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Chapter 4 - A Viagem para o Incerto

Os soldados conhecidos como "pracinhas" estavam prestes a embarcar em uma jornada que mudaria suas vidas para sempre. O dia estava claro, mas uma sombra de incerteza pairava sobre o cais, onde o navio de guerra aguardava, imenso e imponente. O som do metal rangendo, as ordens ecoando e a agitação da tripulação formavam um cenário de nervosismo e expectativa. Pedro, como os outros pracinhas, sabia que a missão seria difícil, mas o que o aguardava estava além da sua imaginação.

O navio era uma enorme fortaleza flutuante, sua estrutura pesada e sua presença autoritária mais parecia uma prisão do que um meio de transporte. Quando Pedro e seus companheiros subiram a bordo, um arrepio percorreu sua espinha. Eles estavam prestes a partir, mas ninguém sabia para onde, nem por quanto tempo. O destino estava envolto em segredo, e a única certeza era que a terra que conheciam e as pessoas que deixavam para trás estavam prestes a se distanciar ainda mais.

"Embarquem rapidamente! Não temos tempo a perder!" O comandante gritava enquanto empurrava os soldados para dentro do navio, apressados e confusos. A tripulação estava pronta para zarpar, e a pressa no movimento só aumentava a sensação de urgência e desconforto. Não havia espaço para despedidas emocionadas ou para uma palavra final. O mar estava à frente, e eles eram parte de algo muito maior.

A viagem seria longa — 45 dias de navegação, com uma parada na África antes de seguir para a Europa. Durante as primeiras horas, Pedro ainda podia ouvir o som das ondas quebrando contra o casco e sentir o frescor do vento marinho. Mas esse alívio inicial logo deu lugar à monotonia e à ansiedade. O navio se movia pesadamente, e o horizonte parecia uma linha inatingível, que os separava ainda mais da terra firme.

Os amigos de viagem eram, para Pedro, uma mistura de rostos conhecidos e novos companheiros de jornada. Entre eles estava João, um jovem de sorriso fácil, mas com olhos que não escondiam o medo. João havia sido seu amigo de infância, e eles haviam crescido juntos na pequena cidade do interior. No entanto, mesmo com o vínculo de amizade, Pedro sentia que algo havia mudado. A guerra os separava agora de uma maneira que ele não conseguia entender. Mas, com João, ainda era possível encontrar consolo nas pequenas conversas que tinham durante os momentos de descanso. 

Ao lado de João, havia Lucas, um soldado mais calado, mas com uma força interior que Pedro admirava. Lucas havia sido recrutado pouco tempo antes da partida e parecia ser o mais focado em tudo o que fazia. Ele se destacava nos treinamentos, sempre atento aos mínimos detalhes, mas, ao mesmo tempo, tinha uma expressão distante, como se estivesse constantemente perdido em seus próprios pensamentos. Pedro não sabia ao certo, mas algo em Lucas parecia indicar que ele estava tentando esconder um grande sofrimento.

O grupo de amigos era composto também por Rafael e Henrique. Rafael, com sua risada contagiante e o jeito irreverente, tentava descontrair os momentos mais tensos. Ele gostava de cantar durante os turnos, e sua voz ecoava pelos corredores do navio, trazendo um pouco de leveza àquela rotina interminável. Henrique, por sua vez, parecia um tipo mais introspectivo. Sempre sentado em um canto, observava os outros com um olhar penetrante, como se estivesse esperando por algo. Apesar da sua personalidade reservada, Henrique era altamente habilidoso no treinamento físico e mental, e foi ele quem ensinou Pedro a manter a calma diante do estresse.

O navio, que parecia uma imensa prisão de ferro, começou a se afastar lentamente do cais, e com isso, a saudade das famílias e das pessoas amadas se tornou uma dor silenciosa nos corações dos pracinhas. Todos sabiam que aquele navio os afastava para uma realidade desconhecida e cruel. Pedro pensava em Ana, em como seria sua vida longe dela. Não havia sequer a chance de uma despedida. A comunicação era impossível, e a incerteza sobre o futuro era uma sombra constante. 

Nos primeiros dias de viagem, os pracinhas tentaram encontrar um ritmo de vida. A rotina era exaustiva e constante. O comandante e a tripulação estavam sempre instruindo os soldados em manobras militares, mas, ao mesmo tempo, a viagem era uma prova de resistência física e psicológica. Pedro começou a perceber que a vida a bordo do navio era uma constante batalha contra o cansaço, a saudade e o medo do desconhecido.

