Era segunda-feira da semana seguinte, nossos primeiros dias de férias foram, felizmente, pouco movimentados. A última coisa que precisava era de algum imprevisto para a viagem marcada com Ayane e felizmente esse desafio foi vencido sem maiores problemas. O aeroporto em Naha estava movimentado, pela época do ano eu já esperava. Felizmente não estava cheio o suficiente para se tornar intransitável.
A garota ao meu lado se espreguiçou do voo de três horas que nos levará até a ilha tropical, e então me olhou com o mesmo sorriso que tinha desde que partimos do aeroporto de Aomori.
"Aqui estamos, camarada Yuki, e agora?"
"Essa é uma questão válida, camarada Ayane, mas veja." Apontei para uma mulher de cabelos encaracolados e entusiasmo gigante que se aproximava de nós. "Nossa anfitriã já chegou."
Antes que Ayane pudesse dizer qualquer coisa, minha tia, Koharu Satonaka, me abraçava fortemente. "Yuki!! A quanto tempo, meu docinho!" Minha tia tinha um jeito bem não japonês de demonstrar afeto. Minha família toda por parte do meu pai, sendo honesto.
Retribui o abraço sem muito jeito. "Já fazem quase dois anos, tia. E talvez seja hora de abandonar essa história de docinho." Conclui em tom brincalhão.
"Nunca, vai ser meu docinho até mesmo quando for um velho resmungão!" Dito isso, ela tornou sua atenção para Ayane que pelo visto ainda estava decidindo como se apresentar. "E você deve ser a amiga sortuda que ganhou o convite do meu sobrinho?"
"hm…" Ayane, ainda sem jeito, respondeu. "Prazer em conhecê-la, tia Koharu."
"Eu ia sugerir que me chamasse de tia, de qualquer forma, mas é bom ver que pensamos parecido!" Minha tia fez menção para que a seguíssemos, e minutos depois já estávamos saindo do estacionamento do aeroporto, confortáveis dentro de seu SUV.
"Como estão seu pai e sua mãe?" Koharu perguntou enquanto nos dirigia até nosso apartamento.
"Minha mãe começou o rascunho do seu próximo livro, ela voltou para nossa cidade em busca de inspiração." Olhei para a paisagem formada por uma bela praia de areias claras com o vasto oceano ao fundo, antes de continuar. "Pelo visto ela encontrou."
"Entendo, fico feliz que estejam se dando bem melhor agora."
"Sim. Já meu velho… bem, a senhora já sabe."
Ela acenou positivamente, continuando. "É o tipo de coisa que acontece com adultos trabalhadores."
"Ele disse que a tia também estava aqui a trabalho, o que seria?"
Ela fez uma cara complicada, mas decidiu responder mesmo assim; "Você vai ver, digamos que tive um imprevisto igual seu pai, um pouquinho mais complicado de resolver, talvez?" Ela então mudou sua atenção para Ayane que estava distraída com a paisagem do trajeto.
"E enquanto a você, querida? É um ano mais velha que Yuki, certo?"
"Sim, mais uma vez, muito obrigada pelo convite. Vai ser uma boa mudança de ares."
"Ah, claro que vai! Desligar um pouco dos exames para a universidade vai te ajudar e muito!"
"Ela já tem uma carta de recomendação para a Todai, tia."
"Meus parabéns!" Disse minha tia feliz, e o motivo: "Sou ex-aluna da Todai, assim como o pai de Yuki. Se esse é o caso, não precisa estudar tanto, certo?"
"Bem…"
"Ela tem um senso de responsabilidade gigante, sem chances dela abrir mão das seções maníacas de estudo, mesmo sem precisar."
Ayane me mostrou a língua, brincalhona. Minha tia deu um leve sorriso antes de continuar.
"Não é uma coisa ruim de se ter, Aya! O mundo precisa de gente responsável, inclusive a falta de responsabilidade em adultos causa muitos problemas, muitos, muitos mesmo."
Aya, huh? Imaginei que não demoraria até os apelidos, e de alguma forma o papo de responsabilidade pareceu pessoal demais.
"Imagino que falta de responsabilidade é um dos problemas que teve no trabalho?" Perguntei já imaginando a resposta.
"Sim." Ela disse em raro tom cansado. "Como eu disse, vocês vão ver."
