- Mãe! Oh mãe!
- O que foi Victor? – respondo, caminhando até o seu quarto.
Victor estava sentado na cama, com o note e livros ao seu redor.
- Senta aqui, mãe! Vou te falar uma coisa. – fala, dando tapinhas na cama.
Sento apreensiva. O que será?
- Vou embora! Estou muito cansado, preciso morar perto do estágio. Só não fui, ainda, porque estou segurando as pontas com o Luigi. Você precisará se organizar com ele, até a minha partida.
- Por que vai embora? Você tem tudo o que me pediu! Nos damos bem, nunca discutimos! – digo, aflita.
- Preciso ir, ando cansado. Estou me dedicando muito para ser efetivado. Saio tarde de lá, e tem noite que durmo duas horas ou três, no estacionamento da faculdade, para não atrasar.
- Por que não me contou? A gente dava um jeito de pagar um hotelzinho perto. – falo, querendo chorar.
- Não quero trazer mais despesas para você!
- Vai morar com amigos?
- Sim, todos fazem estágio em banco. Vamos alugar um apartamento bem perto, é só atravessar a rua.
- Você vai quando?
- Daqui a dois meses. – responde decidido.
- Está bem. Chame se precisar de ajuda.
Agradece, abaixa os olhos e continua estudando. Vou para o meu quarto, para não chorar na sua frente. Queria que mudasse de ideia. Sabia que um dia iria embora, só não esperava que fosse tão cedo! Lágrimas brotam... ficamos tão pouco tempo juntos! Parece que foi ontem que, pequeno, corria pela casa, e agora ele se vai... Semanas se passam, compramos cama, lençóis e toalhas para o novo apartamento.
Enquanto isso, Lívia faz mais quatro quimioterapias, e, após cada aplicação, vem para minha casa. Os sintomas se repetem. Parece que estou atravessando um deserto de tristezas: irmã doente e filho indo embora.
- Victor, quando você vai? – pergunto, um dia, engolindo o choro.
- Semana que vem.
- No dia em que for, avise-me para que eu saia de casa. Não quero ver você arrumando as malas e indo embora.
- Tudo bem. Vou no sábado.
- Já? Tem certeza que é isso o que você quer? – pergunto, pois quero ter certeza que ele está se sentindo seguro para esse passo.
- Tenho.
No sábado dou-lhe um beijo e vou ao shopping. À noitinha, volto para casa, entro devagar, que estranho... tudo escuro e em silêncio. Vou até o seu quarto e ligo a luz, ficaram os móveis, algumas roupas e objetos sem uso. O cheiro dele ainda estava lá, dando a esperança de que iria voltar a qualquer momento, mas sei que não vai. Sento na cama. Sinto um vazio grande no peito, uma tristeza. Acho que isso é o que chamam de ninho vazio. Tento controlar o choro, mas não consigo, penso que ele está bem e feliz, para me consolar. Peço a Deus que o abençoe nessa nova jornada.
Na manhã da segunda-feira, Lívia opera e corre tudo bem. Os médicos retiraram a mama inteira e começaram a reconstrução. Precisará de mais três cirurgias para a reconstrução completa.
Pedro, pai de Helena, vem da Alemanha para visitá-la. É um homem alto, magro, moreno e de barba bem feita. Guarda, consigo, uma perfeita elegância.
- Que surpresa! Não esperava que viesse de tão longe! Quanta honra! – diz Lívia.
- Eu disse que viria! Quando nos separamos, prometi que iria cuidar de você. – confessa, com olhar meticuloso.
- Obrigada.
- Como você está se sentido? Está com dor?
- Estou bem, não tenho dor. Só estou com sono, acho que vou dormir.
- Irei levar Helena e Bela para jantar, e amanhã levo-as para almoçar, não se preocupe!
- Obrigada, nem sei como agradecer.
Chega Klaus e ficam em pé, conversando, um de cada lado da cama. O médico entra no quarto e olha para os dois, indeciso.
- Doutor, meu marido e meu ex-marido. – apresenta Lívia.
E, na dúvida, passa as recomendações para os dois. Lívia sorri, pois era uma situação insólita, e adormece.
Assim que recebe a alta e vem para minha casa. A rotina de cuidados é severa. Acordo às duas horas da manhã, preparo um lanche, para que coma antes dos remédios fortes, enquanto isso conversamos. Depois troco o reservatório da sonda, durmo mais um pouco e levanto quatro e meia para trabalhar. Durante o dia Déia, minha ajudadora, cuida dela.
Depois de uma semana, o médico retira seus curativos. Nesse dia, chego do trabalho de tardinha:
- Lívia, quer que a ajude no banho?
- Não tenho coragem de me ver assim, sem a mama. Seu banheiro tem um espelho... – responde chateada.
- Eu cubro o espelho.
- Não precisa. Vou reunir forças e lá pelas 17h você me dá banho, tudo bem? – pergunta hesitante.
- Quando quiser.
Fomos ao banheiro. Ela fica de costas para o espelho, chorando, cuidadosamente retiro suas roupas, e, por último, o sutiã cirúrgico. Abaixa a cabeça para olhar, cobre os olhos com as mãos e entra no chuveiro. Rios de lágrimas se misturavam com a água, que fluíam pelo seu corpo, e iam embora, levando amarguras até o ralo...
