Julian estava quase subindo para a classe dar aula, mas uma pequena praga o importunava. Desde que entrou no colégio, um pequeno drone voava em volta dele.
Duas coisas passaram pela sua cabeça: ou algum aluno estava aprontando, ou alguém estava o observando para algo ruim. E com os recentes eventos, ele se preocupava com a segurança de seus alunos.
No dia anterior, o jornal noticiou a situação do garoto Tristan, sobre como ele foi perseguido após sair do hospital, e como ele e um grupo de heróis mirins, os Mirai, corajosamente derrotaram o assassino.
Uma coisa era óbvia: Tristan provavelmente estará enturmado com esses heróis a partir daquilo. Portanto, se alguém estivesse atrás daquelas crianças...
Ele teria aula com elas logo. Merda.
O dia foi longo, o zunido maldito o estava irritando. Ele se perguntava se haviam outros drones. E também, como algo tão pequeno poderia estar seguindo ele? Será que alguém com poderes tecnológicos estava o perseguindo? Será que havia alguém próximo controlando? Pela lógica, algo tão pequeno não poderia ser controlado de muito longe.
Pela lógica.
Ele seguiu sua grade horária calmamente. As horas se arrastavam à medida que ele respirava fundo para não surtar.
Quando chegou ao sétimo ano, ele viu Tristan. O garoto estava sentado em silêncio. Um grupo de crianças estava em volta dele. Todos queriam saber como foi.
-Muito bem, muito bem. -Ele disse. -Sei que o Tristan é a estrela da turma, mas eu quem sou o professor. Por favor, deixem o menino respirar um pouco.
-Obrigado. -Tristan deu um sorriso.
-Depois a gente conversa sobre isso, tudo bem, Tristan? -Julian ergueu as sobrancelhas e deu um sorriso. -Preciso te fazer algumas perguntas.
-Pode ser. Eu desço lá na sala dos professores depois da aula?
-Sim, sim. Pede para alguém te acompanhar.
Pronto. Provavelmente Tristan chamaria Claire. Mas, havia a pequena possibilidade de ele escolher alguém que protegeu ele em toda aquela situação. Se assim fosse, ele saberia quem eram os protetores. Se não, bastava perguntar a Tristan quem foi.
Mas ele precisava dar cabo do drone.
Ele manteve a aula indo naturalmente. Conversou com algumas crianças, riu, contou piadas, tudo da forma como todos adoravam.
Enquanto ele escrevia na lousa, um barulho imenso deu um susto nele. Um caderno havia cruzado a sala toda em uma velocidade extrema e agora caía no chão.
-EI! O QUÊ FOI ISSO? -Ele berrou.
Silêncio na sala toda.
-Desculpa! -Ralf deu uma risadinha. -É que tinha uma mosca voando em volta de você fazia um tempão...
-Ah. -Ótimo. Agora ele tinha um palpite. -Gostei da sua mira. Moscas normalmente desviam das coisas bem rápido.
-Com a força que ele jogou esse caderno... -Heather resmungou. -Agradece por não ter mirado em você.
Julian riu.
-Realmente. Se me pega por trás, essa hora eu estaria morto.
Aquilo era uma piada. Mas apenas em partes. Ralf era extremamente forte, sua força descomunal foi rivalizada por Nathan recentemente. Por sorte, os dois não viraram inimigos. A aula prosseguiu até o fim.
Quando terminou, Julian saiu e foi para a sala dos professores. Grace estava lá. Quando ele entrou, ela deu um pulo.
-AI! Julian! Cara, que susto!
Julian começou a rir.
-Caraca, o quê aconteceu? Não era para eu entrar? Podia ter ido no banheiro.
Ela riu também.
-Era esse... Essa mosca. Ela tá aqui importunando faz horas... Eu tava tentando matar ela.
