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Chapter 2 - Familia

Meu relacionamento com Ako Nakamura, outrora Ako Hayate, a.k.a minha mãe, foi por um bom tempo inexistente. Após o divórcio tive pouco contato com ela por alguns bons anos, mas isso vem mudando recentemente. Pelo menos dê uns meses para cá. Mesmo eles tentando esconder, pude ver um esforço por parte dos meus pais para tentar me proporcionar um semblante normal de família. E isso eu agradecia, por mais que gerasse algumas situações tragicômicas. 

Na noite em questão, o silêncio na mesa de jantar era incômodo. A saborosa comida de Hina, no entanto, dava um fio de esperança que alguma coisa positiva sairia dali. 

"Está tudo muito delicioso, Hinata!" Disse minha mãe, e apesar do entusiasmo exagerado, não podia discordar. 

"Obrigada"; respondeu Hina timidamente. "Sei que posso ter dado uma má primeira impressão pela minha reação, mas estou muito feliz que meu pai finalmente tenha achado uma nova companheira."

Isao olhou para filha com genuíno agradecimento, antes de responder. "Obrigado, Hina, isso significa muito para nós dois."

Minha mãe assentiu. "Não teria como te culpar por sua reação, querida. Eu ser mãe de Yuki foi um choque pra todo mundo, até pra mim!"

As duas não teriam como se conhecerem, quando nossa amizade engrenou de vez, meus pais a muito já estavam divorciados. 

"Com licença, vou lavar os pratos." Hina fez menção de levantar, e então decidi oferecer minha ajuda. 

"Eles são namorados?" Pude ouvir minha mãe perguntando para Isao, preocupada em estar se metendo na vida do filho com seu novo relacionamento. 

Isao tocou levemente sua mão, a tranquilizando; "Não, são excelentes amigos." minha mãe simplesmente assentiu.

Hinata se concentrava na lousa, enquanto eu a ajudava a secar, ela me olhou claramente envergonhada. 

"Eu disse algumas coisas bem terríveis sobre sua mãe, não disse? hoje mesmo pela manhã…"

"Você só tomou meu partido, com o tempo vocês vão se dar bem, ela se esforça o suficiente."

"Era disso que estava falando que esperaria acontecer pra me falar?"

Eu a olhei assustado, e rapidamente limpei qualquer possível mal entendido.

"Bem, não exatamente. Não fazia ideia sobre o relacionamento da minha mãe e seu pai, eu só ia dizer que minha mãe estava vindo a trabalho a cidade e que as coisas mudariam um pouco." 

Após terminar, voltei à sala para me despedir.

"Já está ficando tarde e amanhã vai ser um… dia."

Minha confusa frase atraiu confusos olhares.

"Ah! Bem, se já sabe não preciso te convidar!"

Hina lembrou-se do convite ao "encontro entre amigos" do domingo, que esquecera de me fazer. Simplesmente assenti, desejando um até amanhã. De qualquer forma minha intenção era não ir ao tal encontro,

"Yuki…"

Minha mãe me chamou envergonhadamente. 

"Seria problema se dormisse na sua casa hoje?"

A observei por alguns segundos, eu não tinha direito de negar isso a ela. Inclusive era uma boa chance de começar a colocar em prática o plano do meu pai para que eu estabelecesse um relacionamento mais saudável com minha mãe.

"Claro que não teria."

"...Muito obrigada."

"Bem…"; Isao se levantou, fazendo movimento em direção a chave do seu carro,quando foi interrompido por minha mãe. 

"Não precisa Isao, vamos caminhar. Inclusive essa é uma boa oportunidade para colocar em dia a conversa com meu filho."

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Nosso bairro no subúrbio era tranquilo durante as noites, com exceção de algumas pessoas caminhando, pouco movimento se via. Já tínhamos andado algumas quadras quando minha mãe finalmente puxou assunto. 

"Então… Qual a sua história com a Hina… além da amizade?"

Ela conseguiu notar? 

"Bem, eu diria que é "complicado" mas na realidade, não acho que vai ser tão difícil assim explicar."

