A velha carruagem sacolejava pelos caminhos irregulares, puxada por dois cavalos de cor escura, com dois soldados à frente, controlando as rédeas. Atrás, seis pessoas sentavam-se frente a frente, cada uma envolta em suas próprias preocupações. Entre elas, um jovem de pele clara e cabelos escuros, com as pontas onduladas, observava os demais com um olhar misterioso, cheio de silêncio e desconfiança.
Ao seu redor, o rapaz notava os soldados armados acompanhando a carruagem, seus olhares frios vigilantes na noite escura, onde a floresta parecia engolir a estrada. Um dos soldados à frente murmurava para o outro, sem se importar em ser ouvido.
"Em que será que o rei está pensando ao enviar esses camponeses?" disse ele.
"Não sei, e também não me importo", o outro respondeu, com um tom de autoridade. As palavras pairaram no ar, seguidas de um silêncio pesado.
O rapaz puxou sua jaqueta esfarrapada ao redor do corpo magro, tentando se proteger do frio que parecia cortar a pele. Ele ainda se perguntava o que fazia ali, no meio de soldados e estranhos, indo para um destino incerto. Então, um homem de cabelos curtos e postura curvada lhe deu um leve tapa no ombro.
"Ei, garoto, você tá bem?"
O rapaz olhou para o homem, analisando sua aparência desgastada e tentando entender por que alguém como ele se importaria. Talvez fosse só gentileza, talvez apenas uma tentativa de quebrar o clima sombrio. Com uma voz rouca e contida, respondeu:
"Sim... só com frio."
O homem esboçou um sorriso, como se aquela simples resposta já fosse suficiente para animá-lo. Ele voltou a olhar para frente.
"É... realmente."
Assim, o homem ficou em silêncio, mas sua presença pareceu trazer um breve alívio para o rapaz . Horas se passaram, até que os soldados resolveram parar para descansar. Enquanto faziam os preparativos para o acampamento, o homem se aproximou novamente, agora com um olhar curioso.
"Então, pequeno rapaz, posso saber seu nome?"
O rapaz franziu a testa ao ouvir "pequeno". O termo parecia lhe irritar, mas, com um suspiro, respondeu:
"Théo."
"O meu é Derik", o homem respondeu, a voz rouca, mas gentil.
Théo apenas assentiu, sem dar muita importância, mas Derik ainda o observava com curiosidade.
"E me diz, Théo... por que você decidiu se juntar ao exército de Saphia? Não parece ter mais de 17 anos."
Théo olhou para ele, e com uma frieza que tentava disfarçar o vazio dentro de si, respondeu:
"Dinheiro."
"Então somos dois", Derik disse, sorrindo levemente.
Mais tarde, já à noite, Théo estava perdido em pensamentos enquanto os soldados acendiam uma fogueira. Olhava para as chamas e pensava no que o aguardava, sem saber por quanto tempo aguentaria aquele tormento. Foi então que notou um dos soldados encarando-o. O olhar se fixou em sua mão, onde havia uma marca — um "P" gravado na pele, símbolo da periferia, um estigma que carregava desde que era pequeno.
"Você... é da periferia, não é?"
O tom de desprezo no soldado era claro, e Théo apenas assentiu, sabendo que aquilo despertaria ainda mais olhares julgadores. Outros soldados ao redor também pareciam incomodados, e ele sentiu a hostilidade queimar mais do que o fogo.
"Ratos como você não duram uma semana nos campos de guerra", um deles comentou, com o rosto torcido de nojo.
Théo não respondeu. Apertou os punhos, mas permaneceu em silêncio, enquanto outro soldado, com impaciência, pôs fim à conversa.
"Chega de papo. Não temos motivo pra saber do passado de ninguém aqui. Todos são iguais no campo de batalha."
O soldado apagou o fogo com um chute. "Não é seguro deixar isso aceso. Queremos estar vivos até o amanhecer."
Deitado sobre o chão duro e congelante, Théo não conseguia dormir. O frio parecia transpassar sua pele, e seus dentes rangiam. Tentando encontrar algum consolo, olhou para as estrelas com um olhar de raiva.
"Quanto tempo mais... até eu chegar ao fim desse pesadelo?" pensou. Seus olhos estavam cansados, mas sua mente inquieta.
Sentindo-se incomodado, Théo se levantou para se afastar e foi até a borda da floresta. Enquanto fazia suas necessidades, olhou para a lua, permitindo-se um raro momento de calma. Mas foi então que ouviu um grito cortante atrás de si.
"Ahhh! Socorro! Alguém, me ajude!"
Théo se virou, o coração disparado, e viu um dos soldados caindo no chão, segurando o ombro — seu braço estava decepado, e o sangue escorria, encharcando o chão. Antes que pudesse reagir, uma espada atravessou a cabeça do soldado, e ele caiu sem vida. Atrás dele, surgia uma figura — uma mulher de cabelos longos e roxos, usando uma máscara que cobria o nariz e a boca. Ela balançou a espada, limpando o sangue, enquanto o corpo do soldado caía no chão.
Théo se viu paralisado, mas em um instante o instinto de sobrevivência tomou conta. Ele virou-se e começou a correr pela floresta escura, o medo apertando-lhe o peito e as lágrimas se formando nos olhos.
"Realmente… a lua é linda", ele murmurou, em um raro momento de resignação. Mas, de repente, algo o fez parar.
Ele olhou para baixo e viu seu próprio corpo, sem cabeça. Ele olhou para a mulher que estava atrás de si, sua espada manchada de sangue e seus olhos frios como a morte. Tudo parecia em câmera lenta enquanto ele via sua própria cabeça rolando pelo chão.
A escuridão o envolveu, mas uma voz sussurrou em meio ao vazio.
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[Amaldiçoado pelo tempo e pela morte]
"Você foi amaldiçoado pelo deus do tempo e da morte. Não pode morrer... e voltará momentos antes de cada morte."
A voz sombria ecoava na escuridão, enquanto Théo sentia o peso da maldição se instalar em sua alma.