[Dizem que grande beleza derruba reinos
O rosto rosado é culpado por arruinar o mundo
Mas, dos que proferem tais palavras sábias
Quem realmente conhece a solidão daquela que se senta no boudoir
E nada pode fazer
Senão esperar que seu marido venha e se perca
Nos seus perigosos encantos?
Os oficiais civis e os homens de armas
Governam de cima com um orgulho deslocado
Mas ela com fragrâncias em suas mangas de seda
Com rubor carmesim e o brilho da lua em sua testa
É onde o poder reside
O que fazer seu marido quando tudo o que cobiça
São seus perigosos encantos?
O filho do fênix deseja um banquete
Que agora uma píton reivindicou egoistamente
Quando ele cair do céu, o fênix irá lamentar
E o oropêndola pode ascender.]
Meng Die dobrou a partitura que haviam lhe passado por debaixo de uma bandeja envernizada que trazia sua refeição noturna. Era composta para o guqin, instrumento no qual ela não era muito versada, dado sua reputação de lazer de cavalheiro. Mas ela conseguia ler mesmo assim, com as notas da escala ressoando em sua mente enquanto apreciava sua melodia. Quem quer que a tenha composto utilizou uma melodia ousada e corajosa que não era a forma popular preferida nas famosas obras musicais da época atual.
Mas ela gostava. Não apenas de sua melodia, mas também da mensagem oculta em suas letras.
Meng Die era apenas a filha de um camponês humilde, vendida por seus pais a um bordel. Mas ela fora sortuda, pois era naturalmente dotada para a música, a ponto de sua voz transformá-la na principal fonte de renda de seu proprietário. Relutante em submetê-la às depravações de seus clientes, os proprietários de Meng Die a empacotaram como uma fada perdida a caminho dos céus, que tinha de buscar refúgio sob o teto deles. Para manter essa impressão, Meng Die tinha sido vestida em cores puras, virginais, com um véu cobrindo o rosto toda vez que se apresentava. Com seus talentos apenas, ela conseguiu proteger sua castidade até que o Ministro dos Ritos pagasse uma soma exorbitante para levá-la para casa.
Mas, no final das contas, não importava quão 'virtuosa' ela tinha se feito parecer, ela era uma prostituta. Ela conseguia ler a maioria das letras da partitura porque tinha que aprender partituras durante sua tutela. Mas como a pessoa que lhe enviou isso sabia disso?
Não importava, entretanto. Ela podia adivinhar quem era, então talvez ele fosse mais inteligente do que ela lhe tinha dado crédito anteriormente.
Um risinho escapou de seus lábios enquanto ela refletia sobre a intenção por trás das palavras da partitura. Seria arriscado, com certeza, mas também tinha os melhores interesses dela em mente. E, no final das contas, estava alinhado com seus planos. Ela tinha visto como aquela velha ciumenta, a esposa principal do mestre, a olhava. Seria apenas uma questão de tempo até que ela fosse colocada em seu lugar.
Mas Meng Die não queria ficar em seu lugar. Ela gostava da posição de Liang Hui e queria ver o quão perto dela poderia chegar. Esta doce oropêndola, este pequeno pássaro canoro, não se importava em derrubar o filho do fênix de seu cavalo alto, se fosse isso que levasse.
Ela guardou a partitura de volta em suas vestes e seguiu para seus aposentos, para se preparar para uma visita do mestre. Ele já tinha passado quatro noites aqui com ela e acabara de enviar a notícia de que viria novamente em breve.
Quem diria que tal mimado jovem mestre inocente seria tal espírito de raposa por baixo da superfície?
Mas ela gostava de sua caligrafia, mesmo que não fosse educada o suficiente para saber qual estilo ele usara. Talvez ela o ajudasse, só porque ele tinha escrito tais belas esperanças para o futuro dela em pergaminho.
Ou talvez fosse simplesmente porque essa era a primeira vez que alguém lhe compusera uma canção.
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Ultimamente, havia ocorrido uma mudança na dinâmica não expressa na Academia Hanlin. Wu Bin podia sentir a mudança no tratamento que estava recebendo de seus colegas. Eles ainda sorriam para ele com polidez, mas o tom de respeito que sempre lhe tiveram parecia ter desvanecido em um desconsiderar silencioso.
Ele não era um idiota. Ele sabia o porquê disso. A atitude de seus superiores diretos também havia mudado, de orgulhosa antecipação para uma decepção simpática, como se já tivessem decidido que este era o fim de sua jornada política e ele seria 'Compilador Wu' pelo resto de sua carreira, condenado a assistir aqueles atrás ultrapassá-lo.
Wu Bin entrou tempestuosamente no complexo principal da Propriedade Wu, seu manto esvoaçante ao seu redor em uma rajada enquanto tentava, sem êxito, conter sua raiva. Isso era tudo culpa do quarto príncipe. Wu Bin havia errado a seu respeito. Ele o tinha visto como um futuro líder digno a ser seguido, via o quarto príncipe como a chave para destrancar suas ambições. Mas esse suposto membro 'magnânimo' da família imperial era nada mais que mesquinho e movido pelo desejo.