E nos próximos metros, contei como nosso relacionamento se desenvolveu, terminando nos fatos ocorridos mais cedo nesse mesmo dia. Depois de terminar, minha mãe me deu um leve empurrão, brincalhona e aparentemente sorrindo… orgulhosa??

"Essa foi uma maneira muito madura de lidar com a situação, filho."

"Você acha?" Perguntei genuinamente, eu simplesmente achava que era o certo a se fazer. Não vou mentir, ver minha mãe me olhando daquele jeito me deixou feliz e encabulado na mesma proporção. "Obrigado."

"E a outra garota?"

Olhei sem entender muito bem a pergunta.

"Você mencionou várias vezes o nome dela, a Ayane."

Minha cara de perdido fez minha mãe rir, antes de prosseguir. "Tudo bem, temos muito tempo para colocar esses assuntos em dia."

Minutos depois estávamos em casa. Acendi as luzes na entrada e percebi que minha mãe parou abruptamente. Ah, certamente memórias voltaram. 

"Lembranças?'' Perguntei enquanto tirava os calçados.

"Sim… E ao contrário do que você pode acreditar, muitas delas são boas."

"Eu não duvido que sejam, meu pai sempre disse que ninguém teve culpa no término do casamento de vocês, os caminhos simplesmente se dividiram. Fui pego no fogo cruzado, mas temos tempo pra arrumar as coisas, não?"

Minha mãe se aproximou de mim e me abraçou fortemente, senti suas lágrimas molhando minha camisa. Ela não disse nada, não precisava de palavras, aquele era seu pedido de desculpas, o grito pelo perdão do filho… MInha resposta foi simplesmente devolver o caloroso abraço. 

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"Yuki, o banho já está liberado! Vá logo antes que a água esfrie meu filho!"

"Já vou." respondi enquanto colocava meu smartphone para carregar, dando mais uma olhada na tela e vendo notificações que não tinha a menor energia para verificar. Pouco depois já estava na banheira, observando o teto branco do local. 

"Que dia…" Deixei escapar, e tinha todo o direito. Aventuras e desventuras dignas de crônicas. Felizmente já passavam das 22:00 e a chance de mais groselhas acontecerem era quase nula…

"Yuki."

Pude ouvir minha mãe chamando próxima a porta do banheiro. 

"Mãe?"

"Seu amigo Jin está lá fora te esperando."

"Essa hora!?"

"Ele parece bem preocupado, Yuki. Talvez seja bom conversar com ele."

O que mais poderia acontecer hoje, certo? Suspirei saindo do banho e comecei a me vestir. Minutos depois estava na frente da casa conversando com um, de fato, preocupado Jin. 

"Vice-Presidente, o que foi?" 

Jin fez uma cara complicada antes de responder. 

"Temos um problema gigante pra resolver, meu amigo."

"Às 22:00 do sábado? Não dá pra esperar até segunda, ou amanhã que seja?" 

Ele simplesmente respondeu balançando a cabeça negativamente, em seguida me entregou seu smartphone com o LINE aberto e um vídeo que claramente queria que eu visse. 

No vídeo. Hinata e Shunsuke foram flagrados entrando num dos moteis da cidade, alguém stalkeou os dois, mas ainda não conseguiu entender o tamanho do problema. 

"Bem, um belo soco no estômago."

"sinto muito, Yuki,"

Esbocei um leve sorriso, antes de responder.

"Está tranquilo, Jin, eu já estou sabendo. De qualquer forma, não tem nada de errado sendo feito no vídeo, não estão na escola, e tirando a fama ruim, não é pra ter problemas mais sérios"

Fiz menção de devolver o telefone para Jin, mas ele recusou.

"Tem mais!?"

Ele simplesmente confirmou. Então comecei a ver o seguinte vídeo… E esse era um problema gigante. Os dois foram flagrados fazendo sexo nas dependencias da escola. 

Enfiei o smartphone no peito de Jin e levei das duas mãos ao joelho. Eu dou crédito demais para as pessoas, não dou? 

"Que estupidez inacreditável. Se isso cair na mão da escola, ambos vão ser expulsos!"

