Assim que falou Haruki se arrependeu do que tinha dito. Mas as palavras já tinham deixado sua boca e não havia como se redimir.
"Saito, me desculpe. Me desculpe!" Ele pulou da cama e se curvou respeitosamente se desculpando. "Eu falei sem pensar, eu…"
O aventureiro estava pálido.
O cantor não sabia se de susto ou de ódio.
Saito também ficou em pé do lado oposto da cama, ele não era um homem que se assustava facilmente. O cantor sabia que estava em maus-lençóis.
Saito cuspia as palavras como se elas fossem vespas, "Hm então sua máscara de bom rapaz caiu. É assim que pensa de mim. Que eu sou um homem transviado. Que se desviou dos 'bons costumes'. Um submisso, passivo emasculado. Um adicto, um fraco."
E Haruki as sentiu, uma a uma, as vespas ferroarem sua alma. Haruki falou com voz cansada, pronunciando bem as palavras, ainda ajoelhado ele se explicou, "Não Saito, não é assim que eu o vejo. Eu sinceramente jamais pensei em você nessa condição, nesses termos. Mas ouvindo o que você disse agora, eu acho que é você que pensa isso. Como disse o Jun agorinha mesmo, o que importa é o que você pensa, não os outros."
Ele se levantou do chão e se despediu, "Não queria gerar mais mal-entendidos. Obrigado por ter me acolhido aqui." Ele se curvou uma última vez e olhando para seus próprios pés finalizou o pedido de desculpa, "Um bom hóspede tem que saber a hora de partir."
Foi com essas palavras que Haruki deixou os aposentos de Saito, voltando para o seu antigo aposento desenhado por Kenta. O cantor deitou-se no futon.
Ele detestava dormir no chão. O futon era duro e estreito, e seu único benefício é que não havia o perigo de cair. Haruki massageou a bunda lembrando do tombo na cama de Saito. Pensar no aventureiro o fez começar a rolar no futon empoeirado.
'Será que é assim que Saito se vê?' O cantor ficou pensando em cada uma daquelas palavras horríveis. Saito tinha falado sem hesitação, parecia um discurso decorado. 'Talvez estes sejam os xingamentos que Saito ouviu de seu pai, antes de ser expulso de casa.' E não conseguiu se esquecer.
Haruki rolava de um lado para outro, procurando uma boa posição, no entanto sem conseguir encontrar pois estava sem seu travesseiro em forma de rolo.
Ele estava triste por ter sido tão desastrado respondendo daquele jeito e com isso ter ofendido um amigo. Mas ouvir Saito falando aquelas coisas horríveis sobre si mesmo era deprimente. Era óbvio que aquilo tudo que ele viveu anos atrás ainda doía muito. E quando Saito se deparava com situações assim, não sabia como agir.
Depois de pensar tanto, Haruki entendeu que Saito tinha pensado que Jun o tinha forçado a algo. 'Pobre Saito, não foi nada disso.' O rapaz suspirou.
Por causa de acontecimentos que o aventureiro não pôde evitar no passado, quando ainda era muito jovem, sua vida mudou completamente. E ao invés de receber o apoio familiar, Saito foi expulso de casa sem nada. Precisou parar os estudos e trabalhar por seu sustento, e por um teto. Esses pensamentos só entristeciam mais o cantor o enchendo de pena do aventureiro.
'Não é à toa que ele detesta Jun e Jun a ele. Eles se vêem e se reconhecem um no outro.' Haruki concluiu por já ter visto esse comportamento outras vezes com os colegas de carreira.
'Idiotas, poderiam ter sido os melhores amigos.' Haruki pensou irritado por estar cansado e não conseguir dormir.
Sua mente agitava-se agora na questão dele viver um trauma, e ter encontrado uma pessoa em quem se apoiar e voltar para casa.
Haruki pensava na reação de sua família se ele por uma reviravolta da vida aparecesse em casa namorando Jun…
Outro suspiro.
"Atchim atchim," espirrou, sem conseguir se controlar.
Haruki se assustou. Ele pensou que se apenas de pensar na situação lhe dava espirros? Que ridículo! Ele sentou olhando em volta, coçou o nariz, percebeu que o chão estava mesmo empoeirado.
'Que estranho, Ita-san tem limpado toda a mansão menos aqui.' Haruki refletiu deitando-se novamente e seu pensamento voltou para Saito e Jun. Enfim, era por causa da rivalidade deles que ele estava de volta a este quarto sujo deitado no chão duro.
A porta se abriu depois de uma batida quase imperceptível e Haruki virou-se no futon.
Saito estava parado na entrada, olhando para ele, "Vamos para o quarto. Isso aqui vai te deixar doente. Eu te ouvi espirrando." O aventureiro falou suavemente.
Haruki sentou-se.
Ele poderia usar a oportunidade da visita inesperada de Saito para desfazer o clima tenso e explicar sua péssima resposta ao aventureiro. Então sussurrando comentou, "Quando eu falei aquilo, eu falava de você não ter gostado de terem se metido em sua vida quando foram contar para seu pai. Entenda, eu também não gostei de você se intrometendo na minha."