O pequeno drone flutuava calmamente pela sala. Grace pulou a quase um metro e meio de altura, e deu um gancho de direita nele. O soco atravessou o teto e derrubou poeira junto com algumas pequenas pedras.
-É... Dá pra você maneirar? Acho que cê não devia fazer tanta força, vai que mata algum aluno passando ali em cima.
-Foi mal. Eu fiquei nervosa.
-Ah sim. Nervosa. Beleza. Eu vou arrumar umas provas e umas coisinhas aqui.
Julian se sentou na grande mesa que ocupava a maior parte da sala. Em volta, haviam vários bancos, um dos quais Julian pegou para se sentar. A sala era pequena, e possuía uma parede com decoração de tijolos. Algumas estantes com vários papéis de espalhavam pelas paredes. Haviam algumas maquetes expostas ali, as favoritinhas dos professores.
Grace pediu desculpas pelo teto, e então foi embora. Sem sinal do drone. Julian viu ela de relance olhando para a palma da mão. 'Esperta', ele pensou. Possivelmente ela suspeitava de todos ali.
Ele riu ao pensar no caso de Elaine ter brincado com algum desses drones.
-Professor? -Uma voz chamou.
-Ah, oi, Tristan. -Julian se virou, e viu Tristan parado com Claire na entrada da sala. -Oi Claire. Entrem.
Os dois entraram e se sentaram à mesa. Nenhum dos dois falou nada.
-E então, cara, como você tá lidando com tudo isso?
-Não sei. Tô me sentindo estranho.
-Sei. Nós professores ficamos bem incomodados com o seu sumiço. A pedagoga ficou de procurar e contatar você. Mas foi difícil. Agora a gente sabe tudo, ou pelo menos a parte mais crucial. Quer me contar mais?
-Não tem muito o quê contar. Eu fiquei... Internado, com medo todos esses dias. E... Sei lá.
-Medo de algo acontecer de novo?
-Não. Na verdade é como se...
-Como se um medo horroroso viesse lá do fundo. Eu sei. Não tem explicação, ele apenas está ali, te assombrando.
-Hein? Eu... Não. Não é isso que eu tô sentindo.
-Mas eu tô. -Claire interrompeu. -Julian... Eu sou a culpada de tudo aquilo... Eu... Eu quem levei o Tristan lá.
-Levou? -Julian coçou a barba. -Como assim?
-No dia que a coisa atacou a gente... Eu briguei com minha mãe. Eu queria comprar umas coisas e ela não deixou. Eu queria dinheiro pra comprar. Quando começou a chover, eu...
Ela começou a chorar.
-Calma, mocinha. -Julian pôs a mão no ombro dela.
-Eram só umas lembranças do show. Eu quase matei todo mundo por isso. Eu... Eu levei o Tristan naquela casa... Eu levei ele e...
Tristan baixou o olhar, incomodado.
Julian sentiu um incômodo no estômago.
-E o quê...?
-Eu mexi com a cabeça daquele cara. Eu fiz ele querer dar dinheiro pra gente...
-Claire... -Julian estava perplexo. Ele respirou fundo. -É por isso que não se deve dar trela para estranhos. Mas tudo bem, a culpa não é sua. Nem da sua mãe. Vocês duas precisam conversar. É a única saída.
Claire ergueu o olhar, os olhos inchados e cheios de lágrimas.
-Eu tento. Mas eu travo quando vou falar com ela. Eu só queria...
-CLAIRE! -Tristan gritou. -Chega! Se você não tivesse feito a cabeça dele aquele dia, ele ia matar a gente logo que passasse pela porta! A gente saiu de lá porquê trabalhou junto!
-Ei, calma, calma. -Julian disse.
Claire respirou fundo, soluçou algumas vezes, e parou de chorar.
-Eu não consigo. -Ela disse.
-Mas vai conseguir. -Julian sorriu.
-Todo mundo diz isso. Minha mãe vai me matar se souber disso tudo. Ela... Ela me odeia!