"Eu sei" Jin obviamente concordava, não, isso era um fato, era só questão de tempo. 

"Quem mais viu?" Perguntei enquanto pensava no que fazer.

"Jin? Quem mais viu os vídeos!?"

Jin suspirou antes de responder; "Eu, você…"

Um frio no estômago seguido por uma aperto no peito, ah não, ela não. 

"...E a presidente Ayane." 

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Às 22:30 daquela mesma noite, me encontrava na entrada da residência dos Fujibayashi, a alguns quilômetros da minha casa. No fim decidimos que minha mãe, que deixamos a par da situação, e Jin iriam lidar com Hina sobre o assunto do vídeo, coisa que agradeci silenciosamente, não estava em condições de olhar para ela. Patético como isso pudesse soar, não conseguiria agir de boa fé com os sentimentos que tinha no momento. 

Por sugestão da minha mãe, decidi vir até a casa da Ayane. A essa hora, será que vão sequer me deixar vê-la? toquei a campainha, apreensivo, mas para meu alívio, ela foi atendida rapidamente. 

"Hayate?"

A jovem mulher que atendera à porta era a irmã mais velha de Ayane, Izana. As duas eram extremamente parecidas, com exceção do cabelo curto da universitária.

"Posso falar com ela?"

Izana me analisou por alguns segundos, certamente por essa reação, ela já sabia do motivo da minha visita. 

"...O quanto você sabia?"

"O mesmo que vocês duas."

Ela suspirou, levando a mão ao rosto.

"Me desculpe, a garota era sua…"

"Está tudo bem, obrigado pela preocupação." Tentei conter minha impaciência, mas já percebi que falhava miseravelmente. "Posso falar com Ayane?"

"Eu nunca a vi desse jeito, e vivemos a vida toda juntas…" Ela fez uma pausa, me observando mais uma vez antes de continuar. "Ela vai te dizer coisas horríveis, ela vai te odiar, talvez não só momentaneamente… Consegue aguentar?"

Eu devolvi o olhar de Izana, sem pensar duas vezes. 

"Por ela eu posso."

"15 minutos, você tem 15 minutos."

"Obrigado."

Entrei na casa que visitei algumas vezes e me dirigi sem demora até a porta trancada do quarto da garota. Era baixo, mas o seu choro era audível. Tomei coragem, batendo na porta.

"Ayane, sou eu."

O silêncio breve foi seguido dá dura resposta.

"Vá embora, Yukihiro, não preciso de sua pena." as palavras saíram entre soluços de choro. 

"Não vou sair enquanto não te ver."

"Vá… EMBORA!!"

Ah, realmente, era a primeira vez que sequer ouvia a presidente subir o tom de voz dessa forma, minha teimosia era grande demais para ceder, no entanto.

"Depois que eu te ver, eu irei."

Silêncio, seguido finalmente de movimentação dentro do quarto, com passos duros ela caminhou em direção a porta, notava-se raiva em cada um de seus movimentos. Então a porta se abriu, e a desolada Ayane estava a minha frente, se negando a me olhar diretamente.

"Satisfeito!? Agora sai-"

Antes que ela pudesse terminar a frase, a abracei fortemente.

"Está tudo bem em chorar, Ayane, hoje eu já chorei no banheiro, já chorei vindo para cá, e provavelmente vou chorar mais algumas vezes nos próximos dias."

"Você também sabia, não é? Nossa conversa hoje, sua atitude recentemente, você sabia e não me disse nada!!"

Ela se desvencilhou do meu abraço se afastando alguns passos. 

"Você… Achei que fossemos amigos Yukihiro, como não me contou sobre uma coisa terrível dessas!?"

"Eu só tinha suspeitas, nada além disso." Pensei em me aproximar novamente, mas hesitei percebendo sua reação. "Tive confirmação hoje com a Hina durante o jantar, mas do conteúdo do vídeo eu não tinha a menor ideia, Ayane."

"Aquele desgraçado… me guiou como um cachorro, me deu esperanças, ele tinha ciúmes de nós dois, CIUMES! Enquanto transava na escola com outra garota!!!"

