Quando Zen voltou ao campo de grama murcha, havia um fogo ardente.
Ele tinha passado um bom tempo apenas sentado no chão, dentro da escuridão de um prédio semi-colapsado, sem nenhuma força no corpo.
Zen não conseguia lembrar como conseguiu trocar suas roupas sujas e ensanguentadas, e foi até a forja no fundo para recuperar suas facas, até mesmo guiando alguns espers que encontrou pelo caminho.
Ele estava atordoado, movido por instinto, e só recuperou completamente o foco à vista do fogo rugindo.
Era massivo, como uma nova colina feita de chamas dançantes. Alimentado por corpos, aceso por magia. Cheirava horrível, e tornava o ar ainda mais sufocante.
E ainda assim, Zen ficava ali, o mais próximo possível, encarando a chama oscilante que pintava sua visão de vermelho. Os gêmeos estavam lá em cima, dentro da pilha de corpos, sob o fogo ardente. Reduzidos a nada além de uma memória.
Ele nem sequer tinha falado com Hayden. O garoto tinha ficado inconsciente até o fim. Talvez tenha sido melhor assim. O garoto não precisou sofrer por muito tempo.
Eles não precisavam ter sofrido.
Era para o melhor. As cinzas seriam dispersas pelo vento, para o alto. Talvez pudessem alcançar o céu. Será que esses deuses e deusas cuidariam deles, ele se perguntava.
Mas então, se eles se importassem, deveriam enviar mais torres e templos, para que não houvesse zona vermelha neste mundo. Para que o mundo fosse tão pacífico quanto o panfleto dizia.
Não importava.
"Você não precisa mais sofrer," ele murmurou, para a chama e o ar estagnado.
Ele apenas desejava que pudesse ter terminado o sofrimento deles de uma maneira mais vibrante. Quanto mais segura a zona, melhor o ambiente. Estava tão perto.
De que adiantaria agora?
Seu pescoço estava pesado. Era o peso da culpa. Do arrependimento. Da tristeza. Girando dentro das contas em forma de gota; talvez fossem suas lágrimas.
Zen não sabia que ainda podia sentir todas essas coisas.
Ele ficou ali, mesmo quando as pessoas que haviam observado e os trabalhadores da agência, encarregados, foram embora um a um, deixando apenas dois guardas de plantão. Ele permaneceu e observou a chama queimar até virar brasas. E então desapareceu em cinzas.
Estava escuro então. O vermelho tinha se tornado preto. Horas se passaram, e Zen ficou imóvel o tempo todo. Quando se moveu, seus músculos protestaram ferozmente e ele cambaleou para trás, de encontro ao peito largo de Askan Bellum.
"Você está..." ele provavelmente queria perguntar se Zen estava bem, mas percebeu que era uma pergunta muito tola. Então ele perguntou outra coisa, enquanto ajudava Zen a se estabilizar. "Você vai para algum lugar?"
Ele notou a bolsa aos pés de Zen. O guia pegou sua bolsa e a pendurou no ombro. "Não há mais nada a fazer aqui," Zen respondeu num tom indiferente. "Obrigado," ele adicionou, e como de costume, apenas se afastou.
"Para onde você está indo?" desta vez, Askan o seguindo, e Zen lançou um olhar de lado para o esper.
"Por quê, você vai vir comigo?" ele perguntou sarcasticamente. Honestamente, por que um esper de 3 estrelas que poderia ser considerado um elite se incomodaria com alguém como Zen?
Askan, no entanto, respondeu ao deboche com um comentário bastante sério. "Por que você não vem comigo?"
Nisso, Zen parou e virou de lado. "Como assim?"
"Quero dizer, venha para a minha guilda," o esper adicionou às pressas. "É chamada Celestia, você já ouviu falar?"
Era uma pergunta retórica, já que aqueles que trabalhavam no ramo das masmorras deviam ter ouvido falar de uma das três principais guildas da Federação Oriental. Askan apenas disse isso como uma venda inicial sem soar muito presunçoso.
O que ele não sabia era que Zen nunca se preocupou com o negócio das masmorras. Ele nada sabia sobre guildas famosas ou espers fora da zona vermelha. Ele nem mesmo conhecia a história adequada e a teoria de orientação.
"Não," a resposta do guia foi seca.
Askan piscou, e então sorriu constrangido. "...oh," ele riu de forma desajeitada, sentindo-se muito presunçoso apenas porque as pessoas o reconheciam esses dias.
Mas claro, não era culpa do esper. Afinal, todos o conheciam e sua guilda. Zen era apenas uma exceção infeliz.
Mas o homem não ficou constrangido por muito tempo. "Bem, que tal? Nossa sede fica na zona verde, e temos filiais nas amarelas. É um lugar muito melhor do que aqui," Askan continuou sua persuasão.
Zen encarou o esper, inclinando levemente a cabeça. Eles só tinham se conhecido hoje, e ainda assim esse homem já lhe oferecia um emprego em um local seguro. Esse homem era apenas gentil, ou era pena?
