"...Somos feitos de carne, circuito e osso. E com nosso sangue e suor, poderemos manter nossa Cyber-Hill em pé, contra essa violência nas ruas. Vamos juntos pela nossa cidade..."
— Desliguem esse rádio! O chefe disse que quer vê-los imediatamente!
— Poxa, o que a gente fez, Randall?
— Não discute comigo, Adrian! Sabe muito bem da besteira que você e o Ed fizeram hoje! Já digo pra tirarem essas carcaças imundas da minha frente.
— Droga...— Ele encarou Ed, que lhe retornava um olhar assustado e pegou as chaves da sua moto — Tá, vamos indo.
Era fim de tarde e o sol já havia se posto. Adrian e Ed descansavam após um dia intenso de trabalho no desmanche da gangue Metal-Wolf, nos quais eram membros há pouco tempo. O desmanche onde estavam ficava em uma zona periférica da cidade, portanto Adrian, se quisesse chegar ao quartel general da gangue Metal-Wolf, teria que atravessar o centro de grande cidade de Cyber-Hill.
— Ainda bem que não é hora do Rush — disse Ed com um sorriso forçado no rosto pelo comunicador da moto — Sabe, eu não queria te meter nisso.
— Tá tudo bem, no máximo só vamos levar algum xingamento do Wendell.
Em meio às ruas iluminadas de Cyber-Hill, Adrian e Ed andavam rapidamente conforme o fluxo de carros da cidade. O vento soprava em seus rostos e o cheiro dos escapamentos poluídos da cidade era forte. As poucas buzinas que ecoavam ao redor, indicavam pouco movimento na pista. Os pedestres que perambulavam pelas ruas andavam calmamente sobre as longas avenidas rodeadas de altos prédios cinzas.
— Sabe Adrian, espero que não sejamos expulsos da gangue, ou pior. Eu me preocupo muito contigo e com sua irmã. — Ele deu um breve suspiro — Por falar nisso, como anda a Alice?
— Do mesmo jeito de sempre. Só ultimamente a saúde dela deu uma piorada. A tosse dela está mais forte e ela sente muita dor no peito.
Eles andaram mais alguns quilômetros até se afastarem novamente do centro. Passados mais alguns minutos, Adrian e Ed chegaram ao Covil dos Lobos, como era conhecido o quartel general da gangue. Na entrada, dois homens altos vestindo jaquetas de couro e armados bloqueavam a passagem.
— Olha só, se não é a dupla dinâmica aqui. O que fizeram dessa vez? Parece que o chefe Wendell está bem irritado. — disseram em tom de deboche — Vão logo de uma vez, trastes!
Quando chegaram na sala de Wendell, ele estava inquieto, sua longa jaqueta de couro branca balançava de um lado para o outro. Ele se debruçou na mesa e encarou profundamente os dois subordinados.
— Adrian e Ed, eu dei para vocês uma missão que eu considero até fácil: Roubar um veículo estacionado, em uma porcaria de garagem e vocês ainda tem a cara de pau de bater o maldito carro?
— Sabe o que foi, Wendell? Os freios daquele carro estavam ruins, sabe? Eu não...
— Ed fica quieto, que eu não terminei!
Wendell suspirou profundamente. Tirou um maço de cigarros de sua jaqueta de couro branca e acendeu um deles.
— Sabem? É por motivos assim que a nossa gangue está indo de mal a pior. Estamos perdendo respeito com muitos compradores de peças e os negócios não vão bem. Talvez eu seja muito bonzinho por tolerar atitudes como essa. Vocês têm sorte de eu não ser um maluco sociopata que sai matando todos os subordinados.
— Olha Wendell, sentimos muito por esse incidente, queremos dar um jeito nessa situação.
— Adrian, vocês não querem dar um jeito —Ele deu uma baforada e jogou o cigarro — Vocês vão dar um jeito nisso e nessa noite ainda, senão eu me encargo pessoalmente de chutá-los para fora daqui.
— Mas o que vamos fazer?
— Isso já não é problema meu...Lembrem-se, me devem um carro de pelo menos trezentos mil créditos.
— O quê? Mas o carro que roubamos não valia nem cem mil créditos.
— Pode perder tempo aqui reclamando ou pode simplesmente procurar o tal carro. A escolha é de vocês.
Os dois saíram do recinto calados.
Andando pelas ruas de Cyber Hill, Adrian e Ed procuravam por um carro de luxo, mas a maioria deles estavam ou dentro de grandes garagens protegidas ou simplesmente havia muitos carros guardados por seguranças fortemente armados.
— Poxa vida, onde vamos achar um carro de mais de trezentos mil créditos nesta hora?
— Ed, e se formos até o ferro velho?
— De que adianta? Lá só tem porcaria ou qualquer carro inútil amassado.
— Ué, vai que damos sorte.
Chegando lá, eles esconderam as motos e começaram a procurar por alguma coisa que prestasse.
O ferro-velho era um lugar bem afastado do centro, ficava atrás de alguns prédios menores, pouco iluminados pelas luzes avermelhadas e neons de Cyber-Hill. Adrian e Ed estavam em meio a vários carros quebrados e outras sucatas espalhadas pelo chão. O ar da noite era frio e denso, os restos de carro e caminhões amontoados se alastravam por várias distâncias. Adiante, havia uma placa escrito "Jazigo dos motores".
— Achou algo? — disse Ed enquanto saía de dentro dos escombros de uma van.
— Nada, vamos dar uma olhada lá em cima, assim teremos uma visão melhor. — Ele apontou para uma construção abandonada.
— Será? Estou com um mal pressentimento...
— Quer ficar devendo para o Wendell? Eu nem sei o que ele é capaz de fazer quando está irritado daquele jeito.
