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Chapter 8 - Sombras Reveladas

A biblioteca estava em um silêncio tenso. Eu percebi que o grupo queria revelar sua verdadeira identidade, e que eles queriam que eu compreendesse a profundidade de quem eles eram. Parecia que eles realmente se importavam com a minha opinião sobre eles, e eu queria entendê-los, queria acolhê-los.

Com determinação nos olhos, Leo começou a se concentrar, permitindo que a transformação o tomasse. Vi seus olhos se arregalarem, suas emoções pareciam estar se manifestando fisicamente. Ele deu um grito de dor, e ouvi barulhos, como se ossos estivessem se quebrando, para se reajustar sob a pele. Mas ele a aceitou, sabendo que esse ato era essencial. Eu me sentia desesperada.

Os primeiros fios de pelo começaram a surgir em sua pele, tomando forma em uma pelagem densa e escura, uma tonalidade de castanho-avermelhado escuro com leves tons mais claros em alguns pontos. Os olhos de seus amigos estavam fixos nele. Eu o observava em uma mistura de surpresa, compreensão e medo. Eu podia sentir o poder da transformação pulsando no ar.

À medida que seu rosto se transformava, o nariz se alongava e os dentes se afiavam. Leo me olhou, buscando conectar-se de uma forma que as palavras nunca poderiam, e naquele momento eu entendi o medo deles, e me repreendi mentalmente por toda a confusão que causei.

Com um último uivo que ressoou pelo espaço silencioso da biblioteca, Leo completou sua metamorfose, agora um lobo majestoso. Ele se colocou à minha frente, como se dissesse: "Este sou eu. Agora você vê."

"Era você aquele dia na janela" – Eu disse, levantando-me da poltrona, aterrorizada, mas ao mesmo tempo, fascinada. Olhei para ele, que tinha seus olhos vidrados nos meus, e tentei tocar em meu gato, mas percebi que ele estava em cima do Kael, como se buscasse proteção.

"Traidor" eu disse baixo.

Olhei para o lobo que estava na minha frente, rosnando e depois para a porta, lembrando do aviso que recebi "Não corra.", foi o que eles disseram, certo? Mas o medo e ansiedade estavam tomando conta de mim, e Leo estava tentando se aproximar cada vez mais. Vendo que nenhum dos outros tentavam impedir e sem pensar muito, corri.

Ouvindo os gritos atrás de mim me mandando parar, mas continuei sem olhar para trás. Corri até a mata, onde por algum motivo, eu achava que estaria segura. Apesar disso, não consegui correr muito, pois o lobo, Leo, simplesmente me jogou no chão, me fazendo rolar várias vezes, enquanto vários arranhões apareciam no meu corpo e eu tentava proteger meu colar.

Em segundos me vi deitada de costas para o chão e o lobo a centímetros do meu rosto. Ele levantou a cabeça, como se fosse me morder.

"Leo, não!!" - ouvi Eli gritando. E antes que eles pudessem chegar perto, consegui soltar um braço e o soquei. Aquilo fazia sentido? Não. Um lobo sentiria meu soco? Provavelmente não. Mas me daria tempo para tirá-lo de cima de mim.

Meu coração batia acelerado e eu senti meu corpo queimar, senti o vento pronto para rebater. A chuva estava forte e minha segurança me preocupava. Minha visão escureceu e quando eu acordei já estava sendo carregada para dentro, Leo me carregava com um ar preocupado, mas ainda sim irritado. Percebi que seu rosto estava vermelho e vários hematomas haviam sido criados em seu peitoral. Ele passava por tudo aquilo quando virava um lobo?

"Me solte" – pedi.

"Com prazer, ô esquisita" - ele retrucou.

"Quem se transforma em cachorro é você - Eu rebati, com a intenção de ofendê-lo.

"É um lobo - disse ele, quase me jogando no chão.

Eu perdi o balanço e Rafe me segurou. Olhei para Leo com raiva, mas vi quando Sam, Kael e Eli bateram na cabeça dele. Sam carregava meu gato.

"Eu não ia machucá-la, vocês sabem disso!" - ele dizia enquanto passava a mão na cabeça, onde havia levado o tapa – "Eu estava só brincando."

