Olhos agudos e predatórios. Pelos vermelhos brilhando refletindo o sol ardente. E um sorriso zombeteiro, como se estivesse caçoando.
Zen encarava a esclerótica vermelha e as íris pretas da besta. Era um lobo, ou seria um cachorro? Do tamanho de um cavalo e provavelmente o dobro do peso. Ele se esforçava para se segurar no teto desabado, enquanto o som rangente abaixo dele enviava facas atravessando sua alma.
Eles se encaravam, uma besta e um guia. Com arrogância flamejante e fúria gelada.
O instinto de Askan como um esper era matar essa besta primeiro, mas o som de um gemido fraco debaixo dos escombros amarrou sua mão. Se ele soltasse, com o peso da besta, o teto desabando certamente esmagaria os gêmeos. Mas se eles não fizessem nada...
E então, a besta se moveu. Em um movimento rápido e feroz que não deu ao esper nenhuma chance de preparar sua arma, a besta balançou a pata dianteira em direção ao guia.
Droga! Askan praguejou internamente. É claro que ela atacaria — as bestas sempre atacam o mais fraco.
Ele nem conseguiu gritar um aviso ao guia, apenas assistiu aterrorizado enquanto a garra atacava Zen.
Mas isso nunca aconteceu.
Askan pensou que veria o guia sendo arremessado pelo impacto ou dilacerado em uma bagunça sangrenta.
Em vez disso, Askan observou, com os olhos arregalados, enquanto Zen agarrava a garra da besta com a mão nua. E não foi apenas um surto súbito de força movido por imprudência. Houve um surto de poder mágico ao longo do braço de Zen, que foi usado para agarrar a garra da besta.
Tanto Askan quanto a besta ficaram chocados. Mas o choque não foi tão grande quanto quando Zen fortaleceu o aperto que tinha na pata da besta e injetou poder mágico em sua mão.
"Abaixe-se," ele disse a Askan, e o Esper abaixou a cabeça justamente quando a besta foi lançada acima de sua cabeça para a outra abertura na parede desabada. Ele podia ouvir os sons de colisão do lado de fora enquanto a besta rolava e caía no chão.
"O quê—"
"Se eu segurar a besta, você consegue tirar meus irmãos?" Zen perguntou antes de Askan poder dizer qualquer coisa.
Obviamente, Askan queria dizer que era impossível para um guia conter uma besta normal, muito menos uma besta de rank comandante de uma masmorra de classe média. Mas então, ele acabara de ver o guia lançar a besta com uma mão como um esper.
Então ele não pôde dizer ao guia que era impossível. "Sim," ele disse, e o guia imediatamente correu na direção do som rosnante que agora era todo fúria, em vez de zombaria.
A besta estava espantada. Ela não tinha sentido nenhum traço de poder mágico do humano mascarado antes, ao contrário do outro humano. Mas de repente, a besta sentiu um surto de poder do humano mascarado, fluindo do pescoço dele para o braço que foi usado para lançá-lo para fora.
E agora, antes que pudesse voltar para o lugar alto, o estranho humano já pulou e acertou um chute em seu lado. O poder mágico agora girava nas pernas do humano em vez de seus braços, e o humano estava em pé diante da besta, determinado a impedi-la de subir.
O estranho humano, Zen, olhava para a besta com olhos azuis frios, como um oceano profundo. Ele podia ver a confusão nos olhos da besta, enquanto o poder mágico que ele usava para fortalecer suas pernas diminuía.
A besta, bem como Askan Bellum, devem ter ficado confusos. Afinal, Zen, que era suposto ser um guia, utilizava um poder mágico como um esper.
Era algo que Zen escondia durante toda sua vida. Ele até conseguiu esconder de Umbra.
Sua característica única.
Não era a forma como seu guiar era confortável e carregava um aroma calmante, como Sierra pensava — isso era seu trabalho duro treinando sua técnica de guiar.
Sua característica única era muito mais formidável — e mais perigosa. Era a habilidade de transformar a corrosão que ele absorvia em energia mágica semelhante à usada por um esper.
A razão pela qual Zen podia absorver incessantemente a corrosão dos espers até então era porque ele podia purificá-la instantaneamente em energia bruta. Quanto mais corrosão ele absorvia, mais poderoso ele se tornava.
Mas não era como se Zen pudesse se transformar em um ser superior e invencível. Ele ainda tinha a mesma limitação que outros guias — seu vaso. Era só que Zen tinha dois vasos; um que era usado para armazenar a corrosão e outro que era usado para armazenar a energia transformada. Ele poderia continuar esvaziando seu vaso de corrosão enviando o miasma purificado para o vaso de energia. Mas uma vez que ambos estivessem cheios, ele não poderia fazer mais nada.
E no fim das contas, ele ainda não era um esper. Ele não tinha habilidades ou capacidades especiais como os espers. Tudo o que ele podia fazer era canalizar a energia bruta para ampliar sua condição física.