Saito se agachou ao lado do cantor, "Eu lamento ter me intrometido na sua vida. Mesmo que a intenção fosse te proteger." Sua voz também era pouco mais que um sussurro. E ele continuou, "Vamos pro quarto. Não faz sentido ficarmos assim. Você sabe o quanto eu te quero bem, não sabe?" Saito tinha a expressão de um cachorro vira-lata.
O cantor deu-lhe um meio sorriso,"Okay, vamos dormir." Haruki ficou aliviado por terem resolvido a situação e ele poder dormir de novo em um lugar limpo e confortável.
Para sua surpresa, no entanto, mesmo na luxuosa cama ele continuou rolando de lá pra cá sem conseguir descansar. Quando sentiu a mão de Saito agarrar seu braço.
"Vem aqui," ele chamou olhando para Haruki, e diante da confusão do garoto explicou, "Você só se acalma quando está abraçado." O aventureiro falou se arrumando no colchão para mais perto de Haruki.
Envergonhado Haruki assentiu que era verdade. Ele só não entendeu como Saito descobriu essa sua peculiaridade tão rápido. Ele resolver se explicar, "Eu me mexia muito durante o sono quando era criança. E depois ficava o dia inteiro com sono e estava sempre cansado. Até minha mãe me dar um travesseiro em forma de rolo. Ele é comprido, bom para se dormir abraçado." Embaraçado, mas curioso de saber como Saito descobriu seu hábito perguntou, "Como você soube?"
"Porque você rolou até mim ontem," o aventureiro parecia se divertir com a lembrança.
Mas era diferente dividir a cama de ir lá dormir 'abraçadinho' com Saito. Principalmente depois de bater um bolo pensando em Jun. Haruki não era tão inocente assim, e mesmo que fosse tão bobão, depois dos últimos acontecimentos do dia ele estaria menos idiota.
"Obrigado Saito. Eu já estou muito velho para me comportar como um garoto. Eu vou me acostumar a dormir sem o rolo. E para não te incomodar mais eu vou para o sofá do closet." O cantor fez menção de levantar e foi impedido pela mão de Saito ainda segurando seu pulso.
"Tudo bem. Só tome cuidado para não cair de novo. Boa noite." E Saito se virou de costas para Haruki.
O garoto não foi para o sofá. Ele estava mais vermelho que Miyu ao vê-lo pelado, Saito o tinha colocado novamente em um dilema.
Ele sentiu o sono começar a embaçar sua mente depois de um tempo respirando devagar para conseguir se acalmar. Quando ouviu Saito perguntar,"Haruki, me diga a verdade. Eu prometo que não vou brigar com seu amigo. O que realmente aconteceu lá?"
Haruki com a mente confusa pelo sono demorou para responder, "Hm. Eu fui pego de surpresa. Jun me agarrou do nada. Miyu-chan entrou no quarto. E daí então eu entendi tudo. Jun foi muito esperto... não é?!" Suas últimas palavras foram cortadas por bocejos. Haruki estava muito sonolento e não entendeu a resposta murmurada por Saito.
Haruki acordou enlaçado a Saito. 'Ooh não de novo! Eu devia ter ido dormir no closet,' o cantor se recriminou. Sua cabeça estava sobre o peito do aventureiro. Haruki ouvia as batidas do coração de Saito. Ele aproveitou para o observar. Dormindo, Saito parecia ser mais jovem, seu corpo era esguio mas forte, como o de Haruki. O alpinista tinha os músculos definidos. E o garoto se deixou ficar ali na posição que estava. O aventureiro tinha passado o braço sob a cabeça de Haruki, e o cantor estava meio corpo sobre o ele. Se ele se movesse, acordaria Saito.
O cantor aproveitou o tempo para pensar, era necessário encontrar uma forma mais eficaz de sair do jogo. Sua mente voltou para o quarto que Kenta desenhou. Ele ainda não sabia o motivo do porque o mordomo virtual não estar fazendo a limpeza daquele cômodo, mas poderia fazer alguns testes para descobrir se sua neoteoria estava certa. Ita não entrava lá. Ou era porque não tinha sido programado ou ele não sabia do lugar.
Sabendo que Ita não entraria no quarto, Haruki poderia deixar um recado para Kenta.
O cantor imaginava que Kenta não tinha mais entrado em contato por não ser seguro ou por não poder acessar o Otome.
'Talvez ele tenha sido demitido. Hm esses pensamentos não vão me ajudar a sair daqui.' O cantor resolveu mudar o rumo de seus pensamentos para não se deprimir.
Desperto e cheio de energia Haruki queria se levantar. Com a precisão de um cirurgião, ele começou a tirar a perna entrelaçada na perna do aventureiro.
Mas como parte de seu torso estava sobre Saito, ao levantar a perna, Haruki deslocou seu peso para o tronco sem notar, pressionando o peito do aventureiro que dormia.
Haruki sentiu seu corpo voar.
Saito os girou no colchão colocando Haruki embaixo de si.
Surpreso demais com o golpe inesperado, Haruki ficou parado sem reagir. Ainda estava processando o que tinha acontecido quando sentiu a aspereza da barba de Saito raspar seu rosto. A garganta doeu ao ser comprimida pelo antebraço de Saito, impedindo Haruki de respirar e forçando o cantor a ficar imóvel e colado ao colchão. Seus olhos se encontraram com os olhos de Saito a centímetros de distância, Haruki tremeu ao ver a fúria com que era avaliado.