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Chapter 3 - O Chamado da Guerra

O calor insuportável do verão paulistano parecia refletir a tensão crescente dentro de Pedro. As ruas ferviam, o asfalto aquecido distorcia as imagens à distância, e o ar parecia pesado, carregado de uma inquietação que ele não conseguia afastar. Embora estivesse em São Paulo, longe da linha de frente, o peso da responsabilidade já havia se infiltrado em sua alma. A recente visita a Ana, a dor da separação e os sentimentos não resolvidos o consumiam. A dúvida sobre o que estava acontecendo entre ele e a mulher que amava se espalhava como uma sombra, tornando o ar ainda mais sufocante.

A ordem de treinamento em Santos chegou como um alívio, mas também como uma condenação. Era um campo de preparação para os soldados, um lugar onde ele deveria se fortalecer para servir ao exército da melhor forma possível. Pedro sabia que isso era essencial para se provar, para se tornar o homem que sempre sonhou ser. Mas agora, no momento da verdade, ele se via distante dessa versão idealizada. O exército o estava moldando, e, com isso, o destino dele e de Ana parecia se distanciar ainda mais.

"Pedro, você vai se afastar de tudo o que conhece. Esse treinamento será duro. Não podemos mais dar espaço para a dúvida", disse seu comandante com uma voz severa, mas que carregava a urgência do momento. "Prepare-se. O futuro não está ao nosso favor."

Aquelas palavras ecoaram na mente de Pedro como um ultimato. Ele sabia que não podia mais voltar atrás. O exército exigia dele dedicação total, e ele não poderia mais viver em um mundo de incertezas. Mesmo que isso significasse afastar-se de Ana, de sua cidade, de tudo o que ele amava, ele não poderia ceder à fraqueza. 

Quando contou a Ana sobre o treinamento em Santos, o olhar dela era uma mistura de orgulho e medo. Ela tentava esconder a dor, mas Pedro a conhecia o suficiente para perceber a inquietação em seus olhos. Ele sabia que ela o amava e que, embora entendesse a necessidade de sua partida, o medo de perdê-lo estava lá, silencioso, mas muito presente.

"Eu entendo, Pedro, mas… você não sabe o que o exército vai fazer com você. Não sei se vou aguentar, se você vai voltar igual. Não posso mais viver na incerteza de não saber o que vai acontecer com a gente", ela disse, a voz tremendo, mas firme. O medo de perder Pedro a dilacerava, mas ela sabia que não poderia impedi-lo de seguir seu destino.

Pedro sentiu um aperto no peito ao ouvir suas palavras. Ele não queria deixá-la, mas sabia que não havia outro caminho. O exército não permitia mais promessas, nem sonhos de um futuro tranquilo ao lado de Ana. Ele tentava encontrar consolo na ideia de que ela o entenderia, mas as dúvidas ainda o acompanhavam. A dor da separação não podia ser evitada, só adiada.

"Eu vou voltar, Ana. Não importa o que aconteça, eu vou voltar para você", disse ele, tentando dar-lhe algum tipo de conforto. Mas, no fundo, ele sabia que algo havia mudado. O exército estava roubando mais do que só suas certezas. Estava roubando a essência daquilo que os dois eram, juntos.

O treinamento em Santos foi brutal. Pedro e seus companheiros eram forçados a encarar uma realidade muito mais dura do que qualquer um poderia imaginar. Durante o dia, passavam horas sob o sol escaldante, correndo, fazendo exercícios militares extenuantes, ensaiando táticas de combate e se preparando fisicamente e mentalmente para o que estava por vir. O campo de treinamento, antes um lugar isolado, agora era um terreno árido onde os jovens soldados eram forjados para atender às demandas de um exército implacável.

As noites eram ainda mais difíceis. Quando a escuridão tomava conta e as estrelas apareciam no céu, Pedro sentia um vazio profundo, como se estivesse perdido em um lugar onde o tempo não existia mais. Ele pensava em Ana, em como ela era seu refúgio, sua paz em meio ao caos da cidade e ao medo iminente. Mas agora, ele estava cercado pela solidão e pela brutalidade, e cada pensamento sobre ela parecia uma lembrança de algo que estava escapando de suas mãos.

