos até o shopping para tomar sorvete:
- Ana, ninguém reparou que estou com a peruca! – cochichou, enquanto andávamos de braços dados.
- Quero uma bola de chocolate! – peço.
- E eu de cereja!
- Que cabelos bonitos! Foi no salão do shopping? – pergunta a atendente.
- Obrigada! Fui num cabeleireiro, perto de casa. – responde sorridente, enquanto aguardamos pelos sorvetes.
Sentamos felizes, tiramos fotos e conversamos. Repentinamente, Lívia fica pensativa e se cala.
- O que foi Lívia?
- Ana, tem certeza que quer cuidar de mim? Você está trabalhando... Não quero atrapalhar você! – desabafa triste.
- Quero cuidar de você, já disse! Deus nos dará forças!
- Klaus não tem estrutura, Helena, que é minha filha, sai com as amigas e nem pergunta como estou. – conta, enquanto enxuga suas lágrimas no guardanapo.
- Vai dar tudo certo! Lembra da visão? É uma questão de tempo para se livrar dessa bolinha preta! – consolo-a.
Também estou angustiada, mas procuro não transparecer, quero que sinta que pode contar comigo.
- Obrigada, Ana. – sussurra.
- E eu agradeço a Deus, pelo privilégio de ser escolhida para cuidar de você.
Depois da primeira quimioterapia, veio para minha casa e dormiu na minha cama. Queria ter certeza de que estaria bem perto, caso ela precisasse.
Na primeira noite... Lívia acorda gritando. Acendo rapidamente a luz:
- Aí, em cima da sua cabeça!
- Não tem nada, Lívia! – respondo sobressaltada.
- Tem um inseto gigante, batendo as asas, não está vendo? – grita, apontando para cima da minha cabeça.
- Não tem nada! Você está tendo alucinações! – alerto-a.
Lívia levanta e corre pela casa, vendo insetos gigantes em toda parte. Corro atrás, tenho medo que se machuque, pois está fora de si. Vai até a sacada, lança-se no sofá e cochila. Deito na bancada, também cochilo. Depois de um tempo acorda sobressaltada:
- Ali! Tem pontos pretos caindo! Como se a parede estivesse esfarelando! – grita, apontando para a parede.
- Lívia, não tem nada!
Dou a medicação para enjoos, remédios, e, finalmente, dorme tranquila. Fico de vigília a noite toda, pois tenho receio de que passe mal enquanto dorme. Na manhã seguinte, vou trabalhar, e ela fica com Déia, a senhora que cuida da minha casa.
No segundo dia sente cansaço e muita ânsia de vômito. No terceiro, melhora.
- Ana, você deve estar tão cansada! Não tem dormido, e trabalha o dia inteiro. –desculpa-se.
- Tantas vezes ficamos acordadas por um filho doente, não é? E no dia seguinte, ainda vamos trabalhar! Estou fazendo o que fiz por um filho! – consolo-a.
- Fico pensando... se não fosse você, o que seria de mim, Ana? Quem cuidaria de mim? – choraminga.
- Deus me escolheu para cuidar de você. Não pense mais nisso.
Lívia melhora e retorna para casa, com seu marido e filhas.