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Chegamos no apartamento alugado pela empresa de minha tia, e como eu já sabia, dinheiro certamente não era problema para eles. Ela nos deu a chave enquanto terminava de fazer nosso registro na portaria do prédio, então junto de Ayane segui para o AP de número 78.
Coloquei o cartão de acesso para abrir a porta, mas para nossa surpresa ela já estava aberta. Trocamos um breve olhar preocupado, mas decidimos entrar mesmo assim. O apartamento era grande, como imaginamos, uma mobília tradicionalmente ocidental aproveitava bem o espaço. De qualquer forma, o que mais chamou nossa atenção foi que alguém estava deitado no sofá, na sala.
Um pequeno resmungo seguido de movimento, fez com que a pessoa em questão viesse até próximo de nós.
"Ah… Vocês devem ser os jovens que Koharu disse que chegariam hoje…"
Eu não tinha muito para onde olhar, a jovem mulher usava uma roupa… confortável, deixando suas belas curvas visíveis. No entanto, Ayane me chamou atenção para outro detalhe.
"Yuki… Essa não é a…?"
Ignorando um pouco a vergonha, observei a bela mulher com um pouco mais de atenção e então pude entender a dúvida da presidente. A mulher em questão era Masami Imamura, seria improvável não conhecer seu rosto publicitariamente muito bem usado, ela estava em todo lugar.
"Welp, não imaginei que fosse conseguir esconder de vocês mesmo." Ela disse com um pequeno sorriso, soltando seus longos cabelos castanhos brilhantes e tirando o óculos que usava. "Ex-Idol, mais especificamente."
"Ainda não." minha tia entrou no apartamento, continuando. "Estamos aqui exatamente para decidir a melhor forma de você se graduar. E vista algo mais decente, Masami!"
Masami bateu continência para minha tia em tom zombeteiro, antes de se dirigir para o seu quarto.
"Qual é exatamente sua profissão, tia Koharu?" Ayane perguntou, curiosa. Era uma dúvida honesta depois do que acabamos de ver.
"Eu sou uma produtora." Ela entregou um cartão para Ayane que leu com a boca entreaberta.
"E das grandes, se quer saber." Eu disse observando Ayane, que sorria.
"Seus parentes estão em outro nível, camarada Yuki."
Uma escritora, um compositor e uma produtora, todos renomados de um jeito ou de outro, tive que concordar com minha amiga. "Eles são incríveis pra caramba, de fato."
O sorriso envergonhado que arrancamos de minha tia foi uma primeira recompensa suficiente para o início da nossa viagem.
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"Então, qual o plano de vocês?" Perguntou minha tia, após terminar seu almoço. Sentávamos na mesa localizada na cozinha do apartamento, com ajuda de Ayane, a refeição ficou pronta sem muita demora.
"Bem, eu quero muito visitar o aquário." Ayane respondeu lendo um guia de viagens que pegamos no aeroporto. "E obviamente, mergulhar!"
"Excelente ideia, amanhã ou depois pela manhã posso levar vocês ao aquário. E um dos melhores mergulho fica mais próximo, o que facilita."
Com planos feitos, decidimos explorar a praia próxima ao apartamento pelo resto do dia, minha tia e Masami tinham assuntos a tratar, então eu estaria a sós com a presidente. Não poderia negar que estava nervoso. Nos conhecemos há alguns anos, mas a amizade que tínhamos atualmente tomou forma no final do meu último ano de fundamental.
"Me dê uns minutos para me trocar e já descemos."
Acenei positivamente, e sentei no sofá esperando, já trocado para uma leve camisa e bermuda de praia. Me senti um pouco lesado ao perceber que os poucos minutos que Ayane pediu já haviam se tornado meia hora.
"Yuki…"
"Finalment-" Me virei para respondê-la, mas acabei ficando sem palavras, literalmente. O sorriso presunçoso de Ayane já contava com a vitória. A garota usava um biquíni preto com detalhes brancos, que apesar de não ser dos mais "agressivos" não era modesto.
"Excelente! Te deixei sem palavras, 1 a 0 para mim!"
Ela fez um breve sinal de vitória com os dedos, mas estava corada de vergonha o suficiente para me fazer querer contestar tal derrota, no fim deixei ela levar essa. Ayane se cobriu com uma blusa leve e fez sinal para que seguíssemos para a praia.
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A areia branca, o lindo mar azul e a temperatura inexplicavelmente agradável colaboraram formando a melhor experiência, pelo menos visual, que já tive em praias. Andamos pela beirada do mar conversando, chutando areia e rindo das bobagens no último ano de escola.
