Sem saber quanto tempo havia se passado ou sequer onde estava, Begin abriu os olhos.
Escuridão, vazio, nada. Essas eram as três palavras que podiam descrever o que Begin conseguia enxergar. Seu corpo estava curado, não havia nenhuma ferida sequer, mas estava em forma humana.
— Não sinto meus poderes... — murmurou Begin.
— Você finalmente acordou? — disse Raiju.
— O que aconteceu? Onde estamos? — disse Begin ao se virar e encontrar Raiju, que também estava em forma humana.
— Não sei mais do que você, eu acordei já faz três dias.
— Estamos dormindo por pelo menos três dias?!
— Eu não sei. Eu acordei há três dias, mas não faço ideia de quanto tempo dormi.
— Você também não sente os seus poderes?
— Sim, nem uma gota de eletricidade, sinto como se fosse uma humana de verdade.
— Agora que você disse, me sinto de forma semelhante.
Enquanto pensavam que poderiam ficar ali para sempre uma rachadura surgiu no vazio e dela uma ofuscante luz se acendeu e os cegou.
Então, antes que recobrassem a visão, puderam sentir o vento soprando fortemente em seus corpos.
Quando Begin pôde finalmente enxergar, ele se viu caindo do céu rapidamente, Raiju estava ao seu lado, além do mais, seus corpos estavam visivelmente mais jovens.
— Estamos caindo! — disse Begin, era óbvio, mas fora apenas um reflexo.
— Não dá pra se transformar! — gritou Raiju.
Eles estavam caindo rapidamente e sem poder se transformar em suas formas de dragão. O chão nunca fora tão assustador.
Raiju não estava longe dele, ela parecia tremer como se estivesse com medo da queda. Begin não sabia o porquê, talvez fosse instinto ou qualquer outra coisa, mas, em plena queda livre, ele se lançou na direção dela e a agarrou em seus braços, com suas costas viradas para o chão.
— Me solta, você vai morrer! — gritou Raiju.
— Não!
*Estrondo*
Então, as costas de Begin se chocaram contra um grosso galho de árvore e o quebrou na hora.
Begin caiu com muita força no chão e perdeu a consciência na hora, uma queda dessa teria matado qualquer humano, mas ele não morrera com ela.
Algum tempo depois, Begin acordou, Raiju estava ao lado dele, sentada.
— Ai. Ai. Dói — admoestou Begin ao tentar se sentar.
— Não se mexa muito, idiota, você está com três costelas quebradas e um osso da perna fraturado.
— Mas eu estou vivo pelo menos, e você?
— Estou bem... graças a você.
— Por que será que nossos corpos rejuvenesceram?
— Eu que sei? Venha, eu te ajudo a levantar, precisamos achar algum lugar coberto. No tempo em que você dormia, o céu fechou, parece que vai chover a qualquer momento.
— Ai, seja gentil.
— Quer que eu quebre mais algum osso?
Depois de andarem por algum tempo, eles acabaram encontrando um seleiro, mas a chuva já havia começado e, portanto, eles ficaram ensopados.
O seleiro estava trancado com correntes e um cadeado, mas Begin o quebrou com um simples puxão, aparentemente, sua força em forma humana não tinha nada de humana. Eles entraram e se abrigaram no seleiro, os animais começaram a fazer barulhos assim que viram os dois estranhos invadirem sua casa.
Com a chuva, os restos de roupas que vestiam estavam ensopadas, além de que quase nada conseguiam cobrir já que foram em sua maioria destruídas durante a batalha. Para evitar pegarem um resfriado, eles retiraram as roupas molhadas.
Um Dragão desconhecia o sentimento de vergonha, pois dragões não vestem roupas. Portanto, quando Begin e Raiju se viram desnudos, nada sentiram.
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Pouco tempo depois, em uma casa próxima ao seleiro.
— Kaila! Kaila! — gritou um homem.
— Já vou, pai! — gritou Kaila do segundo andar da casa.
Após ver que sua filha descera as escadas, o homem disse:
— Vá ver o porquê de os animais estarem fazendo tanto barulho a essa hora da noite.
— Eeh...? Mas está chovendo.
— Uma chuvinha não mata, anda logo, não consigo dormir com todo esse barulho.
— Ah... está bem.
Kaila calçou suas galochas e correu para fora da casa.
— O que será que aconteceu desta vez...? — se perguntou a garota.
Em poucos minutos, Kaila chegou ao seleiro. Os sons dos animais eram muito irritantes, mas ela já estava acostumada.
— Por que vocês estão fazendo tanto barulho a esta hora da noite? Poxa, o pai brigou comigo — olhando para um dos animais que estava fazendo barulho, um porco adulto, acrescentou. — O que foi, Butakin? Está com fome de novo? Ah, a sua água já acabou, deixa que eu coloco mais.
Subitamente, um livro peculiar surgiu ao lado da jovem, ele flutuava e brilhava com nuances de azul. O livro se abriu e, então, as páginas se passaram uma a uma, até que em uma determinada página parou. Na página havia vários símbolos escritos em tinta negra, que a preenchiam por inteira.
Kaila estendeu sua mão, apontando-a para o recipiente no qual a água era armazenada para o porco beber, então, algo de sua boca saiu, palavras estranhas, em uma língua estranha. Em resposta, os símbolos negros gravados no livro brilharam com uma forte luz azul.