Zen não gostava de ser alvo de piedade.
Mas mesmo que não fosse...
Zen de repente riu. Era um riso amargo, e soou mais áspero do que ele pretendia, tanto que Askan se assustou.
Que irônico. Se essa oferta tivesse chegado hoje de manhã, ou mesmo antes do almoço, antes da ruptura do calabouço, Zen teria aceitado sem pensar duas vezes — mesmo que tivesse que se esforçar estudando teoria e tudo mais para obter uma licença adequada. E ainda, se a ruptura não tivesse acontecido, Askan nem teria entrado na zona vermelha, ou notado Zen.
Era realmente engraçado.
Mas agora, Zen não tinha mais motivação para subir. Ele não tinha motivação para nada, realmente. Ele não se importava mais em obter uma licença adequada. Ele não precisava mais dela.
"Obrigado pela oferta..." ele realmente agradecia, "...mas eu não acho que aceitaria," era simplesmente tarde demais. Meio dia tarde demais.
Askan suspirou internamente. Honestamente, ele já sabia que Zen não aceitaria. Os olhos — aquele inesquecível tom de azul — eram duros e inflexíveis, um olhar que já havia decidido seu curso. Mas ele ainda assim tentou, porque se arrependeria caso contrário.
Ele realmente queria tirar Zen dessa zona. Alguém como Zen era bom demais para ser mantido neste território abandonado por Deus. E havia algo em seu olhar, em sua postura, que atraía Askan para ele — para a tristeza e severidade de sua casca, e ainda havia uma suavidade reconfortante que continha em sua orientação.
Se Askan fosse um esper mais egoísta, ele traria Zen independentemente de tudo.
Infelizmente, Askan não tinha um osso egoísta em seu corpo. Ele sempre foi do tipo considerado, o que talvez lhe permitisse ver Zen sem preconceitos, mesmo depois de saber que o guia já tinha trabalhado para Umbra.
Então ele apenas suspirou suavemente e assentiu. "Tudo bem. Boa sorte então, desejo o melhor para você. Embora, se você mudar de ideia, sempre pode me encontrar em Celestia."
Zen não achava que um dia pisaria na zona verde em sua vida, mas até alguém como ele poderia reconhecer uma bondade genuína, então ele assentiu, apenas por educação. Askan sorriu, não mais de maneira desajeitada, e estendeu a mão para um aperto de mão.
Um aperto de mão... isso não era algo que as pessoas fazem na zona vermelha. Zen só havia segurado a mão de alguém para guiar. Mas ele pegou a mão, segurando o calor da carne humana sem nenhum fluxo de troca de miasma.
Esse calor logo o envolveu, quando a imensa figura do esper colocou seu braço ao redor do ombro de Zen e o abraçou como um urso — um abraço de aço. Mas não era frio.
Hoje, estava quente.
E isso deu a Zen um pouco de força para respirar mais facilmente, mesmo que apenas pela duração daquele abraço inesperado. "Cuide-se," a voz gentil e suave do homem mais velho fluiu suavemente até seu ouvido.
A bondade que afogou Zen em culpa.
Porque ele não merecia, essa bondade. Ou esse calor. Embora ele quisesse. Ainda mais porque ele queria. Mas que direito ele tinha de tal luxo, quando as cinzas de seus irmãos ainda giravam no ar estagnado?
Então ele recuou com os olhos endurecidos, e Askan olhou para ele com um pedido de desculpa no olhar.
"Ah, me desculpe..." novamente, ele riu de forma desajeitada. "Bem, tenha cuidado no seu caminho," ele disse, com as orelhas levemente avermelhadas, e andou em direção ao acampamento de emergência.
Zen olhou para as costas desajeitadas e murmurou antes que o homem saísse do alcance auditivo. "... obrigado,"
Askan quase tropeçou em seu caminho quando se virou bruscamente, como se não pudesse acreditar no que ouviu. Mas quando ele viu os olhos azuis, que haviam escurecido pela noite mas estavam mais suaves do que antes, o esper sorriu brilhantemente e acenou com a mão.
Era o mínimo que Zen podia dizer, quando o homem havia ajudado a retirar seus irmãos dos escombros. Ou pela preocupação genuína de uma raridade como essa bondade nesta parte do mundo. Ele se perguntava, no entanto, se essa bondade persistiria caso o homem passasse sua vida na zona vermelha.
Provavelmente não. Ele riu amargamente e foi na direção oposta, andando ao longo da alta parede da área residencial — ou o que restava dela — para a parte mais profunda da zona vermelha, seguindo o rastro de destruição até a origem do surto.
"Você não está tentando ir embora sem se despedir de verdade, né?"
Zen parou quando Alma surgiu da sombra da parede, franzindo a testa em traição, o que fez Zen sorrir levemente. "Precisamos de uma?"
Os moradores da zona vermelha não tinham despedidas. Eles simplesmente assumiam que não se veriam na próxima vez, porque qualquer coisa poderia acontecer no próximo momento. Eles poderiam estar mortos, eles poderiam estar desaparecidos. Não havia sentido em se despedir todas as vezes.
