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Chegamos cedo demais

JohnTitor2036
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Synopsis
"Chegamos cedo demais" explora o intrigante Paradoxo de Fermi: a humanidade está sozinha no universo porque surgiu cedo demais no cenário cósmico. É essa crença que prevalece no ano 196 do Calendário Espacial, quando a colonização humana em Marte já é uma realidade. Neste mundo futurista, onde o progresso tecnológico convive com desafios sociais, ficção científica e dramas pessoais se entrelaçam. A história segue Marte-1549, um jovem órfão marciano que, ao atingir a maioridade, deixa o orfanato e começa a desvendar o mundo além de seu domo. Acompanhado de Moisés, um amigo e ex-órfão, ele descobre um planeta repleto de contrastes, desde a precariedade de algumas colônias até a peculiaridade de bares que oferecem bebidas exóticas e artificiais. Durante uma visita a um desses locais, os dois recebem uma notícia que abala todas as certezas: a X Company anuncia a descoberta de uma fonte de radiação infravermelha que pode ser de uma Esfera de Dyson, sinalizando a possível existência de uma civilização avançada, do tipo II na escala de Kardashev. Com um universo rico em detalhes e um pano de fundo fascinante, "Chegamos cedo demais" mistura exploração espacial, desigualdades sociais e o impacto de descobertas revolucionárias que podem mudar para sempre o lugar da humanidade no cosmos
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Chapter 1 - Novos Tempos

Estamos no ano 196, sim, você não leu errado, estamos no ano 196, mas não no calendário Gregoriano, mas sim em um novo calendário, chamado de Calendário Espacial, marcado por seu ano 1 sendo a partir da primeira expedição permanente à Marte, marcando a inter planetariedade humana, um dos maiores feitos da humanidade até então.

Não só a contagem dos anos mudou, como também como são estruturados os meses, a contagem das horas e minutos, agora temos 13 meses, sendo 12 meses com 30 dias e o 13º mês com 5 ou 6 dias, dependendo se é um ano bissexto ou não, conhecido como Mês da Confraternização Universal. Um dia passou a ter 10 horas e as horas passaram a ter 100 minutos e os minutos 100 segundos, um segundo do Calendário Espacial equivalia a 0,864 segundos do Calendário Gregoriano.

E hoje é o primeiro dia do ano 196, o dia em que a Terra e todas as colônias espaciais humanas param para comemorar mais um ano. 

Para a maioria da população era um dia de festa, mas para Marte-1549, o 1549º órfão do Orfanato Marciano da Colônia 7, era um dia de preocupação, o dia que ele completava sua maior idade e devia deixar o orfanato, além de escolher seu nome de "batismo". Junto dele, outros dois amigos, Marte-1540 e Marte-1556, sairiam em breve e planejavam morar juntos de Moisés, o antigo Marte-1533. 

Moisés havia marcado de encontrar Marte-1549 às 05:00 do calendário Espacial, equivalente às 12:00 do calendário gregoriano, na ala de visitas do Orfanato, uma sala simples, com 8 mesas quadradas com 4 lugares cada, espaçadas em 4 sessões de 2 mesas. Era uma ala pouco utilizada pelos órfãos mais velhos, eram poucas pessoas que se interessavam em visitar órfãos e alguns poucos pensavam em adotar e quando pensavam preferiam as crianças. Já faz mais de 7 anos desde a última vez que Marte-1549 esteve lá e Moisés só conhecia essa parte do orfanatos pelas histórias de quase adoção de seus amigos, já que entrou no orfanato "velho".

Os minutos não passavam para Marte-1549, faltavam apenas alguns minutos para poder acessar a ala de visita, porém a direção do orfanato era extremamente rigorosa no quesito de horário e não permitia sua entrada até que fosse a hora exata. Segurando sua pequena mala com as mãos e com elas suando muito, Marte-1549 não conseguia tirar os olhos do relógio.