"Bastante coisa aconteceu, agora que paramos pra pensar."
"Sim." Concordei, como se esperava do conselho estudantil, os problemas hora ou outra chegavam até Ayane, Jin e os outros membros. Como apenas um "observador" não me envolvia, até porque, salvo raras exceções, eles dificilmente precisavam de ajuda.
A observei mais uma vez, e a combinação do cenário e a simples presença de Ayane, me fez querer uma foto de recordação, precisava guardar o momento. "Posso?" perguntei, indicando a câmera do meu smartphone para a garota.
Ayane pensou um pouco, e em seguida se aproximou rapidamente, tirando o aparelho da minha mão. Achei que tivesse tido uma resposta negativa, mas a verdade era que ela só queria se aproximar o bastante para tirar um selfie. A presidente me puxou pela cintura e rapidamente tirou a foto quando nossos rostos estavam bem próximos.
"Isso ficou terrível!" Disse indignado pela minha cara de espantando na selfie.
"Eu digo que está brilhante!" Ela me segurou pela mão e começou a me puxar com destino a nosso guarda-sol. "Vamos descansar um pouco antes de entrarmos no mar."
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Sentados em toalhas sob a sombra do guarda-sol, observamos a movimentada praia enquanto o laranja do entardecer começava a pintar o céu.
"Estou um pouco desapontada."
Virei minha atenção para a presidente, que se sentava abraçando os joelhos antes de continuar.
"Já estamos a um bom tempo aqui e ainda não recebi nenhuma cantada!"
Ela me arrancou uma risada, e fui obrigado a responder.
"Acho que a culpa é minha, presidente. Posso te deixar a sós para testarmos essa teoria!"
"Está dizendo que somos um casal convincente o suficiente aos olhos dos outros, Yuki?"
"Aparentemente sim, você quer que eu saia, pres?"
A pergunta misturava um pouco de piada e receio genuíno, mas a resposta foi bem clara, Ayane sorria envergonhada, e pouco depois continuou.
"Eu estou, obviamente brincando, você já está me bajulando o suficiente, não sou tão alta demanda assim, Yuki."
"Não vou negar que me deixou preocupado por um segundo ou dois."
"Apenas segundos!?"
Antes que pudéssemos continuar, fomos interrompidos por um casal que se aproximava. Tanto o rapaz quanto a moça, que estavam de mãos dadas, bronzeados o bastante para indicar que já estavam em Okinawa a um tempo, pareciam sem jeito.
"Vimos que estão sozinhos, e gostaríamos de saber se querem brincar com a gente."
A jovem indicou uma bola de praia, antes de prosseguir.
"Quanto mais gente melhor, facilita na hora de não mandar a bola para muito longe!"
Olhei para Ayane que acenou positivamente, seria uma boa oportunidade de relaxar e conhecer gente nova, e o casal pareceu amigável o suficiente para merecer uma chance.
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Jogamos por alguns minutos, e depois simplesmente ficamos na água, relaxando e observando o tranquilo oceano.
"Então são de Aomori?" Perguntou Makoto Azuma, recém graduado do ensino médio, e que agora trabalhava no restaurante da família na ilha.
"Isso é bem lá no norte!" A garota, Yukiko Maruyama, era caloura na universidade de Fukuoka.
"Sim, só perdemos para Hokkaido."
Após minha a resposta, Yukiko pegou Ayane e a chamou para irem até um dos vestiários, a presidente aceitou. Aparentemente era hora de fazer coisas de garotas.
Agora sozinhos, Makoto e eu fomos pegar bebidas num dos quiosques beira praia. Enquanto continuamos nossas conversas introdutórias.
"Já veio em Okinawa antes? Tô vendo que não foi frito pelo sol, isso já é um sinal de costume!"
Eu ri observando o tom da minha pele.
"Já visitei algumas vezes, mas isso é mais pelas trilhas que costumo fazer com meu velho. E você Makoto?"
"Bem, vivi minha vida toda na ilha. E a menos que minha vida dependa disso, pretendo passar o resto dela também!"
Acenei positivamente, não era costumeiro a nova geração se manter em lugares isolados, mas sendo justo, Okinawa era de longe a menos isolada das ilhas isoladas…
"São namorados?" Makoto perguntou, tomei um gole do meu suco antes de responder.
"Não, apenas bons amigos."