Mas só porque ele era da realeza, as mãos de Wu Bin estavam atadas. Era injusto.
Não passou muito tempo após entrar em suas residências que Wu Bin recebeu uma convocação do mordomo para encontrar seu pai em seu estudo.
Ele suspirou interiormente. Seu pai recusou todas as audiências com ele desde aquele dia em que ele ordenou que os guardas da casa arrastassem Wu Bin para longe dos estábulos. Mas Wu Bin sabia que desta vez ele tinha ido longe demais. Sua Yun Er causava esse efeito nele. Era como se todo o bom senso fosse substituído em sua mente pelas memórias daquela cintura elegante e daqueles olhos grandes e confiantes enquanto olhavam para Wu Bin como se ele fosse o universo inteiro.
Estava acontecendo de novo. Wu Bin engoliu em seco, sua boca repentinamente seca. Isso vinha acontecendo com frequência ultimamente. Seu desejo de possuir Yun Er o deixava como um homem sedento em um deserto, lutando para alcançar e tocar aquela oásis abençoado. Será que o quarto príncipe também se sentia assim?
Yun Er era um espírito de raposa vindo para destruir todos eles. Não era a primeira vez que Wu Bin contemplava matá-lo. Dessa maneira, mesmo que Wu Bin não pudesse tê-lo, ninguém mais poderia, e ele seria capaz de deixar de lado essas fantasias e voltar ao caminho de onde havia se desviado.
O Ministro dos Ritos estava atrás de sua mesa, mas o que surpreendeu Wu Bin foi que Yun Er estava sentado na cadeira antiga em frente ao biombo ornamental, que geralmente era reservada para convidados importantes. Ele estava vestido novamente com sedas simples e limpas, não tão finas quanto suas roupas do passado mas muito acima do traje dos servos ao qual Wu Bin estava acostumado a vê-lo. As dobras de suas mangas de jade pálido caíam enquanto ele levantava uma xícara de chá até os lábios, revelando pulsos delicados, contornados com uma graça de tirar o fôlego.
A mente de Wu Bin ficou em branco. Ele esqueceu de cumprimentar seu pai, nem mesmo notou quando o olhar do Ministro dos Ritos escureceu ao ver a expressão apaixonada no rosto de seu filho. Ele não conseguia tirar os olhos de Yun Er, nem por um segundo.
"Yun Er," ele murmurou, entrando rapidamente no cômodo. Ele queria caminhar até Yun Er, pegar uma de suas mãos brancas nas suas e apertá-la, sentir o quão macia e flexível era.
"Filho desobediente!" Livros caíram no chão quando Wu Shengqi varreu o conteúdo de sua mesa em um ataque de fúria. Seus dentes estavam cerrados e suas mãos tremiam enquanto ele apontava um dedo acusatório diretamente para o rosto de Wu Bin. Alguma clareza voltou à mente de Wu Bin e ele se apressou em se ajoelhar diante de seu pai, ciente de que havia cometido um erro óbvio.
"Pai—"
"ESSE PAI ESTÁ MANDANDO VOCÊ SE CALAR!" Mas Wu Shengqi não lhe deu chance de se desculpar. "VOCÊ SABE O QUANTO EU ESTOU HUMILHADO POR SUA CAUSA? VOCÊ SABE O QUE ELES ESTÃO DIZENDO SOBRE VOCÊ?!" ele rugiu. Os oficiais que compareceram ao tribunal da manhã tiveram que sair do palácio a pé, pois apenas indivíduos com status especial ou permissão podiam ter palanquins ou cavalgar dentro dos muros do palácio. Ele passou toda a jornada com o rosto queimando de vergonha enquanto os homens ao seu redor faziam piadas e gracejos sobre como o filho mais promissor da Família Wu ofendeu a pessoa errada e agora estava sofrendo na Academia Hanlin. Suas zombarias insinuavam que Wu Shengqi havia falhado em seu dever como pai.
O ministro dos ritos nem mesmo conseguia negar. Se ele não tivesse sido tão indulgente com Wu Bin, tão orgulhoso de suas conquistas que ele fechou um olho para sua paixão, nada disso teria acontecido.
As palavras de Die Er ecoaram em sua mente.
[Mestre, você sabe que esta concubina tem um coração romântico... Eu não sugeriria separar os pombinhos a menos que houvesse outra opção, mas Die Er acha que sua ideia de presentear o escravo ao quarto príncipe é brilhante, Mestre é tão inteligente, Die Er realmente o respeita. Uma vez que o quarto príncipe receber o presente, ele parará de pressionar o grande jovem mestre. E esse escravo também será removido da vista do Grande Jovem Mestre, isso é matar dois coelhos com uma cajadada só, certo?]
Die Er estava certa. A única coisa que impedia Wu Shengqi de entregar esse garoto Yan era a preocupação de que ele alienaria seu filho para sempre se fizesse isso. Mas agora, vendo seu filho incapaz de conter sua obsessão até mesmo diante dele, Wu Shengqi tomou uma decisão.
