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Chapter 19 - Capítulo 19 — Nascer das Cinzas

O calor abrasador e o cheiro acre da fumaça despertaram Sarah em um pesadelo. Seus olhos se abriram lentamente, lutando contra a confusão que a envolvia como uma neblina opressiva. A cabeça latejava, e cada movimento enviava ondas de dor por todo o corpo, como se mil agulhas a atravessassem.

— Fogo... — balbuciou, a realidade se desdobrando em horror à sua volta. — A casa está pegando fogo!

A fumaça invadia seus pulmões, tornando a respiração difícil, quase impossível. O som das chamas crescendo ressoava ao seu redor, como uma sentença de morte ecoando em sua mente. O pânico começou a se instalar, e ela sabia que precisava agir rapidamente.

— Preciso... sair daqui! — Sarah gritou, tentando se levantar, mas a fraqueza a mantinha presa ao chão, como se o próprio peso do desespero a segurasse.

Seu coração disparou ao lembrar-se do bebê. Instintivamente, apertou a barriga com as mãos, sentindo um leve movimento.

— Anna... ela levou meu bebê? Ou foi um sonho, uma alucinação?

A confusão a cercava, mas uma única verdade emergiu com clareza: ela precisava sair dali viva e procurar pelo seu bebê depois.

Com um esforço desesperado, forçou-se a se mover, rastejando até a única saída que conhecia: o alçapão que levava ao telhado — uma rota de fuga que identificara em seus dias de confinamento. Seus dedos trêmulos lutaram para destravar a saída, mas, com um impulso desesperado, a passagem cedeu.

Quando finalmente conseguiu abrir a passagem, o ar fresco do lado de fora a atingiu como um soco no estômago. Mas o alívio foi breve e fugaz. Ao alcançar o telhado, uma dor aguda percorreu seu corpo, e ela caiu de joelhos, ofegante.

— Não... Não agora... — sussurrou para si mesma, sentindo um líquido quente escorrendo por suas pernas. O inevitável havia começado: o parto estava em andamento. As contrações vinham rápidas e ferozes, rasgando seu corpo com uma intensidade indescritível. Lágrimas de dor e desespero escorriam por seu rosto.

Enquanto as chamas continuavam a devorar a casa abaixo dela, Sarah concentrou-se em uma única coisa: salvar a vida que carregava dentro de si. Com um esforço que exigiu todo o restante de suas forças, ela deu à luz ali, sob o céu estrelado e indiferente. Era uma menina.

Envolveu a pequena em uma manta improvisada, rasgando parte de suas próprias roupas com mãos trêmulas. Sentiu o calor frágil daquela vida contra o peito e lágrimas de alívio e dor escorreram por seu rosto.

— Você está viva... minha pequena... — sussurrou com a voz trêmula, cada palavra uma promessa silenciosa de proteção.

Com dificuldade, Sarah avistou uma árvore próxima cujos galhos se estendiam até o telhado. Sabia que precisava descer antes que as chamas alcançassem aquele refúgio temporário.

— É agora ou nunca... — murmurou para si mesma, abraçando a filha com força contra seu coração acelerado.

Segurando-se nos galhos com determinação renovada, Sarah desceu com cuidado. Cada movimento era um teste de resistência; seus músculos gritavam em protesto enquanto ela lutava contra as dores do parto e os efeitos do incêndio. O pensamento de proteger sua filha era sua única motivação.

Ao tocar o chão, suas pernas cederam sob o peso da exaustão e da dor, mas ela se forçou a levantar-se. Descalça, ferida e exausta, começou a caminhar em direção à estrada, o bebê seguro em seus braços. O vento frio da noite chicoteava sua pele como um lembrete cruel do que havia deixado para trás.

— Por favor... Alguém... Ajude... — murmurava entre soluços, cada passo mais doloroso que o anterior.

Finalmente, ao longe, avistou os faróis de um carro se aproximando como um farol de esperança em meio à escuridão. Reuniu suas últimas forças e acenou desesperadamente.

O carro parou abruptamente e uma mulher desceu rapidamente, os olhos arregalados de preocupação.

— Meu Deus! O que aconteceu com você? — exclamou enquanto ajudava Sarah a se apoiar no veículo.

— Por favor... à rede Lewantys... — murmurou Sarah, a voz quase inaudível devido ao cansaço extremo. — Minha filha precisa... de ajuda.

A motorista ajudou Sarah e a bebê a entrar no carro e acelerou em direção ao hospital como se estivesse fugindo do inferno atrás delas.

Quando chegaram, enfermeiros vieram correndo ao encontro delas. 

— Salvem minha filha... — implorou Sarah antes de cair inconsciente no chão frio da emergência.

Os profissionais agiram rápido; gritos e ordens preenchiam o ar enquanto eles trabalhavam freneticamente para estabilizar as duas. Mas o peso do que havia acontecido começava a se revelar nas expressões preocupadas dos enfermeiros. A bebê foi levada para cuidados intensivos enquanto Sarah era estabilizada.

Por um breve momento, Sarah recobrou a consciência em uma sala de emergência improvisada. Sentiu o peso das responsabilidades esmagá-la; sabia que não poderia permanecer ali por muito tempo... Anna a encontraria facilmente ali.

— Minha filha... ela está bem? — murmurou para uma enfermeira próxima que passava apressada.

— Ela recebeu os primeiros socorros, mas ainda precisa de muitos cuidados e acompanhamento... — respondeu a enfermeira com um olhar sério, olhando para a bebê que estava nos braços de Sarah. As palavras atingiram Sarah como um golpe no estômago.

Com um esforço tremendo, pediu papel e caneta e escreveu com dificuldade:

"Dr. Arthur, confiando em sua competência e seu coração, peço encarecidamente que cuide da minha filha. Não posso ficar com ela agora... estou em risco. Voltarei para buscá-la... em breve."

Com o último resquício de força restante dentro dela, Sarah cambaleou pelo corredor silencioso do hospital, evitando qualquer olhar que pudesse detê-la. Determinada e desesperada, se dirigiu furtivamente à sala do Dr. Arthur. Com mãos trêmulas e coração acelerado, prendeu o bilhete às roupas da bebê e inclinou-se para depositar um beijo suave em sua testa — um gesto carregado de amor incondicional.

Por fim, com o coração pesado como chumbo e lágrimas nos olhos, deixou a pequena sobre a mesa confiando que ali estaria segura.

As portas de vidro do hospital se fecharam atrás dela com um estalo ensurdecedor; enquanto a noite envolvia seu caminho solitário na escuridão crescente, o eco de seu sacrifício ressoava em sua mente tumultuada.

O hospital iluminado pelas luzes brancas e frias seria apenas o início de uma nova jornada — uma história repleta de perdas e reencontros ainda por escrever sob os olhares indiferentes das estrelas testemunhas daquela noite fatídica.