O céu estava nublado, com nuvens espessas que cobriam até o horizonte, mas, de alguma forma, a cidade ainda mantinha sua tranquilidade. As ruas, feitas de pedras gastas pelo tempo, e as casas rústicas alinhadas ao longo delas criavam um cenário harmonioso de vida simples. No centro da cidade, a praça fervilhava de atividades. Feirantes ofereciam seus produtos — alimentos frescos, tecidos, especiarias e artesanatos. As pessoas passavam umas pelas outras com sorrisos amigáveis e risadas abafadas, como se todas compartilhassem da mesma paz silenciosa. Era um domingo como qualquer outro.
Mas o ar estava diferente. Algo no tempo não se encaixava, e a sensação de tranquilidade parecia frágil demais para durar.
No alto da colina noroeste da cidade, a catedral se erguia, um ponto de paz. Sacerdotisas sorridentes cumprimentavam os fiéis enquanto chegavam para o culto da manhã. Entre elas, uma jovem loira varria o pátio do templo, acompanhada por uma garota morena e baixa, de cerca de 1,43m. Ambas estavam dedicadas à limpeza até que um sacerdote se aproximou delas com um olhar sério.
— Heaslynglow, isso não é nada bom, estar aqui exercendo essa atividade. — ele disse, olhando para a jovem loira. — Hoje é o dia do seu batizado, onde será promovida a sacerdotisa do templo, já deveria estar arrumada.
Heaslynglow olhou para ele com um sorriso tímido, mas sentiu uma leve preocupação crescer em seu peito. A responsabilidade de ser uma sacerdotisa era algo pesado, e ela ainda não sabia se estava pronta para isso.

— Tudo bem, sacerdote, eu já irei me arrumar. — ela respondeu, seu tom suave, mas com uma pitada de apreensão.
Enquanto isso, na cidade, o clima começava a mudar. As ruas estavam mais movimentadas do que o normal para um domingo de manhã. As pessoas iam e vinham, fazendo suas compras, trocando palavras amigáveis. Mas algo parecia estar no ar — uma tensão invisível, mas presente. Guardas medievais, montados em cavalos e armados com lanças, patrulhavam as ruas. Eles passavam pela praça com um olhar atento, fazendo os transeuntes recuar, suas armaduras de couro e prata reluzindo sob a luz fraca do dia nublado.
— Lembrem-se! — um dos guardas gritava enquanto cavalgava pela cidade. — Se houver qualquer vestígio de chuva, voltem para casa ou procurem abrigo! Ninguém deve ficar fora quando a chuva cair.
A multidão ouvia, mas não parecia tão preocupada. Havia tanto tempo que essa chuva não caía, que a sensação de naturalidade parecia bem estabelecida. Apenas os mais velhos olhavam pela janela, resmungando sobre a quantidade de gente na rua com todo aquele tempo fechado. Já os mais novos, ou aqueles que tinham presenciado a chuva de prata uma vez, não tinham tanto medo, pois ela era fácil de detectar antes de ocorrer.
— O Lorde tem medo que a chuva de prata possa aparecer sem aviso. — comentava um comerciante com outro enquanto arrumava suas mercadorias. — Mas nunca aconteceu. Não vamos nos preocupar com isso, não é mesmo?
— Sim, claro. Nada para temer. — respondia o outro, mas o sorriso em seu rosto parecia forçado. — Faz seis anos que não acontece isso, e conseguimos identificar a chuva melhor que antes. Hoje só será uma chuva normal.
Do outro lado da cidade, em uma casa próxima à praça, uma senhora idosa e seu neto, um garoto de oito anos, compartilhavam uma refeição simples. O aroma suave de chá de camomila se misturava com o cheiro de pães recém-assados. A senhora olhava carinhosamente para o menino, que estava absorto em seu prato. Ele olhava para fora, onde a rua estava tranquila, com crianças brincando e correndo, mas o tempo cinza no céu parecia pesar sobre ele, assim como o peso das palavras de sua avó.
Foi então que a porta se abriu e três garotos da mesma idade do neto da senhora apareceram, com os olhos brilhando de excitação. Eles chamaram o menino, convidando-o para brincar na rua. Ele quase se levantou, o sorriso começando a se espalhar pelo rosto, mas a senhora, com um olhar atento pela janela, impediu-o.
— Não hoje, meu bem. — ela disse suavemente, mas com firmeza. — O céu não está bom, e você sabe o que acontece quando há uma chuva. Não queremos correr esse risco.
O menino, visivelmente desapontado, deixou os ombros caírem e resmungou, olhando para o prato de comida.
— É por causa da chuva de prata?
A senhora observou-o com um suspiro silencioso, antes de responder com um olhar distante, quase como se estivesse falando para si mesma:
— Você pode ir, se o tempo abrir expondo o Sol. Só termine a refeição, querido.
O menino olhou para ela, franzindo a testa. Não havia visto o sol por dias. A chuva parecia nunca querer parar, e sempre havia essa preocupação com a chuva de prata. Ele suspirou, fechando os olhos enquanto mordia o pão. O brilho de alegria em seu rosto havia desaparecido, substituído por uma sombra de frustração.
— Mas a última vez que essa chuva caiu eu tinha dois anos de idade! — ele murmurou baixinho.
A senhora encheu seus olhos de lágrimas e, com a voz amarga, respondeu:
— Sim, faz muito tempo. Se tivéssemos sido mais precavidos, seu pai ainda estaria aqui.
O menino deu um pequeno sobressalto, sentindo um calafrio percorrer sua espinha. Ele olhou para o fundo da casa, para o porão escuro, onde algo parecia se mover, emitindo um grunhido abafado. Ele congelou, o olhar fixo na porta do porão, antes de desviar os olhos, sentindo uma estranha sensação de que algo o observava de lá.
A senhora, absorta em seus próprios pensamentos, não percebeu o olhar inquieto do menino. Ela continuava a observá-lo com tristeza, como se estivesse em um mundo à parte. O garoto engoliu em seco e, com a cabeça baixa, não disse mais nada.
De repente, um som estranho se espalhou pelo ar. O sino da cidade começou a tocar, mas não era a hora certa. O feirante, que estava organizando as frutas em uma banca, olhou confuso para o relógio.
— Isso está errado... não são nove horas ainda. — murmurou, desconcertado.
Mas outro homem, com a expressão tensa, arregalou os olhos.
— Não é para marcar as horas. — ele disse com voz grave. — É um alerta.
No mesmo instante, outros sinos começaram a tocar rapidamente, criando uma cacofonia de sons que espalhou uma sensação de pavor pela cidade. As pessoas pararam, olhando umas para as outras, sem entender o que estava acontecendo. Então, uma palavra surgiu no vento, repetida em uníssono por várias vozes:
— Chuva de prata! Chuva de Prata! Chuva de prata...
O medo tomou conta da multidão. Olhares se voltaram para o céu, e o que antes parecia ser uma manhã normal agora se transformava em um pesadelo. As primeiras gotas caíram, fortes e pesadas, como se o céu tivesse aberto suas feridas. O pânico se espalhou. Pessoas começaram a correr, gritando, tentando se abrigar, mas muitos caíam no caos.
Os comerciantes abandonaram suas bancas, e os gritos de "Chuva de prata!" ecoavam pelas ruas. Era o sinal: todos deveriam sair das ruas imediatamente, pois o pior não era quando a chuva caía, mas quando ela parava de chover.