Os treinamentos começaram logo no segundo dia. Às 5h da manhã, a sirene soava, e todos eram chamados para a primeira atividade do dia. O treinamento físico incluía corridas em espaços limitados, exercícios de força e resistência, tudo realizado no deck, que balançava conforme o navio cortava as águas. Pedro se sentia exausto, mas sabia que precisava aguentar. O comandante, um homem severo, sempre estava por perto, observando e corrigindo os menores erros.

À noite, os treinos de combate começavam. Pedro e seus companheiros praticavam manobras de ataque, utilizando armas pesadas e simulando situações de batalha. Mas o que mais incomodava Pedro era o vazio, a falta de comunicação, a sensação de estar vivendo um pesadelo do qual não poderia acordar. A comida a bordo também era um reflexo da dureza da vida no navio. As refeições, se é que podiam ser chamadas assim, consistiam basicamente em ração militar. Durante os primeiros dias, Pedro tentou engolir o que lhe era servido com um semblante calmo, mas logo a comida se tornava uma obrigação.

As raciones consistiam em algo simples: sopas aguadas, carnes secas e batatas desidratadas. O cheiro da comida era insuportável, e muitos dos pracinhas, especialmente os mais jovens, começaram a demonstrar sinais de cansaço físico. A dieta era fraca, e a nutrição, inexistente. Mas era necessário, e ninguém tinha escolha a não ser comer o que era oferecido. Entre os grupos de amigos, alguns até se aventuravam a trocar um pedaço de carne desidratada por um pouco de pão, ou se ofereciam para tomar o pouco de água que sobrava. A vida no navio era dura, mas a amizade entre os pracinhas se tornava mais forte a cada dia. 

Com o tempo, as condições do navio começaram a pesar. O calor era intenso durante o dia, e à noite, o ar se tornava pesado e abafado. O estômago vazio, as roupas encharcadas de suor, e o constante balançar do navio tornavam as noites ainda mais difíceis. Muitos dos pracinhas sentiam náuseas, e o mal-estar se espalhava rapidamente. Pedro, no entanto, tentava manter a compostura. Quando não estava treinando, ele passava os momentos de descanso em sua cama improvisada, olhando para as paredes de metal, tentando imaginar o que o futuro reservava.

À medida que os dias passavam, a realidade de estar a bordo do navio, em alto-mar, sem saber para onde iriam, tornava-se mais insuportável. Os pracinhas começaram a conversar mais, mas a conversa era sempre a mesma: o medo da guerra, a saudade da família, as incertezas do que enfrentariam ao final da viagem. Pedro e João conversavam frequentemente sobre o que aconteceria com eles quando voltassem para casa, mas a falta de respostas os deixava ainda mais apreensivos.

Passaram-se 15 dias. Depois, 30. E a viagem parecia interminável. O comandante anunciou, com voz grave, que haveria uma parada na África. Aquilo foi um alívio momentâneo, mas os pracinhas sabiam que seria apenas um ponto de reabastecimento. Eles não desembarcariam. Pedro sentia o calor da terra africana no ar, mas sabia que a parada seria rápida, sem tempo para interagir com a população local. A ansiedade era palpável entre eles, e o reencontro com a terra firme, por mais breve que fosse, trouxe uma sensação de alívio, ainda que temporária.

Por fim, após 45 dias de viagem, o navio começou a se aproximar da costa europeia. O silêncio a bordo era palpável. Os pracinhas estavam cansados, mas a expectativa sobre o que viria a seguir tomava conta de todos. O navio balançava com mais intensidade agora, sinal de que estavam se aproximando de águas mais agitadas. O medo era grande, mas, ao mesmo tempo, todos sabiam que a guerra estava prestes a começar de verdade. A tensão era visível em cada rosto, e, enquanto Pedro olhava para o horizonte, sua mente fervilhava com perguntas sem resposta.

O comandante, com uma calma inquietante, deu a última ordem: "Preparem-se para desembarcar. Em breve, estaremos em solo inimigo." A terra se aproximava, e uma tensão palpável tomou conta dos pracinhas. O medo e a ansiedade eram visíveis em cada rosto. O que os aguardava? Estavam prontos? E mais importante, o que aconteceria com eles quando voltassem para casa? Seriam ainda os mesmos homens que partiram? Ou as cicatrizes da guerra os transformariam de forma irreversível?

Pedro se viu, mais uma vez, pensando em Ana. Ela saberia o que aconteceu com ele? Ele voltaria para ela? O futuro parecia incerto, assim como o mar que havia cruzado. O navio estava a ponto de atracar, mas o maior desafio de todos ainda estava por vir.