Pombinhos? Nenhum mero servo era digno de ser o pombinho de seu filho. Yan Yun era perigoso demais para mantê-lo por perto, melhor passá-lo para outro antes que ele arruinasse o orgulho e a alegria da Família Wu. E ele tinha fé que seu filho iria entender uma vez que ele visse que não tinha mais nenhuma chance de recuperar seu criado. Wu Bin não era tolo, apesar do que parecia no momento. Wu Shengqi conhecia seu filho como a palma de sua mão, tinha sido ele quem encorajou as ambições de Wu Bin. Ele próprio poderia ser um político mediano, mas seu filho estava destinado a trazer glória ao nome de Wu. Wu Bin não abandonaria sua herança de direito apenas por um desejo mesquinho por um garoto.
Wu Bin não se atreveu a se mexer até ver Wu Shengqi se acalmar. Seu pai recostou-se na cadeira e fez um gesto para Wu Bin se levantar. Sua expressão era severa, seu olhar duro como ágatas, e Wu Bin tinha um mau pressentimento sobre o que ele estava prestes a dizer.
"Sua situação na Academia Hanlin tornou-se conhecida por toda a corte," disse seu pai. Wu Bin comprimiu os lábios.
"Não é nada que Bin Er não possa lidar, pai," ele tentou tranquilizar, mas Wu Shengqi levantou uma mão para silenciá-lo.
"Você me acha um idiota?" ele disse com uma risada fria. "Bin Er ah, seu pai está na corte há mais da metade de sua vida. Eu posso não ser o oficial mais destacado, mas também tenho meus meios de obter informações."
O sangue de Wu Bin gelou. Ele não pôde deixar de lançar um olhar nervoso na direção de sua Yun Er. Era esta a razão pela qual seu pai havia chamado Yun Er? Ele iria punir Yun Er por ser a raiz do problema? Se seu pai soubesse que o quarto príncipe estava pressionando Wu Bin porque pensava que Wu Bin havia quebrado sua promessa de entregar Yun Er em sua cama, o que seu pai faria?
"A partir de amanhã, Yan Yun estará morando nas residências ocidentais," seu pai disse, não dando atenção ao olhar atônito no rosto de Wu Bin. "Ele será treinado por um mês em dança, para prepará-lo para apresentação ao quarto príncipe no banquete de aniversário."
"NÃO!" Wu Bin gritou antes que pudesse se conter.
O olhar de seu pai era desprovido de emoção. Para Wu Bin, que sempre fora mimado, foi um sentimento estranho ser considerado de forma tão indiferente pelo homem que o havia criado como um tesouro precioso. Isso roubou de Wu Bin um pouco do calor de sua raiva, substituindo-o por um súbito desamparo.
"P-pai," ele gaguejou. "Por favor, este filho nunca lhe pediu muito—"
"E ainda assim você está desperdiçando o favor de seu pai em um escravo," disse Wu Shengqi. "Guarde seus apelos. Minha decisão está tomada e você só estará perdendo seu fôlego."
"Mas pai…" As engrenagens no cérebro de Wu Bin finalmente começaram a girar mais rápido enquanto ele tentava desesperadamente formular um argumento lógico o suficiente para convencer seu pai do contrário. "Se a Família Wu presenteasse uma beleza ao quarto príncipe tão abertamente diante do imperador, Sua Majestade nos suspeitaria de plantar espiões na mansão do quarto príncipe? Ou tentar semear discórdia?"
Seu pai descartou suas desculpas. "Qual é o grande problema?" ele disse desinteressadamente. "Qual príncipe adulto não recebeu uma ou duas belezas de um oficial da corte antes? Se me lembro bem, no ano passado, o Ministro das Obras presenteou uma das atuais companheiras de leito do quarto príncipe para ele."
"Mas—mas então e a nossa promessa ao pai de Yun Er?" No seu pânico, ele até havia esquecido da rivalidade oculta que seu pai sentia pelo falecido primeiro ministro. "Yun Er não é treinado para a política da casa imperial, isso não seria o mesmo que enviar o filho do seu velho amigo para as garras do tigre—"
"Grande Jovem Mestre," a voz de Yan Zheyun era como um riacho murmurante, cortando a malícia no ar com uma frescor revigorante. Ele manteve uma presença baixa durante toda a conversa, mas era hora de ele tomar uma posição.
"Grande Jovem Mestre," ele disse novamente, uma vez que ele tinha certeza que tinha a total atenção de Wu Bin. "Yun Er já concordou com o arranjo."
Ele recostou-se na cadeira e se deliciou com a aparência pequena de Wu Bin, pálido e desolado enquanto olhava para Yan Zheyun como se Yan Zheyun fosse o escroto responsável por partir seu coração.
"Então, por favor, não brigue mais com o mestre. Yun Er sempre se lembrará de ter sido acolhido pela Família Wu e odiaria ser o responsável por qualquer desarmonia."