Yan Yun não tinha muitos pertences. A maioria deles eram lembrancinhas inúteis que lhe foram dadas por Wu Bin, e Yan Yun as tratava como se fossem mais preciosas do que ouro. Na realidade, elas não teriam custado nada a Wu Bin. Um bibelô barato que ele pegava aleatoriamente em um mercado para trocar pela sentimentalidade de Yan Yun.
Com nojo, Yan Zheyun os jogou em um monte separado. Devia haver alguma maneira de se livrar deles sem que Wu Bin descobrisse. Não que ele não fosse capaz de inventar alguma desculpa esfarrapada se Wu Bin visse e o interrogasse a respeito, mas Yan Zheyun preferiria poupar-se do incômodo se pudesse.
"Ah Yun."
Mingyue entrou pela porta bem quando Yan Zheyun estava guardando suas modestas economias. Não era muito, apenas algumas cordas de moedas de cobre. Ele também não sabia a taxa de câmbio, portanto, não tinha certeza de quanto realmente valiam. Mas poderia descobrir, se algum dia tivesse a oportunidade de visitar uma loja.
"Irmãzinha Mingyue," ele cumprimentou com um sorriso fraco. Melhor não parecer muito feliz por estar de partida. Ele não sabia quem estava relatando a Liang Hui e não queria levantar suspeitas.
Mingyue se aproximou e olhou para ele com preocupação. Nas memórias de Yan Yun, ela era uma figura de irmã mais velha gentil que fazia o melhor para cuidar dele. Aos 20 anos de idade, ela já era considerada velha para um noivado, e logo seria dada em casamento pela senhora da casa a outro servo leal que tivesse o direito a uma esposa. Mas só se ela não fosse antes entregue a Wu Bin como aquecedora de cama.
Yan Zheyun não tinha certeza de quão precisa era a opinião de Yan Yun sobre ela. Afinal, essas memórias herdadas eram todas subjetivas e pintadas com a visão de mundo de Yan Yun. Esta era uma visão de mundo que Yan Zheyun não ousava confiar, porque Yan Yun havia se provado repetidamente como o pior julgador de caráter do universo.
Mas independentemente de Mingyue ser tão agradável quanto parecia ou não, Yan Zheyun esperava que ela evitasse o destino de se tornar concubina de Wu Bin. Ele não desejaria isso a ninguém, nem mesmo ao seu pior inimigo.
[Okay, isso não é verdade. Eu desejaria isso tranquilamente para os Escrotos Gongs 2, 3, 4, etc.]
"Ah Yun..." Mingyue mastigava o lábio. Ela parecia inquieta, como se não tivesse certeza de como transmitir o que queria dizer. "Você vai ter que tomar muito mais cuidado a partir de agora. Tenho certeza de que o Jovem Mestre ainda vai tentar protegê-lo, mas as cozinhas são tão distantes que ele não poderá mantê-lo seguro o tempo todo mais."
[Eu não poderia pedir mais.]
Yan Zheyun amarrou um nó arrumado na parte superior de sua sacola de tecido e a enfiou debaixo do braço. Ele já estava ansioso para partir para as cozinhas, mas tentou não demonstrar isso.
Na verdade, Liang Hui hesitou em designá-lo para outro lugar. Isso porque ela não sabia onde mais colocá-lo. Ele era um escravo masculino, então as residências femininas não eram apropriadas. E as outras residências masculinas também eram perigosas, por causa de sua aparência. Só porque ela favorecia Wu Bin, não significava que queria que seu segundo filho ou os outros filhos ilegítimos se envolvessem com um servo também. Era aceitável se fosse apenas por diversão, mas havia algo em Yan Yun que parecia fazer os homens perderem o controle sobre seus sentidos. Ela não queria arriscar isso.
Sua outra consideração foi a atitude de Wu Bin. Seu filho não iria gostar disso. Mas o desejo de separá-los era muito tentador, e então ela concordara quando Yan Zheyun timidamente sugeriu ir para as cozinhas.