— Esses malditos 5 minutos não passam, mais que porra! Quero sair logo dessa merda de lugar! — falou aos berros. — Libera aí pra mim, Atena! São 5 minutinhos só!

— Já falei, 15-4-9 (quinze, quatro, nove), você só sai daqui quando der a hora. Até lá você é de responsabilidade do orfanato… — disse Atena calmamente, mas logo fechou a cara, levantou o tom de voz e completou: — E vê se você fala direito, o caralho! Até parece que não recebeu educação aqui, seu filho de Deus!

— Tá bom, tá bom, desculpa aí.

Os dois se olharam por alguns segundos até caírem na gargalhada.

— Só você mesmo para me fazer rir em um momento desse, 15-4-9. Você vai deixar saudades. Se eu pudesse, eu te liberava, mas você sabe que não posso, né?

— Sei…

Atena começou a olhar para o horizonte através de uma pequena janela, enquanto Marte-1549 continuava olhando o relógio. Até que ela falou:

— Sabe, 15-4-9… Cada um de vocês que vai embora é como se fosse um filho meu deixando minha casa para ir morar sozinho. Só que, diferente de um filho, a maioria de vocês nunca mais volta para visitar sua "mãe". Vem aqui de vez em quando, 15-4-9. Você foi e é muito especial para mim. Cuidei de você desde o primeiro dia que pisou aqui até o dia de hoje. Segurei você nos braços enquanto ainda era um bebê… Mas, a partir de agora, é com você! Se tornou um homem! Vá viver sua vida, mas saiba que aqui tem alguém com quem você sempre poderá contar.

Marte-1549 não sabia o que dizer naquele momento. Aquela foi uma das maiores demonstrações de carinho e afeto que já tinha recebido em sua vida. Atena esteve presente em toda a sua trajetória, mas ele nem havia se dado conta de que, a partir de hoje, ela não estaria mais ao seu lado para ajudá-lo e tirá-lo dos problemas em que se metia. Por um breve momento, ele esqueceu das horas e começou a olhar fixamente para Atena. Os raios de sol que entravam pela janela a iluminavam, refletindo algumas lágrimas que escorriam de seu rosto. Notando isso, ele largou suas malas no chão, aproximou-se dela e falou com a voz trêmula:

— Aten…

— Deu sua hora, 15-4-9. Vá ser feliz! — disse ela, abrindo a porta da ala de visita e caminhando em direção ao interior do orfanato.

Marte-1549 ficou pensativo por um momento, mas tomou coragem, segurou sua mala e começou a caminhar em direção à porta. Até que escutou:

— 15-4-9! Dê notícias! Aaah, e manda um abraço para o Moisés. Esse é o nome que o 15-3-3 escolheu, né? Não vai muito na onda dele, não. Ele já te meteu em muitos problemas — disse ela, com um sorriso no rosto, enquanto algumas lágrimas escorriam.

— Pode deixar, Atena! Esse mesmo! Não sei de onde ele tirou esse nome, mas o 15-3-3 agora se chama Moisés.

Toda preocupação e aflição que ele sentia há pouco parecia ter ido embora, dando lugar a um êxtase em descobrir o desconhecido. Ao entrar na sala, já notou Moisés, o único que estava ali, com a barba por fazer e roupas mais simples.

— Fala, 15-3-3! Ou melhor, Moisés! Como você está, cara?

— Estou bem demais! E aí? Ansioso para explorar o mundo lá fora?

— Você me conhece… Já nasci pronto! Bora!

— Assim que eu gosto!

Eles se abraçaram, exibindo grandes sorrisos no rosto. Mas logo Moisés começou a ficar sério e a observar calmamente todo o ambiente, cada cantinho daquela sala.

— Então é assim a famosa sala da ala de visita…

— Isso mesmo. Fazia anos que eu não vinha aqui. A última vez foi com um casal esquisito que estava pensando em me adotar — disse Marte-1549, enquanto também observava atentamente o lugar com um sentimento de nostalgia. — Aqui está mais derrubado do que eu me lembrava — falou ele, rindo.