"Sua brincadeira não foi divertida" – Disse Sam.

"O que aconteceu? - eu perguntei, olhando para o Sushi.

Kael olhou para mim com um sorriso.

"Maya, você é uma bruxa?"

"Vocês sabem sobre as bruxas? - Questionei

"Sabemos, mas não sei se conseguiremos te ajudar muito. Quero dizer, na verdade, não sei se você gostará das respostas." – ele disse, como se pedisse desculpas.

Depois de tudo o que aconteceu, eu preferi apenas esperar. Eu sabia que em algum momento eles me contariam. Entramos na casa novamente e então eles me explicaram que quando soquei Leo, o lobo interior dele ficou irritado/excitado e decidiu me morder, ou melhor, me marcar - algo que eles faziam com seus companheiros, mas que usando o vento eu bati nele e o joguei para longe. Disseram que meus olhos brilhavam novamente e que não conseguiram se aproximar de mim até que meu gato correu para fora e miou, amenizando o ar ao meu redor, o que possibilitou que eles me tirassem do transe. Eles explicaram sobre as bruxas, a ligação que ela possuem com gatos, falaram sobre a existência delas em Nova Orleans, sobre lobisomens e sobre outras criaturas.

Aprendi que, embora em um grupo de lobisomens geralmente tivesse um alfa, os cinco compartilhavam as responsabilidades e a liderança de maneiras distintas. Eles gostavam de dividir as responsabilidades para que nenhum se sentisse sobrecarregado, e que isso os ajudava a manter uma vida "normal", era como se eles se completassem. Kael, que era o alfa real, destacou que essa dinâmica tinha sido uma escolha consciente, pois sentiu que cada um dos integrantes poderia trazer suas próprias habilidades e perspectivas, o que os deixavam mais forte do que qualquer outro grupo. Apesar disso, Kael ainda era visto como o alfa em momentos de conflito, onde era necessário ter alguém com a palavra final. Esse estilo de vida dava voz para todos eles, o que parecia contribuir para um estilo de liderança colaborativo e fluido, o que poderia salvá-los em uma situação de risco, onde o Alfa fosse morto.

Os minutos foram passando e eles se aprofundavam cada vez mais no assunto, me deixando um pouco atordoada. Era muita coisa para assimilar.

"Estamos falando de forças que existem além da sua compreensão" - Rafe interveio, sua voz profunda carregando um peso evidente. - "Essas criaturas, as Bruxas principalmente, não são o que você imagina. Elas têm intenções que podem ser perigosas. Por isso estivemos escondidos. Mas agora, o nosso objetivo é proteger você."

"Proteger? Mas isso tudo é perturbador." - eu repliquei, sentindo o peso da situação aumentar. Vi meu gato se espreguiçar, como se tentasse aliviar a pressão "Vocês estão falando que bruxas, assim como eu, não me querem por aqui?" - perguntei incrédula e eles confirmaram com as cabeças

Eli continuou, "Nossos mundos estão se entrelaçando. E é fundamental que você compreenda tudo isso. Não se trata apenas de mantê-la fora de perigo; trata-se de incluí-la em algo maior. E isso será extremamente perigoso, Maya".

À medida que a conversa se desenrolava, cada um começou a compartilhar suas experiências e conhecimentos. O clima estava denso, e a seriedade da situação pairava no ar.

"Mas eu não entendo... "- eu dizia - "por que bruxas fariam mal para a própria espécie" - eles riram ao me ouvirem dizer esta palavra.

"Por que humanos fazem mal aos humanos? - Indagou Leo, com um saco de gelo no rosto, que me fez ficar, de certo modo, orgulhosa das minhas habilidades.

"Por poder? - eu disse.

Olhei para eles. Era inadmissível ouvir aquilo.

"Agora o que eu não entendo real... por que VOCÊS querem me proteger?" - deu ênfase no vocês para que eles entendessem.

"Aí que a situação se complica, Maya." - disse Rafe, escondendo um leve sorriso. Me fazendo olhar para ele com indignação.

"Você é especial para NÓS" - disse Sam, fazendo com que Leo lhe desse um cascudo.