Ela me mostrou o smartphone, com um sorriso sinistro, coberto por lágrimas que ainda escorriam. 

"Mas agora eu vou acabar com eles, eu vou mostrar esse vídeo a diretoria da escola… Eu vou acabar com esses dois desgraçados! Eu… vou…"

Ela caiu de joelhos, se abraçando, chorando ainda mais. 

"Você está aqui para me parar, não está!? Para proteger sua amiguinha de infância!"

Me abaixei, ficando na mesma altura dos olhos de Ayane, antes de responder. 

"Não, aqueles dois não importam agora, eu estou aqui por causa de você."

Ela ficou imovel por alguns segundos, me observando, antes de resumir sua fúria. 

"Como se pudesse me escolher tão fácil assim, passou a vida inteira apaixonado por ela!"

"O amor vem de várias formas, Ayane, e o meu amor por você, me deixa desesperado quanto te vejo assim."

Tomei coragem, e levei minha mão ao rosto de Ayane, delicadamente. 

"O que você vai fazer com esse vídeo é decisão sua. O que eu não vou deixar, é que se machuque ainda mais com essa maldita situação."

fomos interrompidos por leves batidas na porta, Izana nos observava com duas canecas em mãos. Meus 15 minutos se foram, huh? 

"Tome, para vocês." Ela me entregou as canecas. "Estou te dando uma extensão de uma hora, hayate."

E assim ela novamente nos deixou a sós, com duas canecas de chá, e uma situação a resolver. Entreguei a bebida a Ayane, que a consumiu lentamente. Algum tempo depois, quando já havíamos terminado, foi a vez dela de falar.

"Yukihiro… Como eu pude dizer essas coisas horríveis a você? Você é tão vítima quanto eu… me perdoe.

Sentei do seu lado, pegando a caneca de sua mão e colocando sobre a mesa no centro do quarto. 

"Eu pensei várias coisas terríveis também, acredite. Mas no fim das contas, vale a pena? Venho de uma casa onde assuntos mal resolvidos terminaram com um relacionamento de anos." 

Por algum motivo ela escorou a cabeça no meu ombro, sua vulnerabilidade estava clara, e eu definitivamente não queria parecer alguém tirando vantagem da situação. De qualquer forma, continuei. 

"Veja, mesmo com esses desencontros, depois de anos, eu finalmente sinto que tenho um pai e uma mãe novamente. Talvez, deixar o tempo curar algumas coisas não seja de todo ruim, certo?"

Ayane me observou, e acenou levemente, entendendo o ponto que eu queria ilustrar. 

"Você é forte, bem mais do que acredita."

"Não, não sou. Apenas acredito que toda essa energia negativa pode ser usada em coisa melhor. Odiar alguém consome muito tempo e esforço!"

Consegui tirar um sorriso de Ayane.

"Como vou conseguir olhar para esses dois? Não tenho essa sua arte de ignorar."

"Ah, pode ser que não tenha mesmo, mas tem as habilidades de presidente, e os deveres que sempre te fazem lidar com os problemas de forma magistral."

Me levantei e estendi a mão para que ela fizesse o mesmo, delicadamente ela aceitou. 

"Você disse que me ama…" Ela hesitou, antes de continuar; "Eu… Eu também te amo Yukihiro, como não te amaria? Como responder a todo o carinho que meu deu nesses últimos anos?"

Não consegui mais encará-la, e desviei o olhar, obviamente envergonhado.

"Oh? Você me diz esse monte de coisa vergonhosa e agora fica encabulado quando faço o mesmo?"

A observei por alguns instantes, estava lá, a minha presidente brincalhona e decidida tinha voltado. 

"Vale muito para mim, Ayane, saber que pensa o mesmo."

"Muito quanto?" ela se aproximou me observando com curiosidade. "Um almoço, um jantar?" 

"Está se auto convidando para alguma coisa, presidente?"

"hm, quem sabe. Meu auto convite funcionou?

Respondi já me dirigindo à porta.

"E alguma vez ele NÃO funcionou?"