Makoto me observou mais alguns segundos, e preferiu deixar o assunto morrer ali.
"E enquanto a você e Yukiko?"
"Estamos juntos desde o fundamental, namoramos durante todo o ensino médio, e agora estamos na fase do relacionamento a distância, visto que ela foi estudar no continente."
Ele percebeu minha curiosidade silenciosa, e então prosseguiu.
"Estamos lidando bem até, fiquei receoso no começo pra saber o quão grudento eu estava sendo, ou quão frio eu estava sendo. Mas agora consegui achar um equilíbrio. Seria esse um dos motivos de ainda não estarem namorando?"
"Ela tem uma carta de recomendação para a universidade de Tóquio, esse será nosso último ano juntos em Aomori."
"Entendo."
Chegamos perto de onde deixamos nossas coisas novamente, e as garotas ainda não haviam voltado.
"Você se importaria com um relacionamento à distância?"
Pensei um pouco observando o mar, relacionamentos a distância precisavam de uma compreensão que nem toda pessoa vinha equipada. Me perguntava se eu mesmo tinha tal capacidade, apesar de estar inclinado a acreditar que sim.
"Por ela eu faria esse esforço."
"E não seria isso mais que suficiente?"
"Preciso saber o que ela acha também, no fim das contas."
"Então pergunte!" Makoto se levantou olhando a hora em seu relógio de pulso. "Tem a oportunidade perfeita hoje, inclusive! Um dos festivais está rolando essa semana, tem poucos lugares mais apropriados que um festival de verão em Okinawa para esse tipo de momento!"
"Errado você não está. Ayane usando uma yukata seria demais para o meu coração, no entanto."
"Quer dizer que eu te mataria se usasse uma roupa dessas? Não quero te perder, então sem Yukata esse verão."
Fomos interrompidos pelas garotas que retornavam, já trocadas. Era nosso sinal de partida.
"Eu retiro o que eu disse, posso sobreviver!"
"Tarde demais para isso, camarada Yuki… Sobre o festival, quer ir?"
"Claro, mas vamos voltar ao apartamento antes."
Makoto e Yukari nos observavam em silêncio, trocando um sorriso que nos deixou sem entender.
"Bem, vejo vocês no festival, uma das barracas é do nosso restaurante, deem uma passada lá!"
Caminhávamos de volta ao apartamento, enquanto meus pensamentos aceleravam causando dúvida. A ideia de parecer aproveitar da viagem para me declarar a Ayane me deixava com um gosto amargo na boca. Além do mais, não tinha a certeza dela estar pronta para um relacionamento depois do que recentemente vivemos, talvez nem eu estivesse.
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No anoitecer daquele mesmo dia, eu estava em frente ao espelho do meu quarto me observando. Trajava uma Yukata azul marinho preparada por minha tia, para minha surpresa. Ainda sem jeito e com a pouco usual vestimenta, fui até a sala. Minha tia, Ayane e Masami ainda se arrumavam no quarto.
"Yuki!" Fui até próximo da porta após ouvir minha tia. "Vá indo ao festival, vamos demorar um tempo ainda. Você disse que seu novo amigo trabalha lá, certo? Faça uma visita enquanto espera!"
"Ok, só me avisem quando chegarem lá.''
Dito isso, segui com destino ao festival, solitário, mas ao menos bem vestido. Não atrai tantos olhares, afinal de contas não era incomum um turista se trajar como eu estava. O caminho até o festival estava movimentado, aliás, a ideia que eu tive era que toda cidade era basicamente o festival.
Cerca de quinze minutos depois, cheguei ao local principal do evento, grupos de turistas e artistas que se apresentariam mais tarde, se misturavam homogeneamente. Vastos estandes de comida se estendiam por uma rua bem comprida, e me foquei neles, procurando a barraca da família de Makoto. Minha procura foi breve, visto que o mesmo me chamou.
"Yukihiro!"
Me virei ao ouvir meu nome, deparando com o sorridente rapaz, acompanhado da namorada, em frente ao estande da família.
"Bom que veio, cara! Só não me diga que está sozinho."
"Hah, por hora sim. Ayane e as outras disseram que ainda demorariam pra se arrumar."
Yukiko riu, explicando na sequência: "Não é fácil colocar esse troço, mas a experiência vale a pena."
"Eu concordo, estou me sentindo mais importante do que deveria simplesmente por estar usando uma dessas!"
"Deixa disso. Você é boa pinta pra caramba, caiu bem demais em você."