— Nesses seis anos que morei aqui, eu nunca recebi visitas. Ninguém nunca pensou em me adotar. Só ouvia as histórias dessa sala e imaginava como ela seria.

— Mas e quando você foi embora? Não passou por aqui?

— Não, até porque não tinha ninguém me esperando aqui fora, então apenas saí. Se não fosse por você e os meninos, eu teria certeza de que ninguém iria sentir minha falta aqui.

Em poucas palavras, o clima de alegria pelo reencontro se tornou pesado, e o silêncio pairou no ar, até ser interrompido pelo próprio Moisés.

— Vamos embora daqui. Não gosto desse lugar.

— Vamos sim, mas como saímos daqui?

— É só seguir o pai — falou Moisés, gargalhando.

Moisés foi na frente, até chegar na porta de uma espécie de domo que cobria todo o orfanato. Antes da saída havia uma pequena ala de descontaminação, onde era jogado no ar uma espécie de vapor enquanto eles ficavam com os braços abertos para atingir maior área.

— O que é isso, Moisés?!? — falou Marte-1549, preocupado.

— Relaxa, é só para descontaminação. Os locais mais "chiques" possuem isso e, por incrível que pareça, o orfanato é considerado um bom lugar para se viver.

— Não acredito nisso. Você tá me tirando?

— É sério! Isso é para descontaminação. Só abra os braços e relaxa.

— Não estou falando disso. Estou falando do orfanato ser considerado um bom lugar para se viver.

— Sim, por incrível que pareça ele é. Quer ver? Eu te provo rapidinho. Quando sairmos por aquela porta, quero que você dê uma respirada bem funda.

— Combinado, deixa comigo.

Marte-1549 ficou apreensivo, sem saber o que ia acontecer, só com a certeza de que provavelmente era mais uma das pegadinhas do Moisés. Assim que a porta abriu, Moisés fez um gesto com os braços, dando passagem para que Marte-1549 passasse. Ele olhou bem nos fundos dos olhos de Moisés, meio desconfiado, segurou a respiração, deu dois passos rumo à saída e respirou profundamente.

— Cough! Cough! Aaaaaah, o que é isso, Moisés! Cough! Cough! Que ar seco da porra! Cough! Cough! Minha garganta e nariz estão super secos agora. Cough! Cough! O que você fez?

Moisés nem conseguia responder. Caiu na gargalhada ao ver Marte-1549 revoltado e sem conseguir respirar direito.

— Eu não fiz nada. O ar aqui fora é assim.

— Como assim? Não é possível! Como as pessoas vivem assim?

— Acredite, é assim. A qualidade do ar do domo central é bem ruim nessa colônia. Dizem que em algumas colônias o ar se iguala ao da Terra, mas acredito que seja só boato. Em alguns lugares que possuem seus próprios domos, a qualidade do ar costuma ser melhor, como é o caso do orfanato.

— Eu achava que existia apenas um domo protegendo a gente do exterior…

— Para a maioria das pessoas é assim que funciona. Mas olhe para trás e verá que o orfanato possui seu próprio domo, que fica dentro do domo central. Posso te dizer que uma das poucas coisas que sinto falta de lá é do ar.

— Pelo visto, eu também vou sentir. Cough! Cough! Mas e agora? Para onde vamos?

— Vamos lá para casa — falou Moisés, enquanto mexia em seu pulso, onde havia uma espécie de dispositivo acoplado em seu traje.

Mesmo dentro do domo, era muito comum todos andarem com trajes espaciais, por causa do que poderia ocorrer caso o domo despressurizasse ou simplesmente tivesse qualquer pane. Era algo raro, mas, quando acontecia, costumava ser fatal para quem estivesse sem os trajes.

— Caramba, que chique! Onde eu consigo um dispositivo desses, Moisés?

