O som das botas de Seraphina ecoava pelos corredores de pedra fria da prisão. A tocha que um dos guardas segurava lançava sombras oscilantes nas paredes, enquanto a princesa, com um manto escuro, caminhava silenciosa. A cada passo que dava, sentia o peso do que estava prestes a enfrentar. Havia sido a sua decisão. Alaric estava ali por sua causa, e era seu dever encará-lo.
Ao chegar ao portão da cela principal, foi recebida por dois guardas corpulentos, ambos imponentes e com expressões endurecidas. Eles não ousavam questionar suas visitas regulares, mas os olhares discretos deixavam claro o que pensavam. Seraphina era uma anomalia naquele lugar. Uma princesa, filha de concubina, entrando e saindo de uma prisão para visitar um plebeu — uma ofensa às normas do reino.
— Princesa, aqui está ele — disse um dos guardas, abrindo a pesada porta de metal que rangeu, como se o próprio lugar estivesse lamentando sua existência.
Seraphina entrou, o som da porta se fechando atrás de si. A luz da tocha revelava o rosto de Alaric, ainda machucado e pálido, mas havia uma centelha em seus olhos que se recusava a ser apagada. Ele estava sentado no canto da cela, as mãos acorrentadas, mas ergueu a cabeça ao ouvir seus passos, sua expressão de surpresa evidente.
— Princesa? — Alaric perguntou, a voz rouca. Ele não conseguia esconder o choque. — O que está fazendo aqui de novo?
Seraphina se aproximou lentamente, as palavras que ensaiou durante o caminho desmoronando ao ver o estado em que ele estava.
— Alaric... eu... — Ela hesitou, lutando para encontrar as palavras certas. — Isso... isso não deveria ter acontecido. Eu vim porque... sinto que a culpa é minha. Se eu tivesse sido mais firme, talvez você não estivesse aqui.
Alaric balançou a cabeça, um sorriso cansado cruzando seus lábios.
— Não, Seraphina. Eu sabia que desafiar um nobre tinha suas consequências. Ainda que você tivesse tentado me proteger, isso aconteceria de qualquer maneira. Eles não perdoam facilmente, e, mesmo que você seja... gentil, isso não mudaria o que aconteceu.
Ela franziu a testa ao ouvi-lo. A simplicidade com que ele aceitava seu destino a irritava, mas também a deixava admirada. Sentia-se ainda mais responsável por sua situação, algo que ele não parecia compreender.
— Não é só questão de desafiar um nobre, Alaric. Eu fui imprudente... e estou acostumada a carregar o fardo das minhas falhas. A diferença é que, desta vez, outra pessoa sofreu por isso.
— Talvez — disse ele, estudando seu rosto. — Mas a vida sempre será injusta. Desde que me lembro, sempre sonhei em ser um cavaleiro mágico. Me arriscar faz parte disso, mesmo que os nobres não queiram admitir.
Seraphina sentiu seu peito apertar. Ali, diante dela, estava um homem que havia sido jogado nas profundezas por um erro que não era dele, e mesmo assim, ele se mantinha firme, não culpando o mundo por sua situação.
Antes que ela pudesse responder, o som de passos ecoou pelo corredor. Seraphina se virou rapidamente, ajustando o capuz de seu manto. O diretor da prisão, seu meio-irmão Dom Cedric, surgiu no corredor estreito. Ele andava com a postura de alguém que sabia o peso de seu poder. Seus olhos, sempre gelados, encontraram os de Seraphina.
— Minha querida irmã, sempre visitando este... plebeu. — Cedric sorria, mas o tom em sua voz era amargo. — Não deveria se associar tanto a ele. A plebe é imprevisível, até mesmo para alguém como você.
Seraphina manteve a compostura, mesmo que cada palavra dele a provocasse. Ela sabia que Cedric não a respeitava, não mais do que qualquer outro dos nobres do reino. Sua presença ali era mais uma afronta às convenções, e ele fazia questão de lembrá-la disso sempre que possível.
— Só estou fazendo o que acho que é justo, irmão — respondeu ela, sem se abalar. — Tenho minhas razões para estar aqui.
— Certamente tem — disse Cedric, estreitando os olhos antes de virar as costas. — Não me importo com seus joguinhos. Só espero que saiba onde está se metendo. O mundo lá fora está mudando, e não será gentil com quem se apega a ilusões.
Seraphina assistiu enquanto ele se afastava, a tensão diminuindo lentamente. Alaric observou a troca silenciosamente, ciente da complexidade por trás daquelas palavras. Ele não entendia tudo, mas sabia que algo muito maior estava em jogo.
***
Durante o mês que se seguiu, Seraphina visitou Alaric regularmente. A relação que antes era de dívida e culpa começou a se transformar. Cada conversa revelava mais sobre o outro. Seraphina compartilhou seus medos e dúvidas sobre seu lugar na corte, as intrigas que envolviam seu meio-irmão Cedric, e os rumores de que outro irmão, um dos filhos das concubinas, estava ganhando poder suficiente para desafiar o trono.
Por outro lado, Alaric falava pouco sobre as torturas que sofria nas mãos de Malakar, o mago negro que parecia determinado a arrancar algo dele. Mas a companhia de Seraphina tornava aquelas sessões um pouco mais suportáveis. A cada visita, ele sentia sua esperança renovada.
Um dia, Seraphina trouxe consigo um novo pedido.
— Alaric, estou me preparando para entrar na disputa pelo trono — disse ela, com uma firmeza que ele ainda não havia visto antes.
Alaric a encarou, surpreso.
— Você quer dizer... que está realmente disposta a lutar contra seus próprios irmãos?
— Não é uma questão de querer. É uma necessidade. Meu avô, o rei anterior, me prometeu apoio, e isso pode ser minha única chance de proteger as pessoas que me importam.
Alaric sorriu levemente, admirando sua coragem.
— Então, nesse caso, talvez precisemos de mais do que palavras. Um antigo cavaleiro mágico que está preso aqui... ele me ofereceu algumas lições de espada. Talvez eu devesse aceitar. Se vou ficar ao seu lado, também preciso estar preparado.
Seraphina sorriu pela primeira vez em dias. Pela primeira vez, sentia que não estava sozinha.
***
Com o cair da noite, eles passaram mais uma vez conversando por horas. O vínculo que compartilhavam crescia a cada momento, evoluindo para uma amizade sincera e profunda. Embora Seraphina ainda carregasse a culpa por tê-lo arrastado para aquele destino, Alaric a lembrava constantemente que sua presença ali não era apenas um fardo, mas uma fonte de esperança.
E assim, com a lua iluminando as pedras frias da prisão, o capítulo de suas vidas compartilhadas avançava. Ambos estavam prontos para enfrentar o que viesse — juntos.