Quanto ao porquê dele ter se voluntariado para um trabalho tão sujo? Simples. Ficava na outra extremidade do complexo da Família Wu. Isso era o mais distante de Wu Bin que ele poderia ficar sem ser vendido para outra família.
"Não se preocupe," ele tranquilizou Mingyue, com os grandes olhos brilhantes e claros refletindo o sol da tarde. "Eu vou cuidar de mim mesmo."
Mingyue não pareceu convencida, mas ela também tinha trabalho a fazer e não podia acompanhá-lo até lá.
"Tente esconder sua aparência," ela insistiu. "Não deixe ninguém olhar para o seu rosto por muito tempo."
"Pode deixar, Irmãzinha Mingyue." Com um último aceno, Yan Zheyun saiu pelas portas do pátio principal da residência de Wu Bin. Ele estava 100% certo de que aquela não seria a última vez que veria Wu Bin, mas pelo menos podia esperar que aquela fosse a última vez em que pisasse em seu território.
As cozinhas ficavam a uma caminhada razoavelmente longa, especialmente porque Yan Zheyun decidiu fazer um desvio para evitar esbarrar em outras pessoas. Mingyue estava certa. Seu rosto era capaz de atrair calamidades para ele e quanto menos os outros o vissem, melhor.
Ele considerou como poderia se disfarçar. Lixin já tinha tentado maquiar ele no passado, mas ele havia recusado. Então ela foi importunar sua gêmea em vez disso. Pobre Liheng era o de bom coração na família e cedeu às demandas irracionais dela. Em algum momento, ele até tinha se tornado bastante bom em aplicar delineador em si mesmo.
Yan Zheyun não podia acreditar que estava pensando isso, mas ele meio que desejava, só um pouquinho, que ela tivesse o ensinado a aplicar maquiagem também. Então ele poderia descobrir como usar isso para tornar a sua aparência menos marcante.
Mas, de novo, ele não queria gastar o pouco dinheiro que tinha em produtos de beleza. Ele nem mesmo tinha certeza se tinha o suficiente. Simplesmente não era a solução econômica.
Quais outras alternativas havia?
Ele parou no caminho perto do lago oriental, que era onde Yan Yun havia morrido. Era um canto quieto do complexo, sem muito tráfego de pessoas diariamente, e era por isso que Liang Ming havia arrastado Yan Yun até ali para se aproveitar dele. Yan Yun teria evitado um lugar tão isolado a todo custo, mas Yan Zheyun não tinha tais escrúpulos.
Se algum predador decidisse atacar quando pensasse que estavam sozinhos, então ele não poderia culpar Yan Zheyun por reagir.
Ele olhou para seu reflexo no lago. A primavera havia chegado há pouco tempo e as flores de pessegueiro começavam a florescer. Na água, um jovem estava parado embaixo de uma dessas belas árvores de pétalas rosa-pálido, sua forma esbelta e flexível. Era agradável aos olhos, estonteante até. Apesar da roupa cinza e desgastada que vestia, seu porte nobre era difícil de esconder. Seu cabelo, que descia até a cintura, estava meio solto e meio preso em um coque no alto.
Essa aparência erudita era favorecida por jovens educados que ainda não haviam passado pela cerimônia de adultez. Mas não era adequada para um escravo humilde. A coisa lógica a fazer seria Yan Zheyun prender seu cabelo em um coque completo como o resto dos servos masculinos usava. Mas, pela primeira vez em muito tempo, ele não se sentia racional.
Talvez ele apenas sentisse pena de Yan Yun, que de muitas maneiras o fazia lembrar seus irmãos de 18 anos. Se a tragédia não tivesse abatido a Família Yan, Yan Yun estaria estudando agora para exames, assim como os gêmeos. Ele não teria nenhuma preocupação no mundo além de impressionar a capital com um excelente desempenho nas provas dos exames imperiais.