Não sabia como responder ao elogio, então simplesmente não o fiz.
"O que vocês vendem?" Perguntei me aproximando da barraca.
"Um pouco de tudo, mas vamos nos focar em takoyakis nesse evento!" Makoto já estava no modo vendedor, passando para trás do balcão."
"O que recomenda?"
"Tudo! Mas falando sério, o takoyaki simples é um ótimo começo."
Pouco tempo depois já estava com uma porção de bolinhos em mãos, e realmente, tinha sido uma ótima pedida.
"Está delicioso, provavelmente vou visitar sua barraca algumas vezes durante a noite de hoje."
"E será muito bem vindo, este será por conta da casa, e um presente de boa sorte!"
O observei tentando encontrar o motivo da boa sorte desejada, quando Yukiko interviu.
"Com a Aya, vai se declarar, não vai?"
Observei os dois mais uma vez, e naquela altura eu não tinha muita escolha.
"Seria um desperdício não tentar."
No mesmo instante meu smartphone vibrou.
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Caminhando sorridentes, tia Ako, Masami e Ayane andavam a cerca de um metro a minha frente. Observava o entorno, e mesmo com a presença grande de mulheres e homens em Yukatas, as três conseguiram chamar atenção. Ayane usava uma Yukata azul clara, com detalhes florais em rosa que combinaram perfeitamente com seu cabelo negro em rabo de cavalo. Masami usava uma yukata marrom, com detalhes dourados, e de qualquer forma, a impressão que tinha da mulher era que, mesmo se disfarçando, tudo caía bem nela. Minha tia, por sua vez, estava extremamente elegante, e ficava meio óbvio que estava acostumada ao traje.
"O quão sortudo é você, sobrinho?"
Masami perguntou em tom irônico, que a essa altura eu já me acostumava.
"Sortudo pra caramba, sendo honesto. Posso sentir os olhares de inveja."
"Certo, então esse é seu jeito de dizer que estamos fantásticas?" A quase Ex-Idol continuou.
"Yep, as três estão lindas."
Minha tia Koharu riu, desacelerando para andar ao meu lado.
"Olha só, costuma ser suave assim com as mulheres, Yuki?"
"É, ele é sim. Algumas vezes ficamos completamente sem resposta."
Ayane respondeu também nos esperando.
"Isso é um óbvio exagero, presidente."
"Hah, na última semana eu consigo contar pelo menos duas vezes em que fiquei sem saber o que fazer depois de soltar dessas suas."
"Eu só elogiei vocês, parem de me provocar."
"Quando a provocação funciona bem assim, fica meio difícil parar, Yuki."
Continuamos nossa conversa enquanto Masami e minha tia nos observavam, trocando olhares que ainda não entendia.
Passamos perto de um grupo de músicos praticando. O instrumento que o grupo usava era o banjo de três cordas Sanshin, típico da região, que já ouvira, mas era a primeira vez que o observava pessoalmente. Parei instintivamente ouvindo a leve melodia, quando fui interrompido por minha tia que me estudava curiosa.
"O que acha?"
Ensaiar, ou afinar um instrumento que seja, naquela movimentação não era para muitos.
"Bons demais, tem que ter uma concentração grande para fazer ajustes nessa barulheira. Não é atoa que dão conta de tocar na frente de milhares de pessoas."
Agora era Ayane que me olhava curiosa.
"Você toca algum instrumento?"
Nunca havia mencionado sobre, porque não me foi perguntado. Antes que pudesse responder, minha tia o fez, orgulhosa.
"Sim e era muito bom!"
"Agora isso certamente é um exagero."
olhei para a presidente antes de responder.
"Meu pai é músico, todo compositor é. No fim eu acabava praticando alguns instrumentos no estúdio dele quando criança. Mas já fazem anos desde que toco qualquer coisa."
Nunca foi nada além de um hobbie, e como toda criança, o interesse era passageiro. Não vou negar que o divorcio dos meus pais também me fez querer tocar menos ainda.
"Entendo, então quer dizer que ainda tem muita coisa que não sei sobre você, Yuki."
"Sou uma caixa de mistérios, segredos passados a dar com pau."
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Fiquei a sós com Ayane enquanto minha tia tentava, em vão, controlar Masami que explorava as barracas como criança. A presidente percebeu meu olhar na super estrela em retirada.
"Ela é bem mais pés no chão do que aparenta, não acha?"