— É só trabalhar e comprar o seu — disse Moisés, rindo. — Isso aqui você compra rápido, é baratinho, são apenas uns 0,02 satoshis mais ou menos.

Enquanto falavam, rapidamente chega um carro autônomo, que abre as portas para que os dois entrem.

— Entre, 15-4-9, ele não morde — falou Moisés, rindo.

— Haha, engraçadinho. Eu morei a vida toda no orfanato, mas já vi um desses nos vídeos e filmes.

— Olha só, o homem sabe das coisas.

— Aaah, Moisés, mudando de assunto. Todo mundo tá curioso: por que você escolheu esse nome? Você nem é religioso!

— Eu escolhi esse nome porque eu vou abrir o mar vermelho — respondeu Moisés, todo orgulhoso, enquanto o veículo seguia seu caminho.

— Mas aqui nem tem mar? — Marte-1549 fez uma cara super confusa enquanto encarava Moisés.

— É o Mar de Areia, 15-4-9! O Mar de Areia! Eu vou explorar cada canto desse planeta e alcançar feitos que ninguém nunca sonhou! Vou marcar meu nome na história.

— Ooooh, senti firmeza! Mas quem vai marcar o nome na história sou eu! Você pode entrar como meu ajudante.

Os dois caíram na gargalhada nesse momento. Assim que cansaram de rir, Moisés ficou sério e perguntou:

— E você? Já pensou no seu nome?

— Ainda não, mas não estou com pressa.

— Eu acho bom você ter pressa. Sem nome você não consegue tirar sua identificação e, sem ela, não consegue emprego e não faz praticamente nada aqui.

— Eu sei… Estou pensando.

Os dois ficaram em silêncio por um momento. Marte-1549 estava bem pensativo, quando começou a observar as construções à sua volta enquanto o veículo seguia seu caminho. O trânsito fluía muito bem, os acidentes eram raros e não havia praticamente nenhuma interação humana nos veículos. Marte-1549 nunca havia estado fora do orfanato. Para ele, tudo aquilo era novidade, o que o deixava maravilhado. O que conhecia havia sido através da internet do orfanato, que possuía uma série de filtros e censurava vários conteúdos considerados sensíveis para os órfãos.

— Tudo aqui parece ser maior do que nos vídeos que já vi… Olha esse trânsito, é um completo caos, mas tudo flui tão bem. Como é possível esses carros não colidirem?

Moisés ouvia enquanto Marte-1549 falava, maravilhado.

— Isso é o progresso, meu amigo. O ser humano criou máquinas incríveis. Esse é apenas a pontinha do iceberg. Você ainda vai ver coisas que vão te deixar impressionado.

O veículo começou a entrar em uma área com construções mais antigas. Os prédios possuíam várias marcas do tempo, como ferrugem, tinta descascando e alguns metais retorcidos. As pessoas à volta eram mal encaradas, todas com olhares ameaçadores, e a maioria não usava trajes espaciais, mas roupas "internas", como eram chamadas as roupas usadas nos interiores das construções. Marte-1549 foi reparando nesses detalhes e começou a se assustar.

— Aonde estamos indo, Moisés? Você mora por aqui?

— Você vai ver — disse Moisés com um sorriso lateral no rosto e uma expressão de quem está aprontando alguma coisa. — Vou te levar para um lugar onde você vai experimentar algo que jamais imaginou.

— Como assim, Moisés? O que você está fazendo? — Marte-1549 se assustou ainda mais com a fala do amigo.