Eli riu da situação, mas parou antes que Leo chegasse nele. "Desculpe" - eu o ouvi dizer.

"Leo gosta de você" - Rafe disse, fazendo Leo me encarar e eu cair em uma gargalhada

O grupo esperou eu me acalmar. Digamos que eu não ria daquela forma desde que fui morar em Nova Orleans.

"Leo gosta de mim?" - eu disse, rindo. "De onde vocês tiraram essa loucura?"

Olhei para Leo, que me olhava sério e então fui entendendo que aquilo era mais sério.

"Como?" - perguntei - "Melhor... por quê?"

"Diferente de vocês, humanos, nós temos uma conexão instantânea com nossos parceiros. Algo que não será quebrado por outros, a não ser que um dos parceiros quebrem essa conexão, que é dolorosa, ou morram - Kael disse, olhando para Leo que continuava olhando para o chão. - "Essa conexão fará com que o lobo dentro de nós não machuque a pessoa amada, e a proteja de todas as formas. Por isso Leo não teria feito nada com você na mata, ele só estava sendo idiota" - ele disse, lançando mais um olhar de reprovação para Leo, que deu um sorriso torto. – "Ele deve ter sentido algo em um momento, quando te viu."

"No banheiro" - eu disse – "no bar."

"Não é possível que você tenha sentido" - ele disse me encarando.

"Vocês poderiam nos atualizar?" - pediu Rafe

"Eu vi vocês pela primeira vez no bar, e naquela noite eu toquei a mão do Leo para que ele me ajudasse em uma situação." - Eles concordaram com a cabeça – "Meu corpo entrou em um tipo de transe, senti calor, um choque, não sei explicar." - Kael me olhava de forma estranha.

"Nunca ouvi esse tipo de relato. Talvez ela tenha sido enfeitiçada?" - ele disse - "Vocês não se lembram de terem visto um ao outro na infância?" – questionou.

Balançamos a cabeça de forma negativa.

"Eu fui adotada aos quatro anos e levada para o Brasil" - eu expliquei, fazendo com que eles me olhassem de forma carinhosa, até mesmo Leo.

"Entendo" - Disse Kael. - "Você pode ter sido enfeitiçada nos seus primeiros anos de vida para sentir algo quando encontrasse seu amor". – Ele continuou.

Ouvi alguns "Ownts" no fundo e corei.

"Isso seria possível? - ouvi Leo perguntar – "Quero dizer... que eu a conheça desde a infância?"

"Sim, se ela morava aqui até os quatro anos." - disse Kael, e como se uma luz surgisse em sua mente, continuou. - "Leo, você também ficou um tempo no abrigo, não ficou?"

Aquela revelação era um choque para mim, mas me fazia sentir algo diferente, não era pena, mas um desejo de cuidado.

"Mas não faz nenhum sentido para mim" - leo continuou, ignorando a pergunta – "e a Lexi?" - ele questionou com um olhar de dor.

"Talvez a conexão entre você e a Maya estivesse estivesse muito fraca, ou, por algum motivo, Lexi carregava o cheiro de Maya." - continuou Eli - "Você nunca chegou a sentir a conexão total com ela, certo?" - ele perguntou, tentando buscar as palavras corretas. - "Por isso, apesar da dor, você não teve sequelas terríveis."

"Lexi? - questionei, mas ele apenas ignorou minha pergunta e olhar, se dirigindo para a porta e nos deixando ali.

Olhei para o grupo, e eles balançaram a cabeça negativamente.

"Não nos cabe te falar sobre isso." - Eli disse, como um pedido de desculpas – "Leo falará no melhor momento, acredito."

Olhei para a porta, com uma sensação ruim, uma tristeza tomava conta de mim e me dava um certo desespero, que eu não entendia.

"Você deve estar sentindo o que ele sente" - Disse Kael – "a conexão de vocês está forte agora, apesar de eu não entender o porquê você também sente, visto que você não faz parte do nosso bando."

Olhei brava para ele, como se tivesse me machucado.

"Desculpe..." - disse ele, rindo da minha reação – "Eu quis dizer que você não faz parte da nossa... do que você chamou mesmo? Espécie." - ele continuou, fazendo os outros rirem.