Antes que pudesse continuar, Ayane encurtou a distância entre nós rapidamente, e em seguida, me deu um leve beijo no rosto. 

"Obrigada, Yuki."

Fiquei imovel por alguns instantes.

"Isso é tudo que preciso pra te quebrar!?"

Já na frente da casa, as duas irmãs se despediam. Acenei brevemente agradecendo Izana, por ter me deixado conversar com Ayane aquela noite. 

"Boa noite, Yuki."

Já havia dado as costas a casa e começado minha caminhada de retorno, quando lembrei de algo extremamente crítico. E minha abrupta reação chamou a atenção das irmãs.

"Yuki?"

Ayane perguntou preocupada, com toda a comoção de mais cedo, acabei esquecendo um importante ponto, o mais crucial de todos, na realidade. 

"Quem gravou esses vídeos?"

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Na manhã do dia seguinte, ainda deitado em minha cama mesmo já acordado, olhava as notificações do meu smartphone preguiçosamente. Uma delas me fez lembrar da conversa que tive com Jin, depois de ter voltado para casa. 

"Então você sabe quem enviou e gravou os vídeos?" Perguntei a ele preocupado. 

"Sim, a pessoa fez um péssimo trabalho em se esconder." Pude ouvir um bocejo do outro lado da linha, afinal já passava das 00:00; "Dito isso, deixe que eu cuido dessa história, não vai perder parte das suas férias com esse problema. Vou ter que ficar na cidade mesmo, pelos negócios da minha família."

"Certo, quando voltar de seja lá qual for a viagem que meu velho está arrumando dessa vez, te dou uma mão na loja."

Jin era tão capaz quanto Ayane, então tinha confiança que conseguiria resolver essa encrenca. A tranquilidade do vice-presidente era seu ponto forte, e visto que já resolverá problemas similares na escola, não era pra termos uma crise. 

Já trocado, desci a escada com destino a sala da casa, quando pude ouvir uma animada conversa. 

"Não faz ideia de como gostei do seu último trabalho, Hayate." disse Isao Oshima, que sentava do lado de minha mãe num dos sofás. 

"Quando eu disse que ele era seu fã não estava exagerando."

"Haha… não estou acostumado a receber elogios de gente próxima assim, mas obrigado."

Meu pai agradeceu, com o sorriso sem graça que geralmente dava quando estava envergonhado. Diferente da maioria das famílias, meu pai e minha eram, na realidade, artistas. 

Minha mãe era uma autora e novelista respeitada, apesar de não publicar a algum tempo. Já meu pai era compositor, e geralmente trabalhava com jogos e animes. Um dos motivos de meu pai não morar em nossa casa era exatamente esse, apesar de eu ter insistido em não ser problema, ele se negou a fazer um estúdio em nossa residência. 

Já minha mãe voltava para nossa cidade em busca de inspiração, ou pelo menos foi o que eu consegui entender em uma de nossas conversas. 

"Bom dia." disse quando cheguei próximo a eles. 

"Bom dia filho." Minha mãe respondeu, seguida por meu pai. 

"Bom dia, Yuki! Pronto para mais uma caminhada hardcore?" 

"A única coisa hardcore que o senhor faz ultimamente é dormir." 

"Yukihiro…" Isao se levantou, claramente envergonhado, e fez uma leve referência a minha direção antes de continuar. "Gostaria de pedir desculpas, sobre Hina.'

"Está tudo certo, senhor Oshima, Hina ainda continua sendo uma grande amiga."

Meu pai me observou curioso, e eu já sabia qual seria o assunto dos primeiros quilômetros de caminhada. 

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Costumávamos fazer nossa trilha numa das florestas próximas à cidade, cerca de 2km de distância do centro. Era uma atividade corriqueira entre eu e meu velho, era difícil o mês que não o fazíamos ao menos duas vezes. 

O dia estava quente, e a vegetação e as sombras das árvores até ajudavam, mas o abafado e úmido clima da atual época do ano era o vilão de verdade. Já havíamos subido alguns quilômetros, quando terminei de contar todo o drama do dia anterior ao meu pai. 

Paramos para tomar água, quando ele voltou a puxar assunto. 