Talvez ele tivesse até roubado o título de Wu Bin de 'Formado Principal Mais Novo', já que ele mesmo havia sido um estudioso realizado, apesar de suas tendências juvenis. Yan Zheyun ainda retinha todas as memórias de Yan Yun dos Quatro Livros e Cinco Clássicos, que formavam o núcleo do currículo dos exames imperiais.
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E então, aos 20 anos, o pai de Yan Yun teria orgulhosamente organizado sua cerimônia de maioridade. Um convidado de honra, talvez seu professor, teria realizado os rituais.
Essa deveria ser a primeira vez que Yan Yun utilizava um coque completo. Não antes dos 20 e não enquanto envergonhado.
Porque ele tinha transmigrado para o corpo de Yan Yun, Yan Zheyun sentia-se responsável pelas esperanças remanescentes de Yan Yun. Essas esperanças estavam embutidas em suas memórias e Yan Zheyun havia sentido pessoalmente sua antecipação em se tornar um oficial da corte. Sua animação para atingir a idade adulta e apoiar seu pai e família. Seu desejo de limpar o nome de sua família.
As capacidades de Yan Zheyun eram limitadas no momento e ele não tinha certeza se conseguiria ser mais do que um escravo. Como tal, ele não ousava fazer promessas extravagantes, como vingança ou uma nova tentativa de assegurar uma posição oficial. Mas ainda havia algumas coisas que ele podia fazer.
[Eu prometo, um dia eu encontrarei alguém disposto a completar aquela cerimônia para você.] Antes disso, ele não permitiria a si mesmo usar o coque completo.
Desfazendo o simples cordão preto que mantinha metade de seu cabelo para cima, Yan Zheyun rapidamente o amarrou num rabo de cavalo. Esta habilidade dos seus dedos também era algo que pertencia ao corpo anfitrião e não a ele. Lixin reclamava toda vez que ele a ajudava com seu cabelo, dizendo que graças a ele ela ficaria calva antes dos 30. Mas Yan Yun havia passado 4 anos arrumando o cabelo de Wu Bin todas as manhãs. A habilidade já havia se tornado uma memória muscular.
A mudança de penteado pouco fez para distrair do rosto marcante do corpo anfitrião, mas pelo menos tornava o movimento mais conveniente. Quanto ao resto, havia pouco que Yan Zheyun pudesse fazer além de esperar que a fuligem e o suor do trabalho árduo na cozinha o fizessem parecer muito menos atraente.
A inspetora responsável pela cozinha deu a Yan Zheyun um olhar plano e desinteressado quando ele comunicou sua chegada. Ele não podia culpá-la. Seus braços magros, dedos de músico e corpo frágil não davam a impressão de que ele seria capaz de levantar até mesmo um pote de vegetais em conserva. Se ele fosse ela, suspeitaria que alguém mais alto na hierarquia tivesse uma vendetta contra ele e decidisse enviar esse ex-Jovem Mestre inútil para as cozinhas movimentadas apenas para causar problemas.
Mas não era como se ela pudesse dispensá-lo. Depois de trocar olhares com ele por um minuto, ela chamou outro garoto da cozinha para se aproximar.
"Leve-o aos alojamentos para deixar suas coisas e depois mostre a ele como lavar pratos", disse ela, com os olhos se estreitando enquanto ela olhava Yan Zheyun atentamente. "Não me importa se você é filho do ex-primeiro ministro ou um mendigo nas ruas. Talvez o grande jovem mestre tenha tratado você como um tesouro, mas agora que está sob minha supervisão, eu espero que você obedeça às minhas ordens. Eu sou uma supervisora justa e darei tempo para você aprender, mas se eu pegar você se esquivando ou infringindo minhas regras, não hesitarei em puni-lo. Você entende?"
O que ele poderia dizer? De CEO a serviçal pessoal a ajudante de cozinha, Yan Zheyun não tinha escolha a não ser obedecer.
Satisfeita com seu "Sim, Senhora" complacente, ela o dispensou com seu novo colega.