Mas isso era suficiente.
A besta rosnou novamente ao sentir dor aguda no lado. Costelas quebradas, provavelmente.
Afinal, era a energia acumulada de um esper de três estrelas — duas vezes — e então de vários outros. A energia guardada de Zen agora era provavelmente equivalente a um esper de quatro estrelas de nível mais baixo.
Mas não era apenas uma questão de energia. Zen tinha treinado seu corpo, aprendendo como lutar, como manusear armas, tudo para sobreviver e se proteger. Ironicamente, ele fez isso para se proteger dos espers — especialmente daqueles que viam o guia como um objeto para seus próprios benefícios e prazeres.
Esta foi a primeira vez usando sua habilidade para lutar contra uma besta miasmática.
Mas isso não importava. Se eram esses espers desgraçados ou essa besta rosnando. Eram todos iguais, pisoteando nas coisas que ele prezava.
Ah.
Zen sorriu amargamente enquanto enfrentava a boca da besta que vinha em sua direção. Ele sempre tinha negado, mas parecia que, afinal, ele se importava mais com seus irmãos do que pensava.
O medo enquanto ele corria pela estrada sangrenta, o terror ao encontrar o prédio desabado, a ansiedade ao encontrar seus irmãos presos sob os escombros, e a raiva enquanto a besta esmagava ainda mais o teto que desabava.
Ele canalizou todos esses sentimentos para o estigma em sua nuca, retirando energia enquanto brilhava intensamente sob sua gola, e liberou-a na besta; pressionando a boca em um aperto mortal e esmagando-a.
A besta nem conseguiu emitir um uivo com sua mandíbula esmagada e se debatia enquanto a arrogância se transformava em medo instintivo.
Mas Zen segurou o membro da besta e novamente a jogou no chão. Vez após vez após vez. Até que os membros emitissem um som estalante, e a besta estremecesse, liberando cada vez mais miasma como um mecanismo de defesa.
Zen, no entanto, estava acostumado à exposição ao miasma. Era algo com o qual ele não podia deixar de se acostumar, como morador da zona vermelha e membro frequente do esquadrão de ataque a masmorras. Sua máscara, suas roupas, sua constituição — tudo feito para suportar o ataque do ambiente tóxico.
Ignorando as constantes erupções de fumaça preta, Zen direcionou sua energia restante em seu punho e desferiu soco após soco furioso na cabeça lamentável da besta, até que ela cedesse e seu punho ficasse manchado de sangue preto.
Foi só então que ele parou, desprovido de energia mágica. E foi então que Askan desceu, olhando sem palavras para Zen com os irmãos gêmeos do guia em seus braços e nas costas.
Ao se afastar da besta morta, Zen limpou o sangue preto em suas roupas e caminhou em direção ao Esper com um olhar vazio. Havia uma dureza ali que fazia Askan manter seu silêncio, embora houvesse tanto que ele quisesse perguntar. Mas estava claro pelos olhos que Zen não responderia nada disso.
E então vieram as palavras cortantes também, "Não pergunte," o guia disse. Provavelmente foi rude dizer algo assim para alguém que tinha ajudado generosamente. Mas Zen realmente não tinha tempo, energia ou vontade de ser interrogado. Encarando o próprio olhar silencioso de Askan, ele acrescentou. "Por favor,"
Quando Askan não disse nada em resposta, Zen pegou Aiden das costas do Esper para as suas próprias. O menino gemeu enquanto se movia para Zen e murmurou delirante. "...Ze...in..."
"Não fale, vamos conseguir um curandeiro logo," a voz abafada falava quase em um tom de repreensão, exatamente como Zen costumava falar com seus irmãos. Era curta e soava áspera, mas também tão familiar, que o menino instantaneamente exalou aliviado enquanto desabava fracamente nas costas de seu irmão mais velho.
"Você pode me ajudar com ele?" Zen se virou para Askan, mas o homem já tinha cuidadosamente acomodado o outro garoto em seus braços, claramente com a intenção de fazer isso sem que Zen precisasse pedir.
Então ele apenas murmurou um obrigado, e começaram a caminhar em direção à barricada. Agora que o chefe e o comandante foram derrubados, o resto dos capangas era mais fácil de ser caçado.
Zen tinha vontade de correr. Ele realmente tinha, mas não podia. Não porque lhe faltava energia, mas porque Aiden gemia até com o menor solavanco. Então eles só podiam tentar caminhar o mais rápido que podiam.
"Senhor Esper—"
"Askan," o Esper o cortou. "Meu nome é Askan,"
Zen olhou para ele por um momento, e então para Hayden em seus braços. "Zein," ele murmurou com uma voz mais suave. Parecia quase estrangeiro em sua língua, tão acostumado com o nome escrito em seu cartão de licença falso—embora não houvesse quase nenhuma diferença entre eles.