Ter contato com uma personalidade do tamanho e alcance de Masami, mesmo que por menos de um dia, já deixava bem claro que sempre existia algo além da máscara que usavam nos anúncios e postagens de instagram.
"Certamente não está fazendo o trabalho de minha tia fácil." Observando as duas mais uma vez, prossegui. "Mas sendo justo, não parece ser problema."
Havia uma conexão e um silencioso agradecimento entre as duas mulheres, o respeito e provavelmente as incontáveis horas de trabalho que compartilharam criaram esse laço.
Sentamos num dos bancos na calçada beira mar, quando decidi que era minha vez de aprender algo sobre Ayane.
"Você sabe meu passado sombrio com a música, agora é sua vez de me contar sobre algo de profundidade similar, presidente."
Ela riu, ajeitando o cabelo. É, eu estava parcialmente hipnotizado pela beleza de Ayane, por sorte ainda me restava sobriedade o suficente para conseguir não parecer um idiota em nossas conversas.
"Okay, músico sombrio. Deixe-me pensar… Já te falei algumas vezes o que vou estudar na universidade, certo?"
Acenei positivamente, Fashion design, apesar da conversa nunca ter se aprofundado.
"Eu gosto muito de desenhar, principalmente roupas. Acho que somando 1+1 já dava pra imaginar…"
Ela riu sem graça e eu confirmei.
"Isso eu deduzi."
"Bem, nunca te mostrei meus desenhos, nem desenhei na sua frente, quando voltarmos vamos corrigir esse vacilo… SE tocar algum instrumento para mim!"
"Temos um trato, só baixe suas expectativas."
"Vou tentar." Ayane se levantou, fiz o mesmo cedendo o meu braço para que ela segurasse, que sem relutar, ela o fez.
"Vamos à queima de fogos? Makoto e Yukiko provavelmente vão saber de um lugar bom para assistir."
Antes de começarmos a caminhar, tomei coragem, respirando fundo.
"Ayane."
Ela parou abruptamente, e pude sentir sua tensão. Provavelmente percebendo minha desajeitada mudança de tom. Estava na hora de receber uma resposta, não importava se seria a que sonhei nos últimos dias, só precisava de uma.
"Já perguntei a eles sobre o melhor lugar… Eu gostaria de te perguntar algo antes do show, poderia me acompanhar?"
Ele acenou simplesmente, não pude ver sua expressão. Não teria volta, repetia em minha mente, talvez quebrasse algumas coisas e elas não teriam concerto… De qualquer forma, estava decidido o suficiente para aceitar as consequências.
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Capitulo 3.1: Ayane Fujibayashi II
Eu sabia, desde o momento em que aceitei o convite, que esse isso poderia acontecer. Acompanhava Yuki em silêncio até o lugar recomendado por Makoto e Yukiko. Meus pensamentos a mil, minha mão suando e meu coração batendo desesperadamente acelerado. Eu tinha certeza, ou pelo menos era o que eu gostaria de acreditar, que Yukihiro Hayate também estava sentindo a mesma coisa.
Minutos depois, estávamos próximos a um pequeno morro, cercado por uma cerca metálica, para proteger os turistas que obviamente escolhiam o lugar para ver a festa de fogos de artifício.
Suspirando, Yuki se virou para mim, não via preocupação, apenas uma expressão decisiva, de alguém que ponderava muito o que estava prestes a dizer.
"Ayane, eu gostaria de pedir desculpas, não quero que fique com a impressão que te convidei apenas para esse momento, saiba que fiz isso porque gosto de estar com você."
Não passou pela minha cabeça que o convite tenha sido um esquema elaborado para ficarmos a sós. Ele simplesmente gostava da minha companhia.
"Eu sei, te conheço o suficiente pra saber disso."
"...Mesmo assim, tem algo em que não fui 100% honesto. Durante o último dia de aulas, me perguntou se eu estava apaixonado por você, presidente."
Com um sorriso tristonho, ele continuou.
"Eu menti."
Outra coisa que eu já sabia, mesmo que subconscientemente tivesse acreditado em Yuki, era óbvio, para todo mundo, menos para ele. Com toda a situação com Hina e Shunsuke, acabamos deixando passar algo simples.
"Ayane, eu estou apaixonado por você, aceitaria ser minha namorada?
