Alguns dias haviam se passado desde o acontecimento e eu não havia recebido nenhuma ligação, mensagem, ou qualquer outro tipo de contato. Aquilo estava me deixando irritada, chateada e triste. Eles prometeram me explicar, não prometeram? Eu sei que, talvez, eu estivesse apenas sendo uma pessoa chata, era possível. Sempre tive fama de ser imediatista, e talvez aquilo fosse devido a minha ansiedade, que estava insuportável naquele momento.
Sam não estivera na faculdade desde o ocorrido e eu sentia falta dele. Os professores disseram que ele estava doente e ficaria com os familiares por um tempo, mas não sabiam ao certo se isso seriam dias ou semanas. Eu sentia que todos sabiam o que estava acontecendo, menos eu. E podem chamar do que quiserem: loucura, ansiedade, transtorno, mas eu sabia que aquele lugar escondia muito mais do que qualquer um poderia imaginar, e eu estava sedenta para descobrir.
***
Finalmente era sexta-feira e eu estava saindo da faculdade para ir embora. Percebi que haviam pouquíssimos alunos naquele dia, visto que estávamos com um alerta de tempestade. O dia estava bem nublado e escuro, e eu só queria chegar em casa para abraçar meu gato e chorar minhas mágoas. Algo que eu estava fazendo com um certa frequência desde que me mudei para Nova Orleans, e tinha certeza de que meu gato já estava cansado daquilo.
"Hey" - Ouvi uma voz conhecida atrás de mim, me pegando de surpresa. Era Sam.
"Hey? O que quer dizer com "Hey" depois de sumir por esse tempo todo? Me poupe!
Ele pareceu magoado, como se minhas palavras tivessem sido um tapa, mas antes que ele pudesse responder, Leo surgiu rapidamente, com um olhar severo para mim.
"Sério, Maya? Você não precisa ser tão estúpida assim." - disse, tentando defender o mais novo.
Eu sabia que estava sendo mais rude do que eu queria, mas aquilo tinha me magoado muito.
"E quem é você para falar sobre estupidez? Vocês todos desaparecem e voltam como se nada tivesse acontecido. O que vocês querem? Um prêmio de consolação?" - eu disse, aumentando meu tom de voz.
"Espera, espera" — Sam tentou intervir, levantando a mão e se colocando entre nós dois. — "Esse não é o caminho certo para resolver as coisas, galera." - disse ele, demonstrando preocupação.
"Não precisa fazer o papel de pacificador, Sam" — retruquei, ainda mantendo o olhar na direção de Leo.
"Olha, eu só estou te dizendo para não ser tão cabeça dura." — Leo disse, tentando manter a calma. — "Você não pode simplesmente atacá-lo, ou ser rude, sendo que ele está aqui tentando se explicar. Algo que ele nem mesmo precisava".
Aquela frase me colocou no meu lugar. Realmente... ele não precisava se explicar. Nós não tínhamos aquele tipo de relacionamento e eu nem mesmo entendia o motivo de estar tão chateada e irritada.
" Querem saber? Isso não faz sentido!" — respondi. - "Não faz sentido eu ficar aqui discutindo com vocês".
"Às vezes, você precisa ouvir antes de julgar" — Leo insistiu, cruzando os braços.
"Você se acha tão certo, não é? A rainha da moral". — Eu rebati com desdém, fazendo com que ambos me olhassem. Sam parecia estar se divertindo com aquela frase, mas Leo parecia ter ficado com mais raiva.
"Você fica aí com essa sua postura de "sou o melhor", precisa aprender a ficar quieto." — Eu não consegui segurar as palavras e pressenti que a discussão só ia piorar. Eu já sentia meu corpo queimar, como tinha acontecido na mata alguns dias antes. O vento também já estava ficando mais forte, mas ignorei este fato porque estávamos em um alerta tempestade.
"Você não sabe nada sobre mim" - ele disse entre os dentes.
Kael surgiu minutos após o início da discussão, parecendo perplexo com a tensão no ar.
"Oi, pessoal! Calma aí... Que tal a gente ir para casa, conversar? Aqui não é um bom lugar para isso.
"O que?" — Leo imediatamente se virou para Kael. — "Você não pode estar falando sério! Como ela merece essa "conversa" depois de ser tão ríspida?"
"Nós a colocamos em risco" - respondeu Kael enquanto dava um olhar de advertência para Leo. - "E acredito que ela esteja em busca de algo também." - Ele disse, por fim, olhando para meu colar.
"Não tenho que falar nada com vocês. E definitivamente não vou para a casa de vocês." — Minha resposta deixou o grupo em silêncio por um breve momento. Eu estava apenas sendo birrenta naquele momento e eu já tinha percebido isso.
A expressão de Leo se endureceu mais ainda, e em um impulso, ele me pegou e me jogou sobre seu ombro.
"O que você está fazendo?! Leo, me coloca no chão!" — gritei.