"A guerra vai me mudar, vai mudar tudo", ele pensava enquanto olhava para o horizonte distante, tentando buscar algum sentido no caos em que sua vida se transformava. Ele sentia que o amor por Ana, antes uma chama vibrante em seu peito, agora estava se apagando, sufocado pela frieza do exército e pela distância que se ampliava entre eles.

Ao longo do treinamento, Pedro se destacou por sua habilidade com rifles de precisão. Sua calma sob pressão e seu domínio técnico o levaram a se qualificar como sniper, uma posição que exigia não apenas habilidade física, mas uma mente focada e estratégica. Essa nova responsabilidade dentro do exército trouxe um peso adicional, pois agora Pedro não estava apenas sendo preparado para servir ao exército, mas para tomar decisões cruciais em momentos de vida ou morte.

Em São Paulo, Ana tentava seguir com sua vida, mas cada dia sem Pedro parecia mais insuportável. O tempo, antes uma linha reta que ela sabia como percorrer ao lado dele, agora era uma espiral de incertezas. As cartas que Pedro enviava, embora ainda trouxessem seu nome e sua letra, pareciam cada vez mais frias, distantes. Ele falava sobre o treinamento, sobre como estava se adaptando, mas nunca mencionava como estava se sentindo em relação a ela. As palavras que antes a aqueciam agora pareciam vazias, como se Pedro estivesse se tornando uma pessoa diferente, uma pessoa que ela não reconhecia mais.

Ela se perguntava se ainda havia um lugar para ela na vida de Pedro. Será que ele ainda a amava? Será que, ao voltar, ele a veria da mesma forma? O que ela faria se ele mudasse tanto que já não a quisesse mais? A saudade se transformava em angústia, e a sensação de que tudo estava fora de seu controle a fazia sentir-se impotente.

Quando Pedro voltou a São Paulo, ele sentia uma mistura de emoções: saudade, culpa, e o peso de tudo o que ele tinha vivido naquele campo de treinamento. Ele sentia que estava voltando para a vida que conhecia, mas ao mesmo tempo, sabia que algo dentro de si estava diferente. O Pedro que foi para o treinamento em Santos não era mais o mesmo. O exército, com suas marcas e exigências, já havia começado a reconfigurar sua alma.

Ao chegar na casa de Ana, as palavras que ele queria dizer ficaram presas em sua garganta. Ele sabia que precisava ser honesto com ela, precisava contar o que estava acontecendo dentro de si. Ao abrir a porta, ele viu o olhar de Ana, aquele olhar que ele tanto amava, mas que agora estava tingido de insegurança.

"Ana", disse Pedro, com a voz mais baixa do que o normal, "eu... eu não sei o que esperar. O treinamento está me mudando de uma forma que eu não consigo controlar. Eu sempre te amei, e ainda te amo, mas... eu não posso te prometer o que você quer. Eu sou um homem que já não reconheço."

Ana olhou para ele, os olhos cheios de lágrimas, mas uma força silenciosa crescia dentro dela. Ela sabia que o que eles tinham era real, mas também sabia que não podia mais viver na incerteza. Ela olhou para ele com os olhos cheios de tristeza, mas também de uma coragem renovada.

"Pedro, eu entendo", disse ela, a voz firme, mas trêmula. "Eu te amo, mas não posso viver na sombra da dúvida. Eu não sei o que o futuro nos reserva, mas não posso mais viver com medo."

Pedro, com o coração apertado, deu um passo em direção a ela, e os dois se abraçaram, como se aquele abraço fosse a única coisa capaz de dar sentido àquele momento. Ambos estavam mudados, mas o amor que existia entre eles, mesmo que transformado pelas circunstâncias do treinamento, ainda era a única certeza que ambos tinham.

Agora, Pedro se vê em um caminho sem volta. Qual será o preço que ele pagará por sua qualificação como sniper? Como o peso dessa nova habilidade moldará sua vida e seu relacionamento com Ana? O futuro de Pedro está mais sombrio e incerto do que nunca, mas uma coisa é certa: o homem que ele se tornará já não será o mesmo que partiu. 

Será que, no fim, ele encontrará um equilíbrio entre o homem que o exército está criando e o homem que ele ainda deseja ser para Ana? Ou será que o caminho do dever o afastará de tudo o que ele sempre amou?