Não é fácil lembrar de um momento feliz que tive, mas é difícil esquecer todos os ruins que passei.
Sabe quando alguém já passou por tanto que até deixa de sentir dor? De ter alguma emoção? De se importar com a vida?
"Que exagero! Sua vida não deve ser tão ruim assim..." você deve estar pensando.
Mas é sim, muito ruim!
Ruim até é pouco para descrever o que foi...
Eu era pequena quando tudo começou, bem na fase em que eu deveria estar brincando com bonecas ou rebentando com elas.
Porquê que eles decidiram me partir o coração ainda tão pequena? Vai saber...
Lembro exactamente que foi no meu aniversário de 5 anos...
Eu já havia esperado por ele fazia dois meses, sabe aquelas crianças que esperam pelo bolo perfeito, pelo presente perfeito e pelos pais incríveis.
Bem, justo no dia do meu aniversário eu tinha que ir para o infantário, ter que encarar aquelas garotinhas mimadas puxando o meu cabelo o dia inteiro.
Mas justo naquele dia tudo tinha mudado...Em vez de voltar para casa com menos fios de cabelos, eu voltei com chocolate na cabeça.
Eu era inocente demais para esmagar a cara daquelas bonecas de plástico que arruinaram o meu cabelo por séculos...Ou meses, sei lá parecia a mesma coisa.
Tal como disse, tudo naquele dia estava diferente, não só no infantário como também em casa...E acabei notando isso quando entrei.
Meu pai estava no sofá bebendo um Uísque, pela primeira vez o vi beber algo álcoolico.
A minha mãe estava no computador provavelmente trabalhando como sempre.
-"Vocês não vão se preparar para o meu aniversário?"-eu perguntei para os meus pais assim que os vi.
Qual foi a resposta?
Nada mais simples do que:
-Pera aí, você faz anos hoje?- perguntou o meu pai engasgando com a bebida.
Até aí tudo bem, a cabeça dos homens têm certos parafusos à menos, então eu não ia julgá-lo por ter esquecido.
Mas aí minha mãe foi abrir a boca para reclamar e vocês já sabem como é que as mulheres são...
-Sim, eu avisei para você comprar o bolo ontem quando liguei para você- respondeu a minha mãe olhando para ele.
-Você sabia que eu estava em um jantar de negócios, aquilo era importante!- respondeu o meu pai batento com o copo na mesa de centro.
-Hu hum...Sei! Jantar de negócios...Eu nunca vi você beber e ontem você parecia bêbado no celular- a minha mãe parecia estar brava.
-Eu bebi um pouco, não foi nada de mais!- ele respondeu.
-Sério? Foi tão pouco que não conseguiste comprar o bolo da tua filha- a minha mãe fechou com força o laptop
- Eu prefiro não discutir...Ok! Tens razão...- o meu pai levantou os braços e parecia ter se rendido.
-"Não haverá bolo? Não faz mal, então vamos assistir um filme juntos"- eu disse tentando animá-los.
-Sim, vamos...Escolhe o filme filha- disse o meu pai bebendo mais um pouco de Uísque.
-Ótimo! Como sempre vamos fingir que nada aconteceu e avançar- a minha mãe sussurrou.
-O que você quer que eu faça?- perguntou o meu pai batendo com o copo mais uma vez.
-Quero que você pare de olhar para a Sandra da maneira que você faz! Quero que pare de ter jantares de negócios tão tarde- a minha mãe gritou.
-Quem? A nossa vizinha? Você está louca?- perguntou o meu pai.
E assim começou a briga, não foi nada legal ouvir aquelas ofensas todas.
No meu aniversário recebi, uma briga dos meus pais...E pior é que isto nunca mais parou, foi uma briga atrás da outra.
Eles ficavam cada vez mais distantes de mim, não me davam mais carinho, mais atenção, mais nada...Agora se este aniversário foi assim, nem vão querer saber dos outros.
No meu 6° aniversário eles voltaram a esquecer, mas desta vez não teve briga nenhuma...Ambos tinham saído e eu acabei celebrando com a "babysitter" em casa.
Ela tinha 17 anos, era super bonita e tudo, mas eu pude notar que ela e meu pai tinham alguma coisa. Ela até aparecia de noite quando a minha mãe não estava.
Eu tinha que ficar no quarto o tempo todo, enquanto ela e o meu pai ficavam na sala a rir o bastante para não me deixar dormir.
No meu 7° aniversário o meu pai lembrou e a minha mãe estava a viajar para mais um dos seus trabalhos como modelo. E eu celebrei com ele.
Não era algo perfeito, mas pelo menos ele tinha lembrado, ou lido os 57 papéis que joguei pela casa toda para alguém lembrar.
E assim foram todos os meus aniversários...Até chegar ao 16°.
Esse aí foi o pior de todos...
A minha mãe tinha me convidado para uma festa de modelos no dia do meu aniversário e mesmo assim ela não havia lembrado que eu fazia anos.
Fui até lá com um vestido lindo que ela tinha comprado e assim que entrei no grande salão todas as pessoas sorriram para mim.
Algumas comentavam como eu estava linda e outras falavam do meu vestido...Todos pareciam amar, menos a minha mãe.
Pude ver a sua cara de nojo...
Assim que cheguei até ela, agarrou-me pelo braço e sussurou no meu ouvido:
-Como pudeste fazer isso? Vai buscar uma jaqueta e cobre isso...Já faz tempo que não te vejo, mas nunca pensei que estivesses tão gorda!- ela apertou o meu braço.
-Mãe? Não estou gorda! E que mal teria se estivesse?- eu respondi tentando tirar a mão dela.
-Olha para todas elas- ela apontou para as modelos das fotografias.
-Sim? São lindas e daí?- perguntei.
-Estás gorda, nunca serás linda como elas...Elas são magníficas e perfeitas e tu...Desse jeito!- ela me largou com força.
- Sim, saí igual a minha mãe...Que nem lembra do meu aniversário...Obrigada!- respondi alto para que todos ouvissem e saí daquele lugar com a cabeça para cima.
E olha que isso nem é metade do que já aconteceu comigo.