"Uma pena, achei que Hinata fosse ser uma excelente nora, mas agora sabemos que consegue alguém melhor, meu filho."

Aquilo foi atipicamente duro, vindo do meu velho. 

"Não está sendo pesado demais com ela?"

"Não, estou sendo realista. Vai ser uma lição aprendida para todos, mas isso que ela demonstrou são traços ruins."

O observei um pouco incomodado, ele, notando, concluiu sua ideia. "Não estou dizendo que Hinata é a pior pessoa do mundo, ou que ela não tem perdão e etc. Estou dizendo que a ação dela merece uma reação. Como eu disse, uma lição aprendida, ela vai sair do outro lado uma pessoa melhor."

"Entendi." guardei minha garrafa d'água na mochila e continuei o seguindo. "Ela tem Isao, e agora minha mãe para ajudá-la."

"Exatamente!" disse meu pai, entusiasmado pelo fato de estarmos chegando ao nosso destino. No alto de um dos morros, a vista de Aomori era impressionante, não me cansava de ver, mesmo que isso já não fosse novidade. 

"Então, filho, quer a notícia boa ou a notícia ruim primeiro?" Ambos estávamos sentados numa das pedras, quando ele me fez essa pergunta. 

"Ruim primeiro."

Ele coçou a nuca antes de continuar. "Bem, não vou conseguir viajar com você esse ano, filho."

Isso era desapontador, realmente. Gostava das desventuras em série das viagens com meu pai. Ele em seguida explicou o motivo. 

"Tivemos uma mudança de direção no último projeto, e me pediram pra retrabalhar na trilha sonora."

"E a boa notícia?"

"A boa notícia é que você ainda pode viajar, sua tia vai estar lá a trabalho, então não ficará sozinho, e ainda tem um bônus: Pode levar um de seus amigos, já tenho as passagens compradas, afinal."

Observei meu pai por alguns segundos, antes de agradecer. 

"Obrigado, eu realmente preciso dessa viagem."

"Eu sei, por isso estou insistindo para que vá."

Ambos levantamos vagarosamente, e começamos o longo trajeto de volta, até o carro no começo da trilha. 

"Para onde é a viagem? Eu geralmente gosto da surpresa de descobrir no último segundo, como geralmente faz, mas vai ser meio difícil convidar alguém sem dizer pra onde estamos indo."

Ele ajeitou seus óculos escuros, sorrindo, antes de responder. 

"Não esqueça o protetor solar, moleque, porque você vai pra Okinawa."

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Cerca de uma hora depois já estávamos em casa, meu pai guardava o carro, enquanto eu me dirigia à entrada. Na porta, minha mãe recebia uma sacola de Hina, que vestia um belo vestido, leve, para o verão, e um chapéu que combinava perfeitamente. As observei por um tempo, e então elas notaram minha presença. 

"Bem vindo de volta, filho."

Hina me observou receosa, e após uma pequena hesitação, também me cumprimentou. "Bom dia, Yuki." Disse a garota em tom tímido. 

"Porque vocês não dão uma volta? Ainda vai demorar um pouco para o almoço ficar pronto."

Eu queria mesmo era tomar um banho, mas a sugestão de minha mãe tinha alguns objetivos, e decidi segui-la. Hina também assentiu, e pouco tempo depois já estávamos próximos ao parque, de tantas memórias.

Sentávamos nos balanços no centro do parque, havia algumas crianças brincando na caixa de areia, e pude notar que Hina também as observava. 

"Trás algumas memórias, não trás?" 

Perguntei olhando Hina pelo canto dos olhos. Ela parou o movimento que fazia com o balanço, usando os pés, antes de responder. 

"Trazem sim…" a sombra do Chapéu que a garota usava encobria seu rosto, eu já imaginava o que estava por vir. "Yuki, eu gostaria d-"

"Já fizemos isso ontem, não?" 

"Mas os vídeos…"

"Hinata!"

Lá se foi minha paciência outra vez, ela se assustou de verdade. Não queria dar mais sermão além do que ela certamente já recebeu de minha mãe, e seu pai, mas tive que aproveitar a oportunidade para criar uma nova regra para nós dois. 