- Não aguento me ver assim! – fala entre soluços.
- O que importa é que você está no mundo dos vivos. Vamos agradecer a Deus... – respondo, enquanto a ensaboo.
- Sei que muita gente não sobrevive para passar por isso, não sou ingrata, mas é tão difícil...
- Deus sabe...
- Não sei o que faria sem você! Não queria que o Klaus me visse assim...
- Você irá quando puder tomar banho sozinha! E ele não vai deixar de te amar...
- Tenho medo... mama é sinônimo de feminilidade. – interrompe-me.
Desliga o chuveiro. Seco-a e, com cuidado a visto.
- Quero me deitar, estou cansada.
Fica em silêncio. Deito-a na cama:
- Desculpa por te dar tanto trabalho.
- Não pense assim...
Vira-se de lado para chorar. Deixo-a só, também quero chorar, mas não na sua frente porque não quero que se preocupe comigo.
Com o passar dos dias, Lívia vai se restabelecendo, e, após uma semana, já estava tomando sorvete no shopping.
O dia de Páscoa chega! Klaus, Helena e Bela vem para minha casa. Klaus vai fazer o almoço e Helena fica no celular. Luigi, que chegara hoje do pai, junto com Bela, assiste TV.
Lívia, cansada, vai para o quarto. Continuamos a conversa na cama.
- Antes tinha cabelo, agora não tenho mais. Antes tinha peito, agora tenho teta. Tinha duas, agora só uma. Sou monoteta! – reflete, olhando para cima.
Ela dá risada de si mesma. Tento consolá-la:
- Lívia, o importante é que você se livrou desse mal. Os peitos se arrumam. Não pense assim!
Helena entra no quarto e deita no meio de nós. Luigi e Bela chegam correndo e se jogam na cama.
- Mãe, você tá careca, mas seu cabelo vai crescer! Eu vou te amar sempre, porque você é minha mãe! – fala Bela.
Lívia se emociona e limpa as lágrimas com a mão. Bela continua:
- Você tá muito bonita, cada dia mais bonita! Eu te amo muito mamãe!
- Que declaração linda! Que bom que estamos aqui para poder ouvi-la! Helena com ciúmes! – provoco-a.
- Não tenho ciúmes. – responde seca, curtindo fotos no celular.
- O almoço está pronto! – grita Klaus.
Uau! Que bonito! A mesa da sacada estava posta: pratos, talheres, copos, guardanapos, colocados com capricho sobre uma toalha bege cintilante. No centro, bacalhau no forno com batatas e purê.
- Nunca comi bacalhau na Páscoa. – confesso, emocionada.
- Nunca!? – pergunta Klaus, surpreso.
- Nunca, obrigada irmão!
Sobremesa: sorvete! Tudo delicioso!
- Ana, antes de ir embora preciso orar por você. O Senhor pediu para ungir seus pés.
Vou para meu quarto, sento na cama com as pernas esticadas. Ela passa creme nas mãos e segura meus pés. Começa a oração pedindo perdão pelos pecados e proteção. Deus fala:
- Serva minha, ajudaste um dos meus pequeninos e eu me alegrei! Nunca me pediste nada, só dizes: Eis-me aqui, mas mesmo assim Eu te dou, porque me agradaste. Sei o que se passa no teu coração...
Ela massageia meus pés e o Senhor continua:
- Unjo teus pés para que, onde entrardes, seja abençoado. Andarás por caminhos que nunca andastes. Fica com a minha benção!
- Amém! – falo emocionada.
- Vi o Senhor colocando botas em você, Ana. Pareciam botas de frio.
- Pode ser que sejam para proteção. No momento certo, saberemos.
Demos um abraço forte, nos despedimos e voltam para casa felizes.
Na outra semana, Luigi e eu fomos almoçar com Victor. Não quero que Luigi perca o contato com seu irmão mais velho. A distância, por muito tempo, causa o esfriamento de qualquer relação.
- O que vamos comer? – pergunta Victor.
- Hamburguer! – responde Luigi, pulando e erguendo os braços feliz.
Victor contava sobre sua nova vida. Ele estava deslumbrante, animado como nunca o vi. O sorriso nunca saía do seu rosto.
- Depois que for efetivado, voltará para casa, Victor?
- Não deseje meu mal! Morar com você, nunca mais!
- Não foi tão ruim. Sempre me esforcei para que não faltasse nada pra você!
- Não é ingratidão!
Nem respondo, tamanha a chateação que sinto. Parece que o meu máximo, para ele, é um mínimo. Foi tão difícil cria-lo sozinha. Repentinamente, lembro-me das palavras de Klaus: "Deus disse que você não falhou, que fez tudo certo", suspiro e fico tranquila.
Luigi observa, ouve atentamente cada palavra proferida, e, comenta:
- Mamãe, o Victor cansou de se sentir preso, quer se libertar e conhecer o mundo! Quer viver a vida!
Risos.
É isso! Luigi conseguiu resumir o sentimento do irmão com poucas palavras.
Terminamos o almoço bem. Sinto-me feliz porque Victor está feliz. Sinto-me vitoriosa! Obrigada Deus!