— Ainda acho que não é uma boa ideia, mas não temos outra escolha, né?
Eles estavam subindo o prédio, quando de repente, Adrian parou de andar. Seus olhos se fixaram em um grande contêiner vermelho-escuro. Estava praticamente invisível devido a pouca iluminação do ambiente, porém um pequeno reflexo de um poste distante brilhava no interior, em uma superfície com aspecto metálico.
— O que foi, Adrian?
— Tem alguma coisa naquele contêiner.
— Deixa para lá, provavelmente é mais sucata.
— Eu acho que não, vou abri-lo.
— Adrian, espera aí.
Ao abrir, eles se depararam com um grande carro-forte blindado, com números e códigos e o símbolo do governo da cidade no capô e no teto. Tinha poucos arranhões e estava praticamente intacto.
— Meu Deus, é um achado e tanto!
— Quanto será que vale?
— Só o carro já vale pelo menos um milhão de créditos. Mas eu me pergunto o que tem dentro dele...
— Deixa eu tentar destravar...Ué? — Ele apenas deu um leve toque na porta do carro, e percebeu que ele já estava com as portas abertas.
— Estranho... — disse Adrian entrando no carro-forte — Não tem nada aqui, só... Papéis e.... Opa, o que é isso aqui atrás?
Ele se deparou com um pequeno brilho azul atrás da cabine do carro. Era um brilho-azul fluorescente, estava fraco, mas parecia vir de algum pequeno cilindro metálico perto do fundo do carro-forte.
— Tem certeza se isso daí não é uma bomba?
— Não, mas logo vamos ver. Abre lá atrás para mim?
— Não dá, está emperrado, me ajuda aqui.
— Pera aí, se afasta.
Com um pedaço de ferro que pegou do chão, Adrian se debruça contra a porta e com toda sua força começa a esmurrá-la. Uma, duas, três pancadas…
De repente, várias fagulhas de vidro foram arremessadas na direção dele. Uma grande onda de energia alastrou-se com uma força absurda, liberando intensos raios azuis-claros, uma imensa explosão arremessou Adrian a metros do carro-forte, um grande estrondo ecoou sobre aquele ferro velho logo em seguida. Logo tudo retornou a calada da noite, como se nada tivesse acontecido.
— Adrian? ADRIAN?? — Ed gritava desesperadamente para seu amigo inconsciente — Adrian, por favor fala alguma coisa! — Ele balançava o corpo do amigo com força, até começar a abrir os olhos.
— Ed... — Adrian acordava lentamente, com arranhões no rosto e com sua jaqueta de couro suja e rasgada pelos estilhaços...
— Ah meu pai! Adrian, você tá legal?
— Sim...bem, acho que sim. Vamos embora antes que alguém veja a gente aqui.
Adrian e Ed pegaram seus veículos e entregaram o carro do governo para os capangas de Wendell. Ao sair do Covil dos Lobos, Ed disse:
— Tem certeza que está tudo bem? Você literalmente levou uma explosão na cara.
— Estou bem, só... um pouco tonto. Dei sorte de o carro-forte não sofrer danos severos. Enfim, acho que vou para casa ver como está a Alice, e tentar dormir um pouco para me recuperar.
Assim os amigos se despediram.
Adrian e Alice moravam em uma das grandes periferias do centro de Cyber-Hill, era um pouco longe de onde ele "trabalhava", mas tinham pouca escolha, já que sua irmã possuía a doença do sangue cinza, uma das doenças mais letais que surgiram após a última grande guerra. Essa enfermidade alterava os leucócitos do sangue, e transformavam-nos em células agressoras que atacavam o organismo do paciente. Até o momento atual não foi descoberto nenhuma cura ou tratamento, somente remédios para reduzir os sintomas.
Ele chegou em seu humilde prédio residencial, e no segundo andar, onde moravam, encontrou Alice esperando-lhe na porta de casa.
— Oi Alice, como vai minha irmãzinha?
— Bem, mas não me chame de irmãzinha, lembre-se que você é só dois anos mais velho que eu.
— Como foi o dia?
— O de sempre, arrumando a casa, fazendo comida, e hoje eu fiz um...COF...COF...
Alice tossia rouco, como se tivesse passado o dia assim, sua pele pálida e seus olhos grandes cheios de olheiras indicavam seu estado de saúde precário. Ela só parou de tossir quando ele injetou um pequeno soro vermelho em seu braço.
— Sabe, eu me preocupo com você Alice, sua saúde não tem melhorado muito, e para piorar o preço do remédio subiu de novo.
— Eu entendo, mas eu me preocupo ainda mais com você. Com esses seus "trabalhos", você ainda pode se machucar muito, ou pior.
— Alice, eu prometo, vou cuidar de você até termos uma melhor renda, aí eu juro que largo essa vida.
— Por favor, tenha cuidado, é só isso que eu peço.
— Não se pre...ARGH!
— Adrian? Está tudo bem? Agora que notei, você está todo sujo e com sua jaqueta rasgada.
— Sim...apenas um acidente de moto. Vou tentar dormir um pouco pra ver se alivia.
Ao sair do quarto onde estava sua irmã, Adrian cambaleou até a porta de seu quarto. Tentando se segurar em alguma coisa, acabou derrubando vários objetos. Quando se olhou no espelho, percebeu que seus olhos estavam vermelhos, e seu nariz sangrava muito.
— Mas que...?
Tentando estancar o sangramento com um de seus cobertores, ele tropeça e cai inanimado no chão. Sentia muita dor em seus músculos e em todos seus membros. Não conseguia se mexer, seus olhos esbugalhados indicavam o horror que sentia, mas não conseguia falar nada. Sua cabeça estava latejando e seu coração palpitava como uma bateria. Por fim, perdeu a consciência novamente e desmaiou.