Não sei quanto tempo o silêncio a seguir durou, a resposta ficou entalada na minha garganta, as duas, sendo sincera. Seria tão terrível ter um namorado como Yuki? Alguém carinhoso e atencioso como ele, seria tão terrível assim aceitar o calor que ele oferecia?
A segunda resposta, no entanto, foi a que venceu. Eu amava Yukihiro Hayate, mas não do jeito que ele me amava. Se aceitar a confissão não seria algo terrível para mim, mentir pra ele seria.
"Yuki… Me desculpe."
A resposta saiu com um pedido de desculpas, patéticas desculpas feitas de cabeça baixa. Quando levantei meu olhar para responder com o mínimo de dignidade que meu amigo merecia, fui pega de surpresa.
Com o sorriso que certamente fez pessoas se encantarem com sua atenção e carinho, ele estendeu seu braço para que eu aceitasse, como fez quando começamos a explorar o festival.
"Eu entendo, não quero estragar nossos dias em Okinawa, então vamos finalizar isso aqui e seguir como sempre seguimos."
Ele estava preocupado comigo, não queria que eu me sentisse mal durante os últimos dias de viagem… Não sei se isso seria possível, arrependimento era uma das coisas que eu não sabia lidar, mas por ele, eu fingiria saber. Aceitei a oferta, e segurei o braço esquerdo oferecido a mim.
Por alguns metros não trocamos uma palavra sequer, e então os fogos de artifício começaram sua dança no céu da noite. Por algum motivo, o som dos mesmos pareceu deixar de existir. Talvez me arrependesse da resposta que dei num futuro distante ou próximo. Mas no momento, era apenas a verdade.
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O restante da noite prosseguiu como se nada tivesse ocorrido, visitamos o stand de Makoto após a queima de fogos, saindo com a promessa de uma visita dele e de Yukiko ao inverno de aomori no final do ano. Assistimos a apresentação dos músicos que vi afinando seus instrumentos, rimos, comemos bem e voltamos para nossa casa temporária.
Casa essa a qual no momento eu observava o teto, deitado em minha cama. Não conseguia dormir, gostaria de usar a desculpa da agitada e divertida noite como motivo, mas isso seria uma meia mentira, não era só pela diversão que não conseguia fechar os olhos.
Após mais alguns momentos desisti de vez, e fui em direção a sacada na sala do apartamento, me esforçando para não fazer barulho. Abri a grande vidraça, e imediatamente fui abraçado pela brisa do mar, na madrugada que começava. Ainda havia um pequeno número de pessoas nas ruas, se aproveitando dos últimos momentos do festival.
"Não consegue dormir, sobrinho?"
Tomei um leve susto, quando Masami encostou abruptamente na proteção da sacada, onde eu me debruçava. Ela estava vestida da mesma forma em que nos conhecemos, e obviamente não tinha para onde olhar.
"Sim, pensando em algumas coisas…"
"É normal não saber o que fazer depois de uma rejeição."
Então estava óbvio, não sei porque passou pela minha cabeça que não estaria. Ela me observou por mais um tempo, antes de prosseguir.
"Fale, eu recomendaria gritar pra desabafar, mas vamos ter que se contentar com uma conversa a essas horas."
Após um breve silêncio, decidi que não seria de todo ruim conversar com alguém sinceramente, sem fugir do assunto como eu costumava.
"Eu acho… Que crio expectativas demais."
"E isso é normal. A vida é feita de expectativas, é o que nos move de um dia para o outro, afinal."
"Acho que pelo menos aprendi que depositar elas em outras pessoas talvez não seja uma boa ideia. Não para elas, e não para mim."
Masami sorriu, não o sorriso irônico que já associava com a mulher, mas um sorriso que deixou sua beleza completamente escancarada.
"Se está aprendendo isso cedo assim, não tem com o que se preocupar. Sua tia me contou sobre você."
A olhei com um "ela contou, huh?" estampado na cara, com um pouco de curiosidade.
"Seus pais e tudo mais, acredite ou não, eu e Koharu somos amigas o suficiente para esse tipo de conversa."
"Você me acha estranho?"
A pergunta saiu inocente e envergonhada, e a Idol, ou Ex-idol como gostava de se auto declarar, riu sem cerimônias.
"Não, não acho! Mas é mais maduro do que eu esperava para alguém que teve as suas circunstâncias familiares. Ou talvez não seja assim algo tão surpreendente."
Ela não continuou, me deixando curioso. Se afastando da sacada Masami se virou para mim.