O veículo então começa a reduzir a velocidade até parar em frente a um prédio com um letreiro neon escrito "Vermelho dos Infernos", que possuía uma porta bang-bang, similar às portas do velho oeste, mas uma versão mais moderna, feita de metal, porém já estava bem enferrujada; o tempo havia deixado sua marca ali. Ao lado dessa porta, estavam dois homens grandes. Um possuía metade do rosto robótico, com um olho biônico vermelho e dentes de metal. Usava uma jaqueta de couro preto com alguns detalhes de luz neon e uma calça jeans, também com esses detalhes. O segundo estava sem camisa, exibindo um peitoral enorme e abdômen bem definido. Também possuía dois braços robóticos de tamanho desproporcional ao corpo, com as mãos quase alcançando o chão. Ele usava uma calça jeans e estava descalço, suas pernas destoando muito do corpo, pois eram bem finas. A impressão era de que ele treinava apenas os músculos superiores do corpo.

Antes mesmo de descerem do veículo, esses homens começaram a andar em direção ao veículo.

— O que esses caras estão vindo fazer aqui, Moisés? Eles vão matar a gente, cara! Sai daqui!

— Calma, 15-4-9, calma.

— Calma nada, esperei 18 anos para sair daquele lugar e não quero morrer aqui…

Enquanto Marte-1549 falava, ele foi interrompido com o veículo parando, e o homem de braços robóticos apoiando seus braços em cima dele. O peso dos braços era tanto que o veículo chegou a rebaixar sua lateral. Após se apoiar, o homem falou:

— O que as duas princesas vieram fazer aqui?

— Esse é o jantar, Mãos de Ferro! — disse o homem de olhos biônicos, rindo de uma forma maléfica.

— Viemos afogar as chamas do Inferno — falou Moisés com uma cara de poucos amigos.

Essa fala fez com que os dois homens parassem de rir e dessem passagem para Moisés e Marte-1549 entrarem no prédio. Os dois então desceram do veículo e começaram a caminhar rumo ao prédio. Marte-1549, sem entender nada, passou observando os dois homens, sem acreditar no que tinha acontecido. Após passar o homem com olhos biônicos, que estava mais atrás, ele cochicha com Moisés:

— Como você fez isso? Achei que íamos morrer!

— Essa é a senha do bar, sempre que você quiser vir aqui é só falar ela.

— Você quase nos matou para ir em um bar? Você está de brincadeira!

— Não é só um bar, 15-4-9, esse é o bar! Aqui possui praticamente todas as bebidas do Sistema Solar, algumas você só encontra aqui.

Ainda desconfiado, Marte-1549 continuou seguindo seu amigo até a porta bang-bang. Ao chegar nela, podia ver melhor o interior do bar. Havia um corredor com várias luzes neon que davam para outra porta, que possuía uma pequena abertura lateral com um vidro extremamente grosso, para conversar com algum atendente ou secretário. Não era claro para o que servia à primeira vista.

Quando chegaram nessa porta e não havia mais para onde ir, uma porta metálica desceu do teto atrás da porta bang-bang, deixando os dois trancados naquele corredor. Assim que soou o barulho da porta, apareceu uma pessoa na abertura lateral e ficou encarando-os.

— Viemos afogar as chamas do Inferno. — falou Moisés, enquanto entregava os seus dispositivos eletrônicos para a pessoa que havia aparecido na abertura. Da mesma forma que apareceu, sumiu ao ouvir essas palavras, e a porta à frente dos dois se abriu, revelando um grande espaço com muitas pessoas e música alta.

— Me siga, Marte-1549, conheço um bom lugar aqui para conversarmos.

Marte-1549 nem contestou, continuou seguindo seu amigo, mas ainda estava bem apreensivo com tudo aquilo; tudo ainda era novo para ele.

O local estava cheio de pessoas, em sua maioria não usavam trajes espaciais e exibiam suas próteses robóticas com orgulho. Eram raras as pessoas que não possuíam alguma parte do corpo artificial. A decoração do lugar era repleta de neon, com as paredes bem velhas, lembrando metal enferrujado e com muitos amassados e arranhados, como se fossem marcas de batalhas. Marte-1549 e Moisés se destacavam na multidão e todos ao redor iam parando o que estavam fazendo para observar os dois caminhando em direção a um dos vários balcões que existiam ali.

