Michael Allans já não tinha um dia normal há muito tempo.
Em primeiro lugar: a mulher que ele foi apaixonado, não só o abandonou às vésperas da festa de casamento, como também forjou sua própria morte. E Mike se viu caindo em um abismo profundo, preso na fantasia do que seriam juntos.
Em sua terra natal, algo que os feéricos dizem ser O Mundo Mortal, mas para Mike, era apenas o bom e velho: País De Galês. Eles o diagnósticaram com depressão.
David não sabia, mas antes de se conhecerem, quando Mike ainda morava sozinho em uma mansão luxuosa e solitária, sua mãe ordenou esconderem todas as facas da casa, após encontrar cicatrizes em seus pulsos em um acidente infeliz.
Em segundo: ele não só havia descoberto a possibilidade da mulher que ele amou estar viva, como também que ela fazia parte de um mundo que para os humanos era uma lenda. Então ele se viu entrando cada vez mais fundo nessa loucura com a esperança de poder vê-la novamente, e talvez, se fosse muito sortudo, trazê-la de volta pra a casa, a casa deles.
Mas isso não foi possível, e Mike teve que encarar a dura realidade de que mesmo em um mundo onde existia magia, fadas, elfos e unicórnios, Michael Allans jamais conseguiria a única coisa que realmente almejou: sua esposa de volta. Ela estava oficialmente morta, ou era isso que manipulou para Mike pensar, e ele entendia isso agora: a mulher que ele amou jamais o quis.
E em terceiro: havia David. Se a educação de um filho, adotivo ou não, já não fosse desafiador o suficiente, David era um adolescente feérico, o príncipe deles, para ser mais exato. Ah! E ele também era o filho da mulher que ele amou.
Mike se lembra da dor de ter o pequeno príncipe por perto no início, a prova de que sua esposa amou outro homem.
E também, se lembrava quando o viu pela primeira vez, em um desfile da realeza no império dos elfos.
David, ainda uma criança, não o adolescente que era hoje em dia. Parado, os olhos refletindo um cansaço profundo, mas pousava como um rei, o pequeno príncipe parecia uma estátua de mármore viva. Somente olhando seu rosto, Mike conseguia ver a sua própria esposa refletida nas feições delicadas.
Mas Mike já não via sua (talvez) falecida esposa no rosto do príncipe. Ao invés disso, ele via somente David, seu filho, um garotinho cansado e que raramente se portava de acordo com sua idade. David não era mais o garotinho com (provavelmente) oito anos de quando se conheceram, agora era um adolescente orgulhoso de 16, ainda assim, ao menos pra Mike, ele era só um menino.
Um menino muito inteligente e difícil de cuidar, para ser breve.
David jamais foi um encrenqueiro, mas Mike não podia contar nos dedos quantas vezes esteve a ponto de ter um ataque cardíaco, desde que o pequeno príncipe insistia em andar em uma linha muito fina entre a vida e a morte. Aconteceram muitas vezes.
O Príncipe Dos Feéricos era imortal, Mike sabia disso, ele conseguia se curar sozinho de qualquer machucado sem deixar nenhuma cicatriz, Mike também sabia disso. Assim como soube que se não tivesse esse dom, teria muitas e muitas cicatrizes.
Ainda assim, Mike se sentiu tentado a voltar a beber pela primeira vez desde que começou a frequentar uma igreja, oito anos atrás, ao descobrir que David não voltaria para o País De Gales, no mundo mortal e ficaria em Arbor. Ainda não sabia como conseguiu suportar essa notícia estando sóbrio.
Em qualquer outro momento, Mike teria aceitado, relutantemente, e faria visitas regulares. Mas não agora, não quando o maluco do seu tio materno estava ali, solto como uma praga no reino que David lutava tanto para proteger.
Mike sabia que David teve uma infância difícil, mas jamais soube a profundidade disso, até que David foi basicamente sugado para Arbor, quando estava vivendo uma vida "normal". Mike foi salvá-lo, quando provavelmente ele não precisava ser salvo. Isso aconteceu três semanas atrás.
E então, em Arbor, David levou o choque de saber que seu tio, rei Caron, que deveria estar condenado a dormir pela eternidade, enquanto sua alma vagava pela Caverna Sagrada, não só estava em pé, como usava o corpo de Simon como uma espécie de espírito obsessor.
Simon chamava a punição do sono como: maldição da bela adormecida. E sinceramente? Se tornava bem mais simples de entender.
Houve uma luta intensa, o corpo de Caron foi destruído, mas não foi o fim. E agora, parado na tal Caverna Sagrada, vendo seu filho se debater entre as sombras de Jin, Mike se perguntou o quão profunda eram as cicatrizes que Caron fez no coração de seu filho.
Michael Allans estava tendo uma disputa interna entre uma voz que dizia para ser um bom pai e dar o espaço necessário para David se abrir, talvez nisso ele até poderia mudar de ideia. Mas outra voz lhe dizia para deixar ouvir a explicação de Jin, jogar seu adolescente rebelde nas costas e exercer o seu poder como tutor legal, o obrigando a ficar em Gales com todos. O que seria basicamente um sequestro, e David iria escapar uma hora ou outra.
Suspirando, Mike se aproximou de Jin Yang e encostou levemente em seu braço.
— Solte ele, Jin.
Como sempre, Jin obedeceu imediatamente. Mike segurou David como se ele fosse uma criança fazendo birra, e não um adolescente quase do seu tamanho.
— Escute, filho. Nós somos sua família. — Começou Mike, a voz calma e gentil. — Mesmo se quiser ficar em Arbor, nada vai mudar isso…
— E nós podemos te visitar. — Interrompeu Ethan, com a praticidade de sempre
David parecia em pânico por um instante, o que imediatamente acendeu um alerta vermelho na cabeça de Mike.
— Quando estiver pronto para conversar, nós vamos ouvir. — Michael resumiu, por fim, com uma tonalidade que não permitia argumentos.
O Rei bufou, deixando sua curiosidades vencer, ficou um pouco chateado por tudo ter se desenrolado de maneira tão simples, por enquanto. O príncipe se assustou com o barulho. Por um instante, havia esquecido da presença do espírito guia. Simon fez um som semelhante do Rei, cruzando os braços com uma expressão irritada.
Um olhar afiado de Mike em sua direção foi o suficiente para a carranca desaparecer.
— Não gosta da ideia de não ver ser amigo de novo? — Questionou o Rei suavemente, não esperando exatamente sua resposta.
Mas para sua surpresa, Simon suspirou e olhou para ele.
— Não é isso, tio. Ele tem que voltar para a casa. Sua banda vai abrir o show do Harry Styles, e eu tenho que conhecer o Harry Styles!
O Rei piscou, não entendendo uma única palavra, como se o garotinho estivesse falando outro idioma. Mal sabia ele, que isso era um sentimento comum para quem convivia com Simon por muito tempo.