A manhã avançava lentamente, o céu ainda carregando os tons pálidos do amanhecer. Wang Li entrou na casa, tentando ocultar a inquietação que crescia dentro de si. Liwei estava sentada perto da lareira, segurando um pedaço de tecido que parecia ser a túnica de Gong Mu. Seus olhos estavam inchados, mas secos, como se já não houvesse lágrimas suficientes para chorar.
"Você está bem?" perguntou ele, com um tom que misturava preocupação e uma tentativa de parecer genuíno.
Liwei ergueu o olhar para ele, a dor evidente em seu rosto. "Como poderia estar? Gong Mu está morto. Meu marido... seu pai..." Ela fez uma pausa, respirando profundamente. "E agora, estou aqui, sozinha, com você, sem saber o que fazer a seguir."
Wang Li sentou-se ao lado dela, tentando encontrar as palavras certas. "Eu... eu sei que ele faria qualquer coisa para nos proteger. Ele morreu tentando salvar o que era mais importante para ele... nós. E prometo que farei o mesmo. Não vou deixar que nada de ruim aconteça com você, mãe."
Liwei olhou para ele, seus olhos avaliando cada palavra. "Você é tão jovem, Wang Li. Eu não deveria depender de você... mas você é tudo o que me resta agora. Só me diga, você realmente está bem? Essas marcas..." Ela apontou para o sangue seco e os cortes em sua pele. "Você está vivo, mas parece que passou pelo inferno."
Ele respirou fundo, suas mãos tremendo levemente antes de escondê-las nos bolsos. "Eu... lutei. Lutei para escapar daquele lugar. Havia... havia algo lá, algo poderoso. Um cultivador de alto nível. Ele nos emboscou, e Gong Mu... Gong Mu se sacrificou para que eu pudesse fugir."
Liwei apertou os olhos, analisando suas palavras, mas antes que pudesse responder, houve uma batida forte na porta.
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**Os Guardas da Cidade**
Dois homens com armaduras simples, mas bem polidas, estavam do lado de fora. Ambos pareciam cansados, provavelmente tendo sido enviados para investigar o desaparecimento de Gong Mu.
"Somos da guarda da cidade," disse o mais alto, com uma expressão séria. "Recebemos informações sobre uma possível tragédia na floresta. Podemos entrar?"
Wang Li trocou um olhar rápido com Liwei antes de assentir. "Claro."
Os guardas entraram, seus olhares varrendo a pequena casa. O mais baixo deles fixou os olhos em Wang Li, notando imediatamente suas roupas manchadas de sangue.
"O que aconteceu com você?" perguntou o guarda, sua voz carregada de suspeita.
"É... uma longa história," disse Wang Li, tentando soar exausto, mas sincero. "Eu estava na floresta com meu pai, Gong Mu. Estávamos em busca de uma Flor Espiritual da Alma. Meu... corpo tem algumas... fraquezas, e a flor poderia ajudar." Ele fez uma pausa, fingindo engolir um nó na garganta. "Mas fomos atacados."
"Atacados por quem?" perguntou o guarda mais alto, cruzando os braços.
"Um cultivador," respondeu Wang Li, sem hesitar. "De alto nível. Ele usava uma espada como nunca vi antes. Nos emboscou, matou meu pai. Eu só consegui fugir porque meu pai o distraiu..."
Os guardas se entreolharam, o mais baixo franzindo o cenho. "E o que um cultivador tão poderoso estaria fazendo em uma floresta isolada como aquela?"
Wang Li forçou um suspiro profundo, passando a mão pelo rosto, como se estivesse tentando organizar seus pensamentos. "Não sei. Talvez estivesse atrás da mesma flor. Talvez estivesse nos observando e viu uma oportunidade. Eu não consegui ver muito mais. Só... sangue. Gritos."
"Por que você estava na floresta em primeiro lugar?" insistiu o mais alto.
"Já disse," respondeu Wang Li, sua voz assumindo um tom de cansaço e frustração. "A flor era a única chance de eu curar minha alma rachada. Meu pai... ele sabia o risco, mas achou que valeria a pena."
As perguntas continuaram por mais de duas horas. Os guardas pareciam alternar entre suspeita e compreensão, mas Wang Li manteve sua história firme. Ele exagerou na descrição do cultivador, pintando-o como uma figura quase demoníaca, com habilidades muito além das que ele poderia enfrentar.
"Então você conseguiu escapar por sorte?" perguntou o guarda baixo, estreitando os olhos.
"Sim," respondeu Wang Li, inclinando a cabeça. "Fugir foi tudo o que pude fazer. Se tivesse ficado... estaria morto agora."
Por fim, os guardas se levantaram. O mais alto deu um passo à frente, apontando um dedo para Wang Li. "Estamos investigando isso. Se descobrirmos que sua história tem inconsistências, voltaremos. E, até lá, fique por perto. Não vá longe da cidade."
Wang Li assentiu, sua expressão uma máscara de exaustão e conformidade. "Eu entendo."
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**O Peso da Mentira**
Depois que os guardas foram embora, Wang Li fechou a porta e se apoiou nela, sentindo o peso de sua própria história. Ele manipulou bem os guardas, mas havia uma pontada incômoda em seu peito. Eles acreditaram, mas quanto tempo isso duraria?
Liwei o observava de um canto, ainda processando tudo o que ouviu. "Você acha que eles vão encontrar o culpado?" perguntou ela, sua voz hesitante.
Wang Li olhou para ela, hesitando antes de responder. "Espero que sim. Mas, até lá, precisamos ser fortes. Por Gong Mu."
Ele sabia que não podia manter essa farsa para sempre. Mas, por enquanto, sua mentira era tudo o que o protegia da verdade brutal do que realmente havia feito na floresta. Ele subiu para seu quarto, lavou o sangue de suas mãos e olhou para seu reflexo no espelho.
"Será que sou diferente de Li Yi?" murmurou para si mesmo, o olhar sombrio. Mas, no fundo, ele sabia a resposta.