"Venha, seja a minha escolta, vamos dar uma volta."
O protesto sobre a tardia hora morreu em silêncio, quando percebi que ela saia sem seu usual disfarce. Percebendo a preocupação estampada na minha cara, ela riu.
"Não se preocupe, a essa hora não teremos problema, e a idol Masami já deixou de existir."
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Após uma breve passada numa das lojas de conveniência, nossa caminhada pelas calçada beira mar já levava alguns minutos, após alguma insistência de Masami, acabei contando sobre a confusão da semana anterior envolvendo Hina.
"Agora eu entendi o papo de expectativa, sobrinho."
"E ainda me falam que sou popular."
"Isso e aquilo são coisas completamente diferentes. Pode apostar que tem alguma garota suspirando por você perdida na sua escola."
O boost de confiança era bem vindo. Parei para observar o mar, e as poucas pessoas que ainda estavam na praia. Verdade seja dita, mesmo com as poucas pessoas no entorno, ainda fomos parados algumas vezes após Masami ser reconhecida. Diferente da preguiçosa mulher que pareceu quando nos encontramos a primeira vez, ela tratou todos com um entusiasmo e sorriso que até poucas horas achei serem puro marketing. Ela inclusive ainda tinha um dos sorrisos no momento.
Ela se espreguiçou de forma gostosa, e outra vez tive dificuldades de escolher onde olhar, mesmo ela estando coberta com uma blusa.
"Pode olhar, jovem. Estou acostumada."
Pouca modéstia e honestidade, com um pouquinho de provocação. De qualquer forma, aceitei o convite sem jeito. A "gravure idol" perfeita seria a melhor descrição que poderia encontrar, mas sendo sincero, não era a beleza de Masami que começava a me atrair no momento.
"Obrigado, eu precisava falar disso com alguém."
"Eu sou boa ouvinte, graças a isso acabei escutando coisas que poderiam aterrorizar o mundo do show business, mas estou disposta a dar ouvidos a quem precisa."
"...Porque decidiu abandonar seu trabalho?"
Deixei a pergunta escapar, ela se virou para mim, me observando por algum tempo.
"Porque larguei minha vida de idol…"
Vou chutar que ela já respondeu isso mais vezes do que gostaria, ainda assim, ela tomou seu tempo para me dar uma razão. Com um pequeno gesto, me convidou para caminharmos fazendo o trajeto de volta ao apartamento.
"Eu estava cansada, por uns três anos trabalhei no meu limite, sendo honesta. Mas eu não poderia simplesmente desaparecer, certo?"
Assenti em silêncio, certamente as responsabilidades que ela tinha não poderiam ser simplesmente jogadas fora.
"Aquele nosso papo de expectativas, muita gente depositava as deles em mim… E muitas vidas seriam afetadas se não tivesse feito as coisas do jeito que Koharu me ajudou a fazer."
Eu notei a amizade nas interações das duas durante o dia. Minha tia agindo como a irmã mais velha, enquanto Masami a seguia claramente como a caçula irritada, mas à risca.
"Tenho pessoas que respeito e admiro na indústria que estou deixando, mas sua tia é a única amizade verdadeira que vou levar dessa jornada."
Chegamos próximo ao apartamento quando ela mudou a direção da conversa.
"Você decidiu o que vai fazer depois do ensino médio? Desculpe a curiosidade, mas como tive que largar tudo pelo meu trabalho, ver vocês nesse momento me deixa obviamente curiosa."
O fato de Masami não ter concluído o ensino médio fez sentido rapidamente. Seria impossível alguém com a popularidade que ela atingiu logo cedo, continuar a agir como uma estudante normal.
"Ainda não sei, mas já deveria, não? Tenho apenas mais um ano e meio."
"Ou talvez ainda tenha mais um ano e meio, é tudo uma questão de perspectiva. Em todo caso, escute essa oferta: Vá estudar na universidade de Osaka, e te prometo acomodação de alto nível!"
"Que ideia absurda está colocando na cabeça do meu Yuki, Masami?"
Fomos interceptados por minha tia, que estava preocupada nos esperando na recepção do apartamento.
"Estou apenas garantindo um cliente para o meu novo negócio."
"De idol a zeladora de apartamentos, que queda terrível."
"Veja bem, serei zeladora dos meus apartamentos."
Acabei deixando a risada escapar, fazendo as duas observarem-me curiosas.
"Vou pensar na sua oferta, zeladora Masami."
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