Magicamente, água começou a jorrar das mãos de Kaila e a cair no recipiente.
Enquanto colocava água para os porcos, Kaila escutou um som estranho, em seguida um dos blocos de feno caiu no chão, derrubado da pilha em que estava. Assustada, Kaila balançou os braços como um chicote na direção do som e gritou algo peculiar.
Quando o fez, a página do livro se virou para a próxima, então os símbolos se acenderam na mesma hora. Quando isso aconteceu, a água que caía das mãos de Kaila como água de torneira se tornou tão forte quanto a água jorrada por um hidrante.
A forte água explodiu os blocos de feno, lançando alguns para longe e espalhando feno por todos os lados.
— Q-Quem está aí?
Detrás do feno, que caía lentamente no chão, Kaila pôde ver duas pessoas abaixadas e completamente despidas olhando em sua direção.
As duas pessoas estavam abaixadas em uma pose estranha, pareciam estar fazendo algo que só casais fariam em um momento de privacidade.
— O-O-O que vocês estão fazendo aí?! Q-Quem são vocês? — Disse Kaila, cobrindo os olhos com as mãos, mas deixando um leve espaço entre os dedos para olhar para o casal, apesar de claramente estar morrendo de vergonha.
Begin e Raiju olhavam para Kaila, atordoados, era óbvio que Kaila tinha incompreendido a situação, mas o motivo de seu espanto não era a incompreensão dela, o que não causaria nenhum tipo de constrangimento entre eles, já que eles não tinham sentimentos tão simplistas, mas a água que brotara das mãos da jovem como uma nascente, como mágica.
Begin levantou e se apressou a explicar a situação, pois ele não queria que a garota tivesse mais incompreensões.
— É um mal-entendido, nós fomos roubados na estrada e corremos em busca de abrigo, sentimos muito por invadir a sua propriedade.
— Cubra-se, eu não consigo olhar em sua direção deste jeito — disse Kaila, desviando o olhar.
Percebendo que para Kaila era estranho vê-lo despido, Begin correu e pegou um bloco de feno e o posicionou à frente de suas pernas, escondendo suas partes íntimas, Raiju escondeu-se atrás de um pilar de madeira, mas com a face exposta para conseguir ver o que estava acontecendo.
— Me desculpe, já pode olhar.
Kaila virou o rosto e descobriu os olhos, mas ainda sua face estava muito corada, ela claramente estava com vergonha ainda.
— Eu vou buscar algumas roupas para vocês e já volto, tudo bem?
— Ah, sim, por favor.
Kaila voltou depois dez minutos, em suas mãos estavam duas mudas de roupas, uma para homem e uma para mulher.
Begin vestiu as roupas camponesas que pertenciam ao pai de Kaila, já Raiju vestiu as roupas da própria garota, mas ficaram um pouco mais justas do que ela gostaria, visto que as proporções dos seios de Kaila eram bem menores do que as dos seios de Raiju.
— Então, quem são vocês?
Os três arrumaram alguns blocos de feno para sentarem em cima, eles funcionaram como um tipo de pufe.
— Eu sou Begin e ela é minha amiga, Raiju.
— Sem família...? P-Por que vocês estavam fazendo a-a-a-aquilo atrás da pilha de feno?
— Aquilo? O que é aquilo? — perguntou Begin, não entendendo a que se referia a garota. Não que ele fosse inocente, mas a vergonha da jovem o fez pensar que era algo maior, pois ele não considerava "aquilo" como algo digno de causar tal comoção.
— Ah, senhorita, como devo me referir a ti?
— Kaila Evenwood, esqueci de me apresentar, me desculpem.
— Isso pode soar um pouco estranho para você, mas se importaria em nos dizer como foi que você fez água sair de suas mãos.
— Hã? Aquilo? Vocês não sabem o que era?
— Nem uma ideia, mas foi incrível.
— Vocês vieram de uma ilha deserta por acaso?
— Ah! Ahahaha — enquanto coçava a cabeça para disfarçar — a senhorita é bem perspicaz, adivinhou de primeira.
— Eh? Sério?! Nunca conheci alguém que viesse de uma ilha deserta para falar a verdade. Como é lá?
Como era uma garota do campo, Kaila era ingênua e não sabia.
— Deserto?
— Ah! Verdade, hahaha. O que vocês vieram fazer aqui em Ashley?
— Ashley? O que é Ashley?
— Vocês vieram para cá, mas não sabem nem isso?
— Bem, nosso barco foi pego em uma tempestade e acabamos vindo parar aqui, nós realmente não sabemos onde estamos.
— Entendi, eu sinto muito pelo barco de vocês. Bem, eu vou tentar lhes ajudar com o que eu puder. Quanto à sua primeira pergunta, Ashley é o nome desta vila no norte do reino de Asmigard.
— Reino de Asmigard...? Entendi. Como vocês chamam este mundo?
— Como nós chamamos? Drakonyan.
— Drakonyan? Esse nome tem algo a ver com dragões?
— De fato, tem, sim. Dizem que o nosso mundo é a terra dos dragões, mas eles não são vistos há milhões de anos. Não se sabe o que aconteceu com eles.
— Isso é curioso... Ah! Aquilo que você fez com a água, o que era mesmo que você disse?
— Eu não disse, mas é Manipulação de mana.
— Manipulação de mana?
— Ah! Mas você pode chamar de magia.