"Eu tenho apenas mais uma pergunta."

"Diga" - disse Sam.

"Como vocês me tiraram do transe?"

O grupo olhou para Sam, que abaixou a cabeça, envergonhado.

"Sam te deu um beijo" - disse Rael, apontando para o mais novo que estava corado.

Olhei para eles tentando entender, depois corei um pouco.

"Ah pronto! Agora vocês todos vão me beijar?" - perguntei e senti o ar mudar no local, quando observei os olhos deles mudando para uma cor mais escura e suas feições mostrarem o desejo.

Ignorando aquele momento eu olhei novamente para a porta, onde Leo havia passado, incerta do que deveria fazer. Sam tocou o meu braço, causando um leve tremor, e me deu coragem para ir. Olhei para os outros integrantes do grupo, que me incentivaram com seus olhares também, e então eu fui atrás do rabugento. Além disso, eu também estava tentando fugir daquela sala cheia de lobos que pareciam famintos, e eu era a ovelha que seria oferecida para o abate.

Andei até o lado de fora, onde, por algum motivo, eu sabia que Leo estaria. A chuva ainda caia, mas a tempestade havia se dissipado.

"Desculpe, Leo!" - eu disse me aproximando – "Eu não queria rir daquilo. Apenas achei um pouco difícil de acreditar" - eu disse para ele, fazendo-o me encarar.

"Eu não estou animado com a situação, assim como você. E não sei por que a Lua me deu essa nova chance! - disse ele, olhando para a lua.

"O que houve?" - questionei.

"Não estou pronto para falar sobre isso" - disse ele com um olhar triste.

"Tudo bem" - eu disse, respeitando a decisão.

Lembrei-me de que na noite do bar, Lao parecia distante e seu corpo se curvava como se buscasse uma proteção. Talvez isso estivesse relacionado ao peso de ser um lobisomem, ou por causa daquela pessoa chamada Lexi. No fundo, isso me deixou com um pouco de ciumes.

"É tão ruim assim estar ligado comigo?" – Eu o questionei, fazendo com que ele se virasse completamente para mim. Seu olhar era doce.

"Em nenhum momento eu achei ruim, é apenas complicado" – Ele disse, tocando em minha face e me fazendo pensar em nossa forma de comunicação. - "Acredito que você tenha percebido que temos um pequeno detalhe/problema" – Ele disse, puxando-me de volta para a realidade.

"O que?" - perguntei, sem entender.

"Os outros também gostam de você." - Olhei para ele, como se desse espaço para que ele continuasse a falar – "Não é a mesma conexão que nós temos, mas eles sentem uma conexão diferente... e nós, bem... nós compartilhamos tudo: casa, comida, afazeres doméstico e..."

"Mulheres" - eu disse, compreendendo a situação.

"Sim, mulheres" - disse ele, com o olhar baixo, mais para esconder a sua excitação.

Aquilo era normal dentro das matilhas? Compartilhar companheiros? Eu não queria soltar todas as perguntas que estavam em minha mente porque finalmente estávamos tendo um momento sem brigas, um momento calmo e doce.

"Quer dizer que quando eles encontrarem suas companheiras, eu teria que compartilhar você com as namoradas deles também?" - Eu questionei, mais como uma pergunta retórica.

"Por quê?" - vi um sorriso travesso se estender em seu rosto – "Está com ciúmes já?"

Eu estava, mas não o diria, ao invés disso, dei-lhe um tapa e me direcionei para dentro da casa, mas Leo me puxou pelo braço, antes que eu chegasse a escada, e colocou seus lábios sobre os meus, me beijando com desejo, mas ainda sim carinho.

E apesar da tempestade ter chego ao fim, o meu coração estava em alerta, a tempestade que se formava dentro dele era muito maior do que eu conseguiria suportar. Será que eu encontraria algo do meu passado? Eu conseguiria lidar com 5 lobisomens me compartilhando? As bruxas não eram o que eu imaginava?

Naquele momento, novas perguntas apareciam na minha mente: o que realmente significava ser parte do mundo mágico? A cada resposta, uma nova revelação, novos perigos e também maravilhas que iam muito além da minha compreensão. Será que eu estava tão preparada quanto pensava?