Foi por isso que Alma riu, do seu jeito estrondoso como sempre, embora houvesse menos energia desta vez. "Claro que sim, seu pirralho!" ela encarou Zen em silêncio por alguns segundos. Aqueles olhos lhe diziam que eles poderiam nunca mais se ver de verdade. "Pelo menos deixe-me olhar seu rosto pela última vez. Me dê um presente de despedida decente, você não acha?"
Zen ficou surpreso por ainda ter em si a capacidade de rir. Bom, ele sempre conseguia encontrar um motivo para rir na versão de Alma de 'cuidar' dele. Ela sempre foi como uma irmã mais velha — uma irmã mais velha muito barulhenta, rude e atrevida que lhe dava doces de vez em quando. Ela deixava Zen se limpar em sua casa antes de ir para casa, e indicava espers que precisavam de orientação para ele, para que Zen pudesse ter um pouco de dinheiro extra.
Certo, ele poderia ao menos fazer isso, já que ainda estavam perto da área residencial de qualquer forma. Então ele tirou sua máscara — já fazia um tempo. Ele a usava por necessidade, mas também havia se tornado um hábito. Ele se sentia estranho sem ela, especialmente durante a orientação.
Justo quando a máscara foi completamente retirada, ele foi atacado por um aperto de luta do berserker corpulento, e teve seu cabelo preto bagunçado. Como quando ele ainda era um pirralho, quando ainda tentava encontrar seu caminho na parte profunda da zona vermelha. Até ele se tornar astuto demais e frio e desconfiado.
"Haa... olha para você, ficando mais bonito a cada vez!" Alma riu, mais livremente do que antes, como se saboreasse o tempo em que conheceu Zen pela primeira vez. Um garoto bonito demais para uma zona vermelha, e ainda assim feroz do mesmo jeito. O garoto que vomitava na presença da morte, mas brilhava diante de doces.
E então o garoto teve que endurecer-se diante da aspereza da zona vermelha, e ele se tornou mais recluso, mais inexpressivo, mais coberto, tudo para proteger a si mesmo e seus irmãos.
E aquele menino bonito tinha se tornado um homem bonito, mesmo com um rosto frio e olhos profundos, como um inverno silencioso. Como uma fada da neve naqueles contos infantis. Já fazia anos, provavelmente quase uma década, desde que Zen mostrou seu rosto ao público pela última vez.
"Zach iria se arrepender de não ter vindo comigo. Ele ainda está emburrado, você sabe, já que você anda por aí com aquele Sangue de Aço em vez dele," Alma sorriu. "Provavelmente vou ouvi-lo reclamando de sentir sua falta a partir da próxima semana."
"Ele sentirá minha falta? Ou do meu corpo?" Zen tentou arrumar seu cabelo bagunçado novamente.
"Qual é a diferença?" Alma deu de ombros.
"Bom..." Zen deu de ombros também e virou a cabeça na direção do acampamento. Havia pessoas familiares caminhando em direção a eles, e Zen suspirou. Por que ele encontrava essas pessoas tanto hoje?
"O que foi?" Alma foi quem pareceu mais irritada, no entanto, encarando com raiva aquele jovem esper e o vice-líder.
"Agora, agora, Senhorita Alma, Diaz só quer dizer algo ao Senhor Guia aqui," o vice-líder, Lamun, ergueu as mãos em um gesto de paz, o que fez Alma bufar. Mas ela não os repreendeu mais.
O jovem esper, no entanto, permaneceu imóvel com os lábios entreabertos e sem som. Ele olhou fixamente para Zen, que apenas os observava com indiferença.
"Ei, o que foi?" Alma perguntou impacientemente. Por que seu momento de despedida com Zen deveria ser perturbado por essas pessoas?
"Diaz?"
O jovem esper piscou finalmente, e começou a falar com hesitação. "Oh... uh, então... " havia um leve rubor que lentamente subiu pelo seu rosto normalmente arrogante.
"Sim?" Zen inclinou a cabeça, braços cruzados com impaciência.
"Ah, apenas... obrigado... sobre mais cedo," Diaz abaixou o rosto enquanto murmurava, embora seus olhos continuassem roubando olhares envergonhados para Zen.
"Claro," Zen respondeu despretensiosamente e colocou sua máscara novamente, para o desânimo do jovem esper.
"E... e... me desculpe..."
"Tudo bem," Zen deu de ombros, apertou a máscara de filtragem e então voltou seu rosto para Alma novamente. "Vou indo agora."
"Tenha cuidado, embora sendo você, não acho que precise me preocupar muito," Alma deu um último tapa no ombro do guia. E então, como se tivesse acabado de lembrar, ela perguntou, "Ei, eu ainda não sei para onde você está planejando ir,"
Nisso, Zen respondeu com uma resposta que quase deu um ataque cardíaco em todos eles, e fez Alma querer retirar o que disse antes.
"Para a Fronteira,"