"Hina… Eu sei que deve ser difícil, pra mim está sendo, mas se tivermos qualquer chance de continuarmos a ser amigos, esse assunto precisa morrer com o tempo."

Me levantei e fui até o balanço que ela ocupava, me abaixei até conseguir ver o rosto de Hina, encoberto pelo chapéu, e obviamente encontrei lágrimas sendo seguradas. 

"E acredite, eu quero continuar sendo seu amigo, porque eu gosto muito de você, de verdade."

"Eu sinto muito." Ela já não segurava as tais lágrimas; "Sabe o quão chorona eu sou, e te dei tantos motivos pra nunca mais sequer falar comigo…"

"Mas aqui estou, não é mesmo." Disse com um leve sorriso; "Confiança é algo que se perde, mas não é algo que acho impossível de se reconstruir."

Me movi para trás do seu balanço, e fiz um leve movimento para que o brinquedo se movimentasse. Hina aceitou sem reclamar. 

"Vamos ficar bem no final, eu tenho certeza."

"Obrigada…"

"Então, quais seus planos para as férias?"

Perguntei, fazendo minha parte para termos uma mudança de assunto. 

"Vamos visitar minha avó em Hokkaido, já tem alguns anos que não vou lá." Respondeu a garota segurando o chapéu com uma das mãos. "E enquanto a você? Seus registros das suas viagens com seu pai são dos pontos altos das nossas férias!"

"Bem, nossa viagem vai ser pra Okinawa, mas dessa vez meu pai não poderá ir devido ao trabalho, minha tia ainda vai estar lá então ele pediu pra que eu aproveitasse, de qualquer forma."

Ah, sim, precisava arrumar um companheiro de viagem também

"E ele me pediu para convidar alguém, para não desperdiçar a passagem e a acomodação."

Um silêncio que ficava mais corriqueiro entre nós voltou ao parque, antes que eu pudesse quebrá-lo, Hina freou o movimento do brinquedo com os pés. 

"Essa é uma excelente oportunidade, Yuki."

Ela tirou o chapéu e me olhou ainda sentada no balanço. 

"Posso fazer uma sugestão?"

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Capitulo 2.1: Ayane Fujibayashi

Esse foi um dia cheio, para não usar outras palavras. Depois da loucura do sábado, decidi me encontrar com Shunsuke e Hinata por sugestão de Yuki e Jin. A conversa no fim das contas acabou sendo produtiva. Tirei bastante coisa do peito, e fui bem clara que o que fizeram foi estupido em vários níveis diferentes. 

Não só pela situação envolvendo nós quatro, mas pelo risco que correram devido ao vídeo gravado. Vídeo esse que Jin garantiu dar um jeito antes das férias terminarem, não duvido das capacidades dele, mas sinto alguma pena do pobre indivíduo que vai ter que lidar com os shenanigans do vice-presidente. 

Sentei em frente ao espelho no meu quarto enquanto terminava de secar meu cabelo após um longo banho. Na cômoda ao lado, retratos com fotos minhas e de Shunsuke estavam em destaque.

"Não sou forte assim, desculpe." Tirei todas as fotos dos retratos e guardei na gaveta, ele não merecia espaço ali, ao mesmo tempo que um novo objetivo para as férias nasceu: novas fotos para as molduras agora vazias. 

"O jantar está pronto Ayane."

''Já vou, mana!" respondi Izana terminando de me trocar. 

O jantar, como sempre, estava fabuloso. Não dava pra esperar menos de uma estudante de gastronomia da Todai. 

"Como foram as coisas?" Izana perguntou enquanto terminava sua bebida.

"Surpreendentemente bem, uma coisa que eu descobri é que pelo jeito aqueles dois realmente se gostam. Então não temos muito o que fazer, certo?" 

Minha irmã me olhava com alguma pena, obviamente ainda doía, e continuaria por algum tempo. "Vamos seguir em frente, e é isso."

Izana deu uma leve risada. "Talvez, deixar o tempo curar algumas coisas não seja de todo ruim, certo?"