"Você pode ir na frente? Eu acho..." ele nem conseguiu forçar as palavras para fora.
Ele conseguia ver, quão fraco seu irmão mais novo estava. O garoto estava inconsciente mesmo antes de eles chegarem. Zen se esforçava para não olhar para isso — para as pernas esmagadas, flácidas. Para a respiração irregular, desigual. Para a palidez e os lábios escurecidos.
"Você pode ir na frente?" ele só pôde repetir seu pedido.
"E você? Se houver uma besta—"
"Elas já devem estar quase todas eliminadas até agora," Zen apertou o abraço em seu irmão, e encarou Askan. "Vamos...ficar bem. Deve haver uma equipe de limpeza fazendo ronda de qualquer forma,"
Askan franziu a testa e encarou Zen por um tempo. Ele podia ver o suor no rosto do guia, seu esgotamento. Mas o maior sentimento que ele via ali era a preocupação, então ele suspirou. "Tudo bem, tentarei ser rápido. Se eu encontrar um esper, enviarei eles para o seu caminho."
Zen assentiu. Qualquer coisa. Apenas vá. Seus olhos gritavam seu pensamento alto. Apenas, por favor...por favor faça isso...
Ele não parou de se mover mesmo enquanto observava Askan avançar rapidamente. Sua mente imaginava a rota mais curta que ele poderia pegar, enquanto seu coração batia alto como um tambor.
Talvez estivesse batendo forte demais, que seu irmão lentamente se mexeu. O garoto levantou a cabeça por um instante, e se apoiou no ombro de Zen.
"...irmão..."
Um som fraco, quase como um sussurro, embora a fonte estivesse basicamente logo abaixo da orelha de Zen.
"Eu disse para você não falar, preserve sua energia," Zen repreendeu seu irmão com a mandíbula cerrada. Suas mãos que seguravam seu irmão apertaram. Ele encarava duramente a estrada, tentando encontrar o caminho que lhes oferecia sombra, escondendo seu irmão do sol escaldante.
Então ele não conseguia ver o modo como seu irmão sorria em seu ombro.
"Zein...estou feliz...que você venha..."
"O que você está dizendo agora? Claro que eu viria por você," Zen franzia a testa. Ele queria que seu irmão parasse de falar. Toda vez que o garoto falava, havia um tremor contra suas costas — um pulmão forçado. "Eu disse para você parar de falar!"
Mas Zen esqueceu que seus irmãos gêmeos eram garotos teimosos que lutariam contra os moradores que falassem mal de Zen em casa.
Então, obviamente, Aiden ignorou a ordem de seu irmão mais velho. "Sim...sabemos que você...viria,"
"Apenas pare—"
"Zein..." por alguma razão, a voz de seu irmão estava ficando mais clara e firme. E Zen odiava isso. "Obrigado,"
"Porra, por que você precisa me agradecer?" Zen resmungou, mesmo enquanto seu coração era massacrado.
Havia um som de risada, tão suave que mais parecia um sibilo. "Apenas...por tudo que você fez,"
"Eu não fiz nada para você ser grato,"
Dessa vez, o som de risada veio mais claro, assim como o ronco contra as costas de Zen.
"Zein," não passava de um sussurro, mas Zen podia ouvir como um trovão — dilacerante e doloroso. "Você tem que...viver sua vida..."
"Porra, sobre o que você está falando agora?"
Por favor, pare de falar.
Por favor, apenas pare de falar.
Zen mordeu os lábios, apressando seus passos o máximo possível. E mesmo assim o teimoso irmão mais novo continuava.
"Prometa-me...prometa para nós..."
"Apenas pare de falar..."
"Zein..."
Por que suas pernas pareciam chumbo agora? Ele pensou que tinha caminhado o mais rápido que pôde, mas a barricada sul parecia estar tão longe.
"Entendi. Então apenas pare de falar, certo?" Zen nem conseguia reunir força de vontade suficiente para impedir que sua voz tremesse. Era um pedido. Era a maneira mais suave que ele já tinha falado com seu irmão — com qualquer pessoa, na verdade.
"Sim, ok..." finalmente, seu irmão disse suavemente, recostando a cabeça no ombro de Zen.
Seguindo o caminho repleto de sangue e cadáveres, Zen apressou seus passos, e então ele simplesmente começou a correr.
Não houve protesto ou gemido. Não houve som retumbante. Todo o caminho até ele chegar à cerca, onde ele parou.
Askan estava lá, com o outro gêmeo em seus braços. Ele olhou para Zen, mas não disse nada, assistindo em silêncio enquanto o guia cruzava a barricada.
E Zen continuou caminhando, sob o sol escaldante da zona vermelha, que fazia tudo parecer estar em chamas.
O calor o invadia e suas roupas pretas.
E, no entanto, o calor estava lentamente desaparecendo de suas costas.