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Chapter 2 - Noivado Desfeito por Amor

O calor do verão parecia pesar ainda mais nos ombros de Ana, como se o mundo inteiro tivesse se aquecido demais. Ela andava pelas ruas de São Paulo com o coração apertado, a mente em turbilhão. As cartas de Pedro continuavam chegando de Caçapava, mas eram cada vez mais frias e distantes, como se a guerra já tivesse começado a roubar dele sua paz e felicidade, seus dias tranquilos.

Ana sentia uma saudade crescente. Se não bastasse isso, cada vez que via Camila se aproximando de seu círculo de amigos, cada vez que ouvia falar dela, algo dentro de Ana se quebrava. O sorriso insinuante de Camila lembrava os olhares que ela lançava em direção a Pedro; tudo isso mexia com suas inseguranças. Camila, com sua beleza impecável e postura de quem já sabia o que queria da vida, parecia ser a antítese de tudo o que Ana era. Enquanto ela se preocupava com o que o futuro reservava a seu amor, Camila parecia ter certeza de que o futuro de Pedro já estava ao lado dela.

A gota d'água aconteceu numa tarde quente de fevereiro, quando Ana encontrou Camila. Sem perder tempo, Camila avisou a Ana que havia recebido uma carta de Pedro e começou a lê-la em voz alta, onde estava escrito:

*"Camila,

Espero que esta carta te encontre bem. Não tenho me aventurado muito fora do quartel, mas a verdade é que, durante as últimas semanas, alguns pensamentos têm me rondado, e achei que, ao menos, seria educado escrever para saber como você está. Imagino que, com a vida em São Paulo, a cidade deva estar cheia de novidades, apesar da guerra ter mudado tanto a paisagem ao nosso redor. Aqui, o tempo tem sido difícil. O treinamento é incessante, e a saudade de casa não me abandona, mas tenho me mantido ocupado, tentando esquecer a distância e as incertezas do futuro.

Saúde a todos,

Pedro."*

Aquilo foi demais. Ana sentiu um arrepio de ciúmes, uma dor que ela não conseguia controlar. Como Pedro poderia, mesmo à distância, escrever de forma tão afetuosa para Camila? Não havia palavras sobre isso nas cartas que ele enviava a ela. O medo de perder o que mais amava se apoderou dela, como um vendaval implacável.

Após uma semana, Pedro veio a São Paulo visitar Ana. Naquele mesmo dia, Ana o procurou em sua casa. Ela precisava de respostas, precisava entender. Quando Pedro abriu a porta, o sorriso que ela esperava ver desapareceu rapidamente ao notar o olhar distante dele. Ela não conseguia mais ver nele aquele homem que a havia encantado em Vila Prudente, mas um estranho, alguém que já estava moldado pelas dores da guerra e pelas promessas de um futuro que não a incluía.

*"Pedro, por que você não me escreveu mais como antes? Por que tudo mudou?"* ela perguntou, a voz trêmula, tentando controlar as lágrimas.

Pedro tentou disfarçar, mas a culpa o consumia. Ele sabia o que estava acontecendo, sabia que não poderia mais prometer a Ana um futuro que ele não poderia garantir.

*"Ana, eu… a guerra, as cartas… não queria te preocupar com mais nada,"* ele começou, sem saber como colocar seus sentimentos em palavras.

Mas o que mais doía em Ana não era a distância física ou as palavras não ditas, mas a sombra de Camila, que parecia estar sempre presente.

*"Eu não sou suficiente, Pedro. Eu sinto isso, sinto que você não pensa mais em mim como antes. Talvez eu tenha sido só uma pausa para você, algo simples e fácil de amar enquanto a guerra não te consumia. Mas agora… agora você tem alguém como ela, alguém que se encaixa nos seus planos."*

A raiva e o ciúme tomaram conta de Ana. Ela não conseguia mais olhar para Pedro sem sentir uma dor imensa, uma sensação de traição que ela não sabia como lidar. Sem mais palavras, Ana virou-se, saiu da casa dele e se afastou para sempre. Com a decisão tomada, ela sabia que não poderia mais ser a mulher que amava alguém que já não a via da mesma maneira. O amor, ela pensou, é um campo de batalha, e ela havia perdido.

