Capítulo 2: O Rei-prá-lá-da-Muralha
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O frio era cortante, até mesmo para Mance Rayder, que conhecia o inverno como um velho amigo. No interior da tenda de guerra, ele observava os chefes dos clãs reunidos à sua frente, cada um carregando suas próprias preocupações e ambições. Eram homens e mulheres endurecidos pelo gelo e pela luta, mas mesmo os mais durões entre eles não conseguiam esconder a inquietação. A notícia sobre o Clã da Águia havia chegado cedo naquela manhã, trazida por um troca-peles que servia a Mance. Ivar, o jovem líder da Águia Vermelha, havia surpreendido a todos ao optar por uma rota inesperada.
Mance passou os olhos pelo círculo dos chefes, escutando as vozes discordantes que ecoavam na tenda. A chama baixa no centro iluminava os rostos desgastados, refletindo o medo e a raiva de alguns, a desconfiança de outros.
— Aquele garoto é esperto, talvez esperto demais! — rosnou Tormund, um dos chefes mais vocais. — Deixar que ele simplesmente vá embora? E se ele resolver voltar com uma promessa de vingança ainda maior?
Outros murmuraram em concordância. Mance ergueu uma sobrancelha, mas manteve a expressão calma. Conhecia bem o temperamento de Tormund; era um guerreiro formidável, mas de pensamentos diretos, pouco dado a ponderações estratégicas. Ele precisava guiar a discussão com cuidado, especialmente agora, quando cada decisão era crítica para a sobrevivência de todos.
O Debate dos Chefes
— O clã da Águia não vai se unir a nós e tampouco busca vingança — disse Ygritte, cruzando os braços e lançando um olhar desafiador a Tormund. — Ele escolheu outro caminho. Deixá-lo partir talvez seja nossa melhor opção. Não precisamos de mais sangue selvagem derramado entre nós.
Os olhos de Mance brilharam, satisfeito com o apoio da caçadora. Ela era uma das poucas que compreendia a gravidade da situação. Mas, claro, nem todos compartilhavam essa visão.
— E se essa partida enfraquecer nossa posição? — insistiu o líder do Clã das Montanhas, um homem robusto chamado Harma. — Mance, não podemos nos dar ao luxo de perder mais guerreiros. Deixar que ele se vá pode inspirar outros a abandonarem a causa.
Mance respirou fundo, mantendo-se calmo. Ele sabia que aquela reunião estava prestes a se transformar em uma discussão longa e cansativa se não tomasse controle.
Reflexão de Mance
Enquanto os chefes continuavam a debater, Mance se lembrava da carta que recebera de Ivar naquela manhã. A caligrafia era firme, direta, cada linha refletindo a determinação do jovem chefe. Ivar falara sobre a obsidiana, conhecida pelos homens do Sul como vidro de dragão, uma substância rara e mortal contra os Caminhantes Brancos. A carta deixava claro que Ivar sabia da ameaça maior que espreitava no Norte. Ele prometera, caso seu clã fosse deixado em paz, enviar obsidiana para além da Muralha assim que estabelecesse contato com mercadores em Essos. Mance não podia ignorar essa oferta.
Ele próprio conhecia bem o valor da obsidiana. Aqueles fragmentos negros eram as únicas armas capazes de deter os Caminhantes. E o que Ivar prometia poderia, de fato, fazer a diferença para os planos de Mance.
Ele ergueu a mão, silenciando a discussão com um gesto autoritário.
— Escutem-me — começou ele, sua voz baixa mas carregada de autoridade. — Ivar 'Águia Vermelha' não é uma ameaça para nós. Ele escolheu um caminho próprio e deseja partir para além-mar, para longe do nosso mundo. Não há necessidade de interferirmos.
Tormund bufou, visivelmente irritado, mas manteve o silêncio.
A Promessa da Obsidiana
Mance olhou cada um dos líderes dos clãs, garantindo que sua voz se cravasse fundo neles. — Ivar nos prometeu ajuda contra os Caminhantes. Ele sabe do perigo que enfrentamos. Quando estiver em Essos, buscará obsidiana e a enviará para cá. Ele é esperto, isso é verdade, e sabe tanto quanto nós que o verdadeiro inimigo não é outro clã. Não são as rivalidades de sangue entre nós. É o inverno que vem.
Aquelas palavras, ditas com firmeza, fizeram o silêncio se abater sobre a tenda. Era raro que Mance falasse dos Caminhantes abertamente, mas o peso da ameaça se fazia sentir agora, palpável como a neve do lado de fora.
O Alívio dos Chefes e a Decisão de Mance
— Que assim seja, então — disse Ygritte, aprovando a decisão. — Se ele nos enviarem essa ajuda, estará fazendo mais pelo povo livre do que muitos outros.
Harma, relutante, cruzou os braços, mas acabou assentindo. — É uma aposta arriscada. Mas se você confia nele, Mance, seguiremos sua palavra.
— Ele já fez sua escolha — disse Mance. — E, enquanto estamos aqui discutindo, os Caminhantes estão se aproximando. Nosso foco deve estar em sobreviver ao inverno. Não devemos desperdiçar forças ou tempo com o Clã da Águia. Eles vão embora e, com sorte, nos enviarão o que precisamos para resistir à escuridão que vem do Norte.
Com aquelas palavras, Mance deu por encerrada a reunião. Ele sabia que alguns dos chefes ainda estavam desconfiados, mas no fundo, todos compreendiam que a aliança de Ivar poderia trazer um futuro mais seguro para o povo livre.
Enquanto deixava a tenda, Mance olhou para o céu encoberto e sentiu o peso de sua própria decisão. Se Ivar cumprisse a promessa, talvez houvesse uma chance de lutar contra os Caminhantes com algo mais do que coragem.
"Boa sorte, Águia Vermelha", pensou Mance. "Que os ventos te levem para l
onge daqui e tragam esperança para nós que ficamos."