Ao chegar no balcão, surgiu um robô com uma espécie de máscara demoníaca. Seus olhos emitiam uma luz vermelha intensa e do seu nariz subia uma fumaça. Ele analisou rapidamente os dois novos clientes e exibiu um grande holograma na frente dos dois com o cardápio do local.

O cardápio era vermelho com letras pretas, decorado com vários detalhes similares à máscara do robô. A lista de opções do cardápio era imensa e, em sua maioria, de bebidas.

— Vou querer um drink das profundezas — disse Moisés para o robô, e quase instantaneamente o robô retirou o drink de sua barriga, onde havia um compartimento. Era um drink azul viscoso e no alto do copo havia uma espécie de polvo mutante. — Pode pedir o que quiser, 15-4-9, é por minha conta hoje! Só não peça os drinks da Terra. — disse Moisés gargalhando.

— Por que não os drinks da Terra?

— Olha só os preços, são extremamente caros. São feitos de materiais vindo da Terra, algumas coisas que vão nesses drinks até hoje não conseguimos produzir em Marte, e outras até produzimos, mas a qualidade é pior aqui do que lá.

— Entendi. Mas e essa vitamina de banana? Por que é tão cara? É até mais cara que as bebidas da Terra… E o que é banana?

Moisés começou a rir do amigo e, após um tempo, respondeu:

— Banana era uma fruta bem comum na Terra, mas eram praticamente todas clones umas das outras. Até que um dia, uma praga se espalhou e, por serem clones, praticamente todas as plantas que davam banana morreram. Em poucos meses, deixou de ser uma fruta comum para entrar em extinção.

— E como tem essa vitamina então?

— Aí que tá, as bananas entraram em extinção na Terra e, em pouco tempo, a praga chegou nas outras colônias fora da Terra também, por conta do comércio. Mas esse bar, de alguma forma, possui um fornecedor de bananas. Até hoje, esse é o único lugar que vi essa bebida, e pessoas de vários locais de Marte e do Sistema Solar vêm até aqui apenas para bebê-la. Um dia ainda vou provar.

— E esse bicho da sua bebida aí? Que negócio estranho…

— Esse aqui é um polvo mutante. Após alguns experimentos clandestinos aqui em Marte, chegaram nesse bicho estranho e descobriram que ele produz uma substância que possui um efeito alucinógeno intenso, mas praticamente não tem nenhuma sequela. Você alucina por horas em sua cabeça, mas para quem está de fora, são poucos segundos.

— E não vicia? Não faz mal?

Moisés pensou por alguns segundos, enquanto olhava para o teto.

— Viciar… Hmmm, dizem que não, até porque você fica muito saciado após beber. Eu pessoalmente fico sem vontade nenhuma de beber uma segunda dose. Esse é um dos motivos dela ser tão popular, é barata, possui um efeito muito rápido e é pouco danosa para o corpo.

— Caramba, Moisés, você é uma enciclopédia humana! Como você aprendeu tudo isso? Lá no orfanato você não era tão inteligente assim.

Os dois caíram na gargalhada, enquanto o robô continuava encarando os dois, esperando que Marte-1549 fizesse seu pedido.

— A maioria das suas dúvidas eu também tive quando saí do orfanato, é por isso. Ah, e também porque viajo bastante em meu emprego, o que faz com que eu converse com muitas pessoas. Mas trocando de assunto, você não vai pedir algo? Aproveita que eu tô pagando.

— Eu vou querer um Suco de Laranja!

Moisés caiu na gargalhada, enquanto Marte-1549 estava confuso, sem entender o motivo da graça.

— O que foi, Moisés?

— Você já é maior de idade! Pode pedir qualquer coisa, por que pedir algo que você tomava até no orfanato?

— As bebidas de lá não tinham gosto, só a cor. Quero ver se aqui fora é diferente.