"Se você não quer ir de bom grado, vai assim mesmo!" — Ele disse, enquanto eu debatia as pernas.
Ele segurou minhas pernas de uma forma que eu parasse de batê-las e ignorou Sam e Kael mandando-o me soltar.
"Você está louco! Isso é abuso!" — Por um impulso, mordi as costas dele, e me surpreendi com o tapa que ele deu na minha bunda, um gesto que me deixou sem reação.
Para ser sincera, acho que nem ele entendeu o que tinha feito, pois seu corpo ficou rígido, e quando olhei para os dois atrás de nós, eles estavam boquiabertos, apesar de que Sam logo começou a esconder suas risadas.
A tempestade estava se intensificando e eu percebi que precisaria ir, mas não sem meu gato. Eu não o deixaria sozinho sabendo que a tempestade seria forte.
"Ok, tá bom! Eu concordo em ir para a casa de vocês, mas primeiro preciso buscar meu gato. Ele vai ficar sozinho durante a tempestade, e eu me recuso a deixar isso acontecer."
O grupo avaliou a situação. Não que eles não gostassem de gatos, mas eles sabiam que junto viria a areia, a comida, os pelos espalhados pela casa.
"Tudo bem, só anda logo" — Leo concordou, me lançando um olhar de desconfiança. - "Não ouse sair correndo, porque eu vou te alcançar e te arrastar pelo cabelo".
"Calma, galera" - Kael disse tentando acalmar os ânimos.
"E quem disse que eu não gostaria disso?" - Eu disse, apenas para vê-lo desconcertado.
No fundo, eu sentia que essa conversa poderia me trazer algumas respostas e eu não queria discutir com os únicos amigos que eu tinha feito. O que mais louco eles poderiam me contar, que eu não tivesse lido em livros? Além disso, talvez, só talvez, uma nova dinâmica entre nós começaria ali, algo que nos levasse a ser mais sinceros uns com os outros, ou que me fizesse não brigar com Leo.
***
Passamos em meu apartamento e Sam entrou comigo para me ajudar a pegar as coisas, eles disseram que seria melhor eu dormir na casa, e lembrei-os da noite em que dormi lá. Apesar disso, eles asseguraram que nada ocorreria, e sendo sincera, eu sempre me colocava em situações complicadas, então concordei.
"Desculpe pela minha grosseria, Sam" – Eu disse quando estávamos dentro do apartamento.
"Não se preocupe" – ele respondeu, sendo um fofo como sempre, tocando levemente no meu rosto, fazendo-me corar. – "Você não entende como nós gostamos de você e não queremos te machucar." – Ele continuou.
"Nós quem?" – eu dei risada – "Leo me jogaria na fogueira, se pudesse." – Comentei, com um sorriso sarcástico.
Ouvi Sam rir pela primeira vez depois do nosso encontro na faculdade, e parecia ter amenizado o ar ao nosso redor.
"Ele é o que mais gosta de você, mas você precisará ter paciência."
Eu definitivamente não acreditava nas palavras dele, mas senti meu coração bater rapidamente, pois, de certa forma, eu ficaria feliz se aquilo fosse real.
"O que iremos te contar hoje talvez mude nosso relacionamento. Então eu te pedir que você tente entender o nosso lado também" – ele disse com os olhos baixos, enquanto afagava meu gato, que o aceitou de bom grado. – "Agora precisamos ir, porque Sam está dando uma bronca no Leo" – ele disse sorrindo novamente.
"Como você sabe? – perguntei e o vi dando de ombros.
Eu deixei quieto porque sabia que logo eu teria as respostas. Peguei meu gato e tudo aquilo que achava necessário. Incluindo uma arma de choque que meu pai tinha me dado. – "Vai que..." – eu pensei.
***
Assim que chegamos na mansão, senti uma mistura de familiaridade e tensão. A atmosfera parecia diferente com os eventos recentes, as imagens cismavam em retornar e os sons de uivos ecoavam na minha memória. Percebendo que eu estava nervosa, Kael me deu um aperto no ombro, algo como se estivesse dizendo "Está tudo bem!"
"Então... aqui estamos de novo" - eu disse, forçando um sorriso para quebrar o gelo. Eu segurava meu gato forte e ele parecia entender que aquele momento eu precisava de conforto.
Leo foi para a cozinha, no intuito de chamar os outros, ou talvez fugir do clima pesado que ficou entre nós. Sam e Kael me direcionaram para a biblioteca, onde existiam várias cadeiras grandes, pareciam poltronas na verdade, e elas continham nomes. Aquele local sim me deixava animada, eu pensava em todos os possíveis livros que existiam ali e quanto tempo eu precisaria para ler todos eles.
Kael percebeu minha animação.
"Você pode ler quantos livros quiser" - ele disse, como se lesse minha mente.