O garoto da cozinha que o acompanhou era um adolescente quieto e um pouco rude. Era magro, um bom tanto mais alto que Yan Zheyun, embora a leve gordura infantil em suas bochechas sugerisse que ele era possivelmente mais jovem. Mas mesmo com sua túnica, era óbvio que seu corpo esguio era musculoso de anos de trabalho manual. Yan Zheyun só podia ser invejoso. Uma vez ele também teve um abdômen definido, mas agora ele tinha que se resignar a uma cintura minúscula que não ficaria deslocada em uma fantasia de dançarina do ventre.
...isso era algo do qual Yan Zheyun poderia prescindir.
"Eu sou Yan Yun." Yan Zheyun se apresentou depois de ficar claro que o garoto não o faria. Ele poderia muito bem começar a fazer contatos.
O garoto grunhiu. "Wu Zhong," ele respondeu, usando o sobrenome da família. Tecnicamente, Yan Yun deveria ter sido renomeado também pelos seus novos mestres, mas a Família Wu graciosamente permitiu que ele mantivesse seu nome. Yan Yun tinha ficado tão agradecido por isso que se ajoelhou e fez uma reverência. Mas o que ele não percebeu era que isso foi apenas para o Ministro dos Ritos ter mais prazer em ser servido pelo filho do homem que secretamente odiava.
Wu Zhong empurrou um conjunto de portas e levou Yan Zheyun para dentro. Ele apontou para uma longa plataforma de madeira no final do quarto apertado, que se estendia por toda a extensão da parede. A cada poucos centímetros, um cobertor fino estava jogado de qualquer jeito sobre ela.
"Essa é a cama", disse Wu Zhong, e Yan Zheyun quase desmaiou com o choque cultural.
Até Yan Yun, com seus 4 anos de experiência em servidão, nunca havia vivido em condições tão miseráveis antes. Se houvesse memórias desse nível de degradação, talvez Yan Zheyun tivesse pensado duas vezes.
Não é de se admirar que os olhos de Liang Hui quase saltaram das órbitas quando sugeriu as cozinhas. O jovem mestre privilegiado que Yan Zheyun foi morreu um pouco por dentro.
[Tenho um MMP que não tenho certeza se devo dizer... a riqueza realmente limitou minha imaginação, isso é um erro de cálculo massivo da minha parte.]
Mas ele tinha que tirar o melhor da situação agora. Eram apenas anos intermináveis de trabalho braçal e algumas paredes descascando. Ele aprenderia a lidar em breve.
Ah, espere. Ele também teria que se acostumar a dividir um quarto de 5x5 com—
"Sete de nós." Wu Zhong caminhou até o canto mais distante da cama antes de se virar para olhar Yan Zheyun com uma carranca. Não gostando do escrutínio, Yan Zheyun se virou.
"Onde devo colocar minhas coisas?" ele perguntou calmamente.
"Dorme aqui." Wu Zhong apontou para o pequeno espaço restante entre o último cobertor e a parede suja. "Estarei ao seu lado. Acredite em mim, você não vai querer pegar o meio."
Yan Zheyun não tinha a intenção de fazê-lo, mas agora que Wu Zhong havia dito isso, ele precisava perguntar sobre isso. "...por quê não?"
A carranca de Wu Zhong se aprofundou. "Seu rosto é um problema," ele disse com uma franqueza que surpreendeu Yan Zheyun. Mas foi uma mudança agradável depois de uma manhã inteira de Tai Chi verbal com Liang Hui. "Se você não quer nenhum problema, mantenha-se em seu próprio canto, cuide dos seus próprios assuntos e fique longe de Wu Zhi."
"Quem?"
"Wu Zhi. Ele é outro dos servos que trabalha nas cozinhas. Mas ele está nas boas graças do Jovem Mestre Liang Ming e eles frequentemente conspiram juntos. Sabe o que mais eles têm em comum? Uma preferência por rostos como o seu."
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