-Claire, ninguém te odeia. -Julian a consolou. -Você tá assustada, eu sei. Mas já acabou. Já passou.
-É! -Tristan concordou. -Lembra do quê o Hector falou? Você foi a primeira a enfrentar o monstro!
-O Hector? -Julian questionou.
-É. Os heróis que ajudaram a gente foram os nerds da sala.
-Sei. Era por isso que estavam procurando você aquele dia, Claire? -Julian se lembrou da aula da semana retrasada.
-É. Eles foram lá. Merda, Julian. Eles quem foram lá. A gente sempre zoava eles, sempre fazia piadas com eles. E quando eu precisei... -Ela começou a chorar outra vez. -Eles quem foram os primeiros a ajudar...
-Já tentou pedir perdão para eles?
-Já. Mas parece que...
-Parece que você não se perdoou. -Starla os interrompeu, entrando na sala. -Vem aqui, querida.
Starla deu um abraço em Claire.
-Você tá aqui faz quanto tempo? -Julian ergueu a sobrancelha.
-Bastante. Eu cheguei logo depois das crianças. Parei pra dar um oi para a Grace. Ela também reclamou das... Moscas.
-Moscas... -Tristan repetiu. -Eu fiz a bolha. Julian, tem alguém espiando a gente.
-Bolha?
-Meu poder. Nada fora dessa bolha pode ouvir a gente.
-Nada. Gostei do jeito que você falou como algo, e não alguém escutasse.
-É. A gente tá fingindo que não viu. O Ralf é um idiota e estragou as coisas. Mas...
-Sim. Escute, Tristan, você e esses heróis só precisam esconder que foram vocês quem venceu o monstro. Certo?
-Certo.
-Vocês dois... -Starla respirou fundo. -Só esqueceram que a Claire está chorando aqui!? Saiam. Agora!
Os dois correram para fora da sala.
-Claire, me escuta. Eu sei que parece difícil você abrir seu coração para sua mãe assim. Mas se não abrir logo, você vai se afastar dela. Vocês duas vão ficar sempre com um peso imenso entre vocês. Talvez um dia você até se arrependa de não ter dito.
-Ela vai ficar com raiva de mim...
-Não, ela não vai. Ela vai ficar com raiva dela mesma se você se distanciar assim. Ela te ama, você precisa entender. Não deixe as coisas desandarem assim.
-Mas e se ela ficar?
-Então você vem aqui falar comigo. Eu prometo que vou te ouvir e te ajudar. Tudo bem, mocinha linda?
-Tudo. Eu vou tentar falar com ela.
Ela secou as lágrimas.
-Vem, vou te dar uma água e um chá. É uma receita secreta, tá?
-Secreta? Vai esconder de quem? -Claire perguntou entre soluços.
-Da Elaine. Vai que ela relaxa e não faz mais nada?
As duas começaram a rir.
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O Doutor chegou no laboratório naquela tarde, apenas para saber que alguns de seus drones foram destruídos.
-E então, -Ele perguntou a um dos pesquisadores. -Quem foi que destruiu e o quê fez para destruir?
-Nós não conseguimos localizar o culpado. Aparentemente algumas das crianças viu o Drone e destruiu.
-Como esperado. Marquem as turmas onde alguma criança destruiu o Drone.
-Por quê?
-A maioria das pessoas vai perceber esses drones e fingir que não viu. Eles vão começar a se juntar em grupinho para discutir sobre, porquê vão achar que ninguém mais percebeu. Quando fizerem isso, localizem o garoto Tristan e seu grupinho, e terão encontrado os Mirai.
-Certo, senhor. O quê faremos depois?
-Informem a mim. Eu vou repassar a informação diretamente para Atlas.
-Atlas? Mas e se ela...
-Ela não vai matar essas crianças. Mas se alguém tentar entrar no caminho dela, vai aprender da pior forma.
-Sim senhor. Vamos continuar trabalhando.