Eu apenas sorri e vi quando Sushi, meu gato, que até então estava em meu colo, decidiu que estava cansado de ser apertado e, em um salto, se deitou em uma das maiores poltronas, onde estava escrito o nome de Kael. Coloquei o corpo para frente, como se fosse tirá-lo de lá, mas Kael me interrompeu e se sentou no chão, ao lado da cadeira, sem reclamar, como se o gato fosse o dono do local. E em questão de segundos, ele já estava dormindo, ignorando qualquer barulho de trovão ou de conversa.
"Quer um café?" - perguntou Eli, surgindo na biblioteca com duas garrafas e um sorriso nervoso, sendo seguido por Rael.
"Claro" - eu respondi rapidamente.
Me sentei na poltrona, colocando meu gato para o lado, fazendo-o reclamar. Ele se acomodou e relaxou novamente.
"Desculpem-me pela minha grosseria" - eu disse
"Não se preocupe!" - Sam respondeu animado, como sempre. - "A verdade é que estamos preocupados com você."
"Eu não entendo o porquê vocês estariam preocupados comigo." - eu disse, firme. - "O que aconteceu aquele dia?".
A expressão no rosto de Leo mudou, e ele finalmente falou em um tom mais suave, buscando pelas palavras corretas: "Esse não é um assunto fácil de abordar, é difícil para todos aqui, mas não havíamos pensado que você faria algo idiota, como ir à mata aquele dia." - Ele disse, levando uma cotovelada na costela. - "Mas precisamos que você saiba que as coisas são diferentes, nós somos diferentes."
Eu apenas levantei a sobrancelha para eles, como se incentivasse a continuar. Leo olhou para o grupo e eles trocaram olhares nervosos. O clima tenso parecia se intensificar e por alguns minutos o silêncio reinou.
"Vamos começar do começo," - Eli disse, quebrando o silêncio. - "Existem coisas que nós não podemos simplesmente ignorar. O que aconteceu na mata não foi um acidente, quero dizer, em partes foi. Nós não sabíamos que ia acontecer naquela noite exatamente e nós não sumimos apenas por questões de saúde."
"Vocês estavam onde, então?" - eu interrompi.
"É complicado" - Rafe respondeu, passando a mão pelo cabelo, que pela primeira vez estava completamente solto. - "Nós temos... habilidades que não podemos explicar facilmente".
"Eu não estou entendendo nada!" - eu disse, confusa.
"Nós temos medo de você se machucar, de você não entender" - Leo disse, sua voz séria, mas ainda sim mais suave do que eu estava acostumada. - "E é por isso que precisamos que você confie em nós."
"Confiar em vocês?" - eu ri nervosa. - "Como posso confiar em vocês se estão me mantendo no escuro?"
"Queremos que você faça parte do que vem a seguir" - Kael disse - "Eu sei que parece confuso no momento, mas você também tem seus segredos, não tem? Nós vimos o vento se agitar a seu favor, e seus olhos ficarem num tom de esmeralda enquanto brilhavam, pronta para a guerra." - Ele olhava para o grupo, buscando acalmá-los. "Você não está sozinha, e nós queremos que você saiba que estamos aqui para te apoiar e te proteger. Mas existem coisas que não irão facilitar a sua vida aqui, assim como não facilitam a nossa."
Ele me lançou um olhar significativo, e pela primeira vez, senti um leve toque de esperança no meio de toda aquela confusão. "Ok" - eu disse, respirando fundo, enquanto colocava uma mão sobre meu gato, numa busca por segurança.
"Você já sentiu que as energias de Nova Orleans estão sempre mudando e que aqui tem uma certa...magia" - disse ele, incerto de que aquelas seriam as palavras apropriadas e eu assenti. "Bom... tudo aqui está conectado, e nós fazemos parte".
"Ok, eu continuo não entendendo." - eu disse, mostrando um pouco de irritação. - "Vocês já buscaram ajuda...sei lá... um psiquiatra?"
O grupo pareceu surpreso, mas em segundos estavam todos rindo da minha pergunta, como se o que eu perguntei fosse um absurdo. A discussão não estava nos levando a lugar nenhum. Leo se levantou e olhou firme para mim, depois olhou para Kael, que assentiu, me deixando ainda mais confusa.
" Talvez a melhor forma seja te mostrar, se você não se importa" - Ele disse, apontando para Leo.
"Isso pode ser o começo de algo novo" - Leo declarou, olhando nos meus olhos. "Pronta para descobrir?" - Ele se afastou um pouco do grupo, e a sala adquiriu uma energia elétrica, como se algo extraordinário estivesse prestes a acontecer.
Eu olhei para Sam, depois para Leo, e em seguida para meu gato, que também parecia observar a cena com um certo interesse. Todas as incertezas começavam a se misturar com uma ponta de empolgação.
"Apenas um aviso: não corra!" - Disse Rafe, com um sorriso brincalhão.
"Estou pronta" - eu declarei, incerta.
"Prepare-se" – Eles murmuraram em uníssono, com seus olhares fixos em Leo e um sorriso divertido nos lábios.
O que estava por vir? O que eles precisavam me mostrar para que eu entendesse? Será que eu estaria pronta?