Um pequeno animal corria apressado pela floresta, suas pupilas estavam contraídas e seus instintos o guiavam por entre as árvores. Sua corrida não parecia sem sentido, era mais como uma fuga de um predador feroz. Aqui e ali, o pequeno animal fazia rápidas curvas, mudando sua trajetória com precisão. Seu empenho em fugir parecia ter o levado para uma pequena clareira. A lebre cinza parou por um momento. Sua respiração era rápida, seu coração batia acelerado, e suas orelhas estavam atentas a qualquer som.
O silêncio ecoava. Até mesmo os pássaros cessaram seus gorjeios. A atenção da lebre estava em seu nível máximo. De pé sobre as patas traseiras, ela olhava atenta para onde tinha vindo, tentando encontrar pistas de seu perseguidor, mas sem êxito. Sua fuga fora um sucesso.
Ao longe, uma sombra observava, de cima de uma árvore. Seus olhos atentos captavam até os menores movimentos da lebre. Levantando seu arco improvisado e esperando o momento certo, a figura escura aguardava pacientemente até sua presa baixar a guarda.
Woosh! Uma flecha foi disparada.
O projétil cortava o ar em alta velocidade, indo de encontro com o pescoço da lebre. Uma morte rápida. A flecha atravessou o pescoço e ficou cravada na terra úmida da floresta. Gotas de sangue salpicaram as folhas caídas.
Kael desceu rapidamente da árvore. Não poderia perder tempo. O cheiro de sangue acabaria atraindo predadores mais rápidos e mais fortes que ele. Aproximando-se da lebre, verificou que o animal parecia ter uma feição incrédula. Seus pequenos olhos vermelhos transmitiam descrença. Kael entendia o sentimento da sua presa.
Imagine a sensação de ter escapado de seu predador e, em um segundo, ter seu pescoço perfurado por uma flecha.
Quebrando habilmente as pontas da flecha, ele deixou a parte que atravessava o pescoço do animal para que o sangue não escorresse. Não fazer a sangria de um animal recém-abatido poderia estragar a carne. Kael sabia disso, mas ele não podia se dar ao luxo de deixar uma trilha de sangue. Várias coisas lá fora poderiam rastreá-lo através do cheiro de sangue. Ele aprendeu isso da pior forma possível.
Sem tempo a perder, ele recolheu o animal e o levou por entre as árvores. Seus passos eram rápidos e silenciosos.
Meia hora após seu abate triunfante, Kael chegou ao seu esconderijo. Um prédio de cinco andares lhe dava as boas-vindas. Sua fachada estava destruída. O primeiro e o segundo andar eram ruínas de um passado não muito distante. Ao redor, as árvores cresciam desenfreadas, e nas ruínas, muitas samambaias e arbustos haviam feito lar.
O edifício parecia que iria cair a qualquer momento, mas Kael não ligava para isso. Seu esconderijo ficava no subsolo do prédio. Um pequeno alçapão levava para a segurança. Lá dentro, havia uma cama improvisada com palha seca e algumas garrafas e baldes com água limpa.
'Esse esconderijo ainda está bem, não foi descoberto. Tenho que ficar aqui esta noite, amanhã durante o dia posso voltar para minha base.'
Pensou Kael enquanto retirava o arco de suas costas e o colocava perto da escada que levava para fora do porão. Ele rapidamente pegou a lebre com a haste atravessada no pescoço. Tinha que ser rápido. O sangue dentro do animal morto acelerava o processo de decomposição. Quanto mais tempo passava, maior era a chance da carne ter um gosto metálico, o que arruinaria seu jantar.
Lá fora, o sol estava se pondo. A noite estava chegando, e com ela, as monstruosidades que destruíram a humanidade. Sons de gritos roucos, uivos e lamentos chorosos eram ouvidos pela audição atenta de Kael.
'Não importa quanto tempo passe, nunca irei me acostumar com essas coisas.'
Pensava Kael com a faca na mão enquanto retirava lentamente o pelo da lebre. Ele não queria danificar a pele, pois tinha planos para ela depois.
A lebre pesava cerca de 4 quilos. Tinha grandes orelhas, pelos curtos acinzentados e a característica que chamava mais atenção: seus pequenos olhos vermelhos.
Após o apocalipse causado pelo Vírus E.Z., todo o mundo foi afetado. Pessoas normais se transformaram em monstros, e vários animais adquiriram algumas mudanças em seu DNA, causando alterações em seus corpos.
Finalizando a retirada da pele, Kael continuou com movimentos suaves, retirando as vísceras. Cada corte tinha a elegância e sutileza de uma experiência adquirida com vários erros. Ele não queria cortar o intestino da lebre e arruinar a carne.
Abrindo o peito do animal, ele chegou até os órgãos internos. Ao chegar no coração, seus olhos brilharam. Uma pequena pedra, do tamanho de uma unha, brilhava em cor escarlate ao lado do órgão que há muito tempo havia parado de bater.
'Finalmente, ficar tanto tempo perseguindo essa lebre valeu a pena!'
Com a pequena pedra em sua mão, Kael sentiu o calor que ela emanava. A pedra lembrava um rubi, mas seu valor era maior que qualquer pedra preciosa do mundo antigo.
Colocando a pedra em um pote de vidro, ele sentiu a felicidade que a muito o havia deixado. Apressando-se para terminar de desmembrar a lebre, Kael retirou de seu bolso uma pederneira, um dos poucos itens de luxo que ele tinha. Acender uma fogueira em poucos segundos era realmente luxuoso por esses dias.
A pequena fogueira foi feita perto da saída de ventilação. Morrer sufocado pela fumaça não parecia muito interessante. Logo, o cheiro de carne assada preencheu o abrigo improvisado.
Kael comia a perna da lebre enquanto olhava fixamente para o pote de vidro.
"Amanhã será um ótimo dia!" A voz rouca de Kael reverberou nas paredes desgastadas do abrigo.