A fala de Yuki. "Então você estava nos ouvindo?"

"Claro, você acha que eu ia deixar minha irmãzinha ferida a sós numa hora daquelas? De qualquer forma, vou ser obrigada a dizer que Yukihiro passou no teste com notas altas."

Um sorriso besta tomou minha cara, lembrando das diversas vezes que Yuki usou de sua suavidade involuntária. 

"Ele consegue dizer coisas extremamente embaraçosas sem nem piscar, não consegue?"

"Sim, você já deu alguns exemplos em outras conversas nossas, mas não creio que ele faz por outro motivo além de simplesmente ser uma pessoa genuína."

Assenti em silêncio. Com a situação familiar complicada que ele teve, era de se surpreender a forma como ele tratava as pessoas, ou talvez não fosse assim tão surpresa, visto que ele simplesmente aprendera a valorizá-las pelo que passou ainda tão novo. 

"Então, o que pretende fazer nas férias? Por favor, me diz que não só vai se enfiar no quarto e estudar!"

Bem, esse era o plano, e achei que fosse uma boa ideia para me fazer esquecer dos problemas, minha irmã, no entanto, ainda insistiu. 

"Você já tem uma carta de recomendação, Ayane, precisa mesmo de tudo isso?"

"Você me conhece, mana. Me sinto mal sabendo de tantos outros que estão se esforçando muito, não quero parecer alguém que não entende o valor do que consegui." 

Izana suspirou, desapontada. Então começou a levar os pratos para a cozinha, me levantei e comecei a ajuda-lá.

"Nossos pais voltam de viagem semana que vem, se fosse você eu arrumaria planos antes disso, do contrário eles vão acabar escolhendo."

Antes que pudesse responder, meu telefone que estava sobre a mesa tocou, minha irmã , mais próxima de onde estava o aparelho, olhou na tela do mesmo e meu deu um jóia seguido de um sorriso, antes de ir para a cozinha. 

Sem compreender muito bem, peguei o aparelho e então pude entender a reação de Izana, atendi a ligação sem mais demora. 

"Boa noite, Ayane, pode conversar agora?"

"Boa noite, Yuki, posso sim"

"Você está muito ocupada nessas próximas semanas?"

Hesitei antes de responder, ele claramente queria me convidar para alguma coisa. 

"Não, vou tirar uma semana para estudar e tenho alguns dias com obrigações do conselho estudantil, mas no restante estou livre sim."

Agora quem hesitou foi ele.

"Bem…"

"Yuki? Pode falar, meu jovem, não tenha medo, para onde está querendo me levar?"

"...Como Okinawa soa para você?"

Fiquei em silêncio pelo choque, ele queria me levar para uma viagem, não era um almoço, ou jantar, ou cinema… Uma viagem para praticamente fora do país, e tudo mais. 

"...Ayane?"

"...Seríamos só nós dois?"

Novamente silêncio, teria ferido os sentimentos dele? Ficou com a impressão que eu não queria que fossemos só nós dois. Não me importava de sair com Yuki, mas uma viagem daquelas, a sós, implicaria em algumas coisas que não sei se ambos estavam prontos. 

"Não, claro que não, meu pai não poderá ir, mas minha tia vai estar lá a trabalho. Não sou tão corajoso assim, presidente."

Tinha sido pega de surpresa, mas estava feliz pelo convite, de verdade.

"Yuki, eu aceito o convite."

"Você aceita?"

"Você esperava o contrário?" perguntei em tom brincalhão.

"Talvez… Bem, vou te enviar os detalhes e depois conversaremos mais sobre isso."

Com um breve boa noite, a ligação foi encerrada. Não sei se era uma boa ideia, mas passar mais tempo com ele me fazia feliz. 

"Mana!" Abri a porta da cozinha assustando Izana que lavava a lousa.

"O que foi!?" disse ela desligando a torneira da pia. 

"Compras, precisamos ir às compras amanhã!"

"Okay…? O que especificamente?

"Bikinis! Preciso de alguns novos!" Era minha vez de fazer você ficar sem palavras, Yuki!

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