— Hahaha, faz sentido. Nessa eu tenho de concordar com você, até hoje não experimentei os sucos daqui de fora. Pede aí para o robô.

— Um suco de laranja, por favor.

Da mesma forma que o robô havia feito anteriormente, ele fez agora. De forma extremamente rápida, retirou a bebida de sua barriga e logo entregou para Marte-1549. Assim que entregou, ele desapareceu.

— Um brinde a sua maioridade, 15-4-9!

— E a minha companhia, agora tenho um ajudante para fazer história aqui fora.

Mais uma vez, os dois caíram na gargalhada.

— Quero ver você comer esse polvo, isso parece ser muito nojento.

— Percebi que você achou nojento pela sua cara na hora que chegou o drink, hahaha. Mas deixa comigo.

Em uma golada só, Moisés tomou todo o drink e bateu fortemente o copo no balcão. Assim que ele bateu o copo, seus olhos ficaram vidrados, olhando para a sua frente por cerca de 3 segundos, enquanto Marte-1549 observava o amigo e tentava imaginar o que se passava em sua cabeça.

— Uuuuh, que irado! Acabo de visitar 10 planetas e me tornar imperador em dois deles!

— Como assim, cara? Hahaha.

— Posso ficar a noite toda te contando como foi a minha viagem. Quer ouvir?

— É claro!

Assim que Marte-1549 respondeu, Moisés, a música parou, a iluminação ficou mais forte e tudo ficou mais claro. Os robôs que atendiam os clientes sumiram, e vários projetores...

Estavam no local e Marte-1549 nem tinha notado direito, mas agora se destacaram. Um grande temporizador aparecia neles, com uma voz grave emitindo a seguinte mensagem:

— Atenção, todos os moradores da Colônia 7 para a contagem de 5 segundos. 5, 4, 3, 2, 1.

Ao término da contagem, apareceu o robô portador dessa voz e continuou falando:

— A X Company, melhor administradora de colônias de Marte, tem um aviso importante para todos os moradores.

Assim que falou isso, o robô deu lugar a um humano muito bem vestido e com a aparência de ter por volta de 25 anos.

— Olá a todos os clientes da X Company, temos o orgulho de anunciar uma das maiores descobertas da humanidade. Nossos satélites detectaram uma fonte de radiação infravermelha. Mas o que é isso, vocês devem estar se perguntando?

— Eu estava mesmo.

Cochichou Marte-1549.

— Isso nem eu sei o que significa, 15-4-9.

Falou Moisés rindo.

— Isso provavelmente é uma Esfera de Dyson, uma forma de captar praticamente toda a energia emitida por uma estrela. O que significa que, pela primeira vez na história, podemos estar detectando outra forma de vida inteligente no Universo. E o mais impressionante é que provavelmente essa forma de vida possui maior conhecimento tecnológico do que nós. Pelo fato de conseguirem extrair toda a energia, devem ser pelo menos do Tipo II na escala de Kardashev. Atualmente, estamos na escala de 1.22, para se ter uma ideia. Fiquem atentos que em breve traremos mais notícias.

Nesse momento, o humano saiu e deu lugar novamente ao robô.

— A X Company agradece a atenção de todos os clientes.

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Nota explicativa:

Satoshi vem do Bitcoin. 1 Bitcoin possui 100 milhões de Satoshis, então 2 centavos de Satoshis seria o equivalente em Bitcoin a 0,0000000000020. O Bitcoin se tornou tão difundido na sociedade que supervalorizou, e atualmente foi preciso adicionar mais 4 casas decimais. Porém, devido ao costume, as pessoas ainda chamam satoshis pelo valor que tinha e apenas adicionaram as 4 novas casas decimais depois da vírgula. O termo "Bitcoin" vem caindo até mesmo em desuso no dia a dia por ser extremamente raro encontrar alguma pessoa ou empresa que possua tal quantia, tendo o termo "Satoshi" como mais usual.