Pedro ficou devastado, completamente desolado. Ele não queria perder Ana, mas também não conseguia negar os sentimentos que, de alguma forma, estavam se formando em relação a Camila. Ele a via como uma mulher forte, independente, que não fazia perguntas e sabia exatamente o que queria. E, talvez, em sua dor e confusão, tenha tomado a decisão impulsiva de fazer algo que jamais imaginou: pediu Camila em noivado.

No dia do noivado, uma grande festa foi organizada. Camila estava radiante, com um vestido deslumbrante e um sorriso vitorioso. As palavras que Pedro havia dito a ela, embora nas entrelinhas, mostraram sua intenção de vingar-se da perda de Ana. Agora, ele estava prestes a selar o compromisso, não com amor, mas com um certo ressentimento que parecia crescer a cada dia.

Ana soubera da festa e, durante semanas, pensara em como reagiria. Ela não suportava a ideia de ver Pedro se comprometendo com outra, de vê-lo selando sua vida com Camila. Mas, ao mesmo tempo, sabia que precisava enfrentar isso. Não podia mais viver na sombra da dúvida e da dor. Tinha de ir lá e tomar uma decisão, sem mais indecisões ou medos.

Naquela noite, enquanto a festa se desenrolava, Ana se preparou. Colocou um vestido simples, mas elegante, que a fazia sentir-se ela mesma. Não queria ser outra, apenas queria ser Ana, a mulher que Pedro um dia amou. Ela chegou à festa sem ser anunciada, com o coração batendo forte e a sensação de estar fazendo algo que mudaria sua vida para sempre.

Ao entrar, avistou Pedro e Camila imediatamente. Eles estavam no centro da sala, rodeados por amigos e familiares. Pedro sorria, mas seu olhar não estava feliz. Ele a viu e, por um momento, tudo pareceu parar. Ana, de cabeça erguida, caminhou até ele com passos firmes, ignorando a presença de Camila ao lado dele. Ela não podia mais suportar a ideia de ver Pedro selando seu destino com outra mulher.

*"Pedro",* ela disse, com uma voz que agora exalava confiança e determinação, *"Eu sei o que você está fazendo. Sei por que está aqui, mas eu não vou deixar isso acontecer. Você é meu, sempre foi meu."*

Pedro tentou falar, mas as palavras falhavam-lhe na garganta. Ele estava incrédulo, a dor em seu peito dilacerando-o. Camila, de pé ao lado de Pedro, não conseguiu esconder o desconforto, mas seu olhar desafiador não desapareceu.

Ana, com o coração disparado, olhou diretamente nos olhos de Pedro.

*"Eu não vou deixar você se perder em uma mentira, Pedro. Você e eu sempre fomos mais do que isso. Eu te amo e vou lutar por isso, por nós."*

E, naquele momento, Pedro não soube mais o que dizer. Ele sentia que o que queria mais do que tudo no mundo estava ali, diante dele. Ana, sua Ana, de volta, com a coragem que ele jamais soubera que ela possuía.

*"Eu te amo, Ana,"* ele finalmente disse, a voz falha. *"Desculpe, eu…"*

Antes que ele pudesse terminar, Ana o interrompeu com um beijo, forte, decidido. E, naquele momento, as dúvidas, os ciúmes e a distância desapareceram. Não havia mais espaço para nada além do amor que, mesmo em tempos de guerra, nunca deixaria de ser a única coisa verdadeira entre eles.

E assim, com coragem e paixão renovada, Ana tomou Pedro de volta para si, conquistando um futuro onde o amor seria, finalmente, o que os